Cumulus Nimbus

“Eu que não fumo, queria um cigarro
Eu que não amo você
Envelheci dez anos ou mais
Nesse último mês...”

(Eu que não amo você – Engenheiros do Hawaai)



Comecei a fumar. Resolvi, do nada, acender um cigarro. Havia alguém ao meu lado baforando nicotina fétida, fazendo biquinho ao soltar a fumaça para o alto, quando perguntei sobre qual o real sentido daquele gesto em sua vida. Respondeu-me que, enquanto traga um cigarro, consegue desligar-se do mundo real por alguns instantes e, consequentemente, esquecer dos problemas momentaneamente.
Franzi o cenho, cocei a nuca e arrisquei. Tomei o palitinho entre os dedos, empunhei o isqueiro, semicerrei os olhos e traguei. Após tossir por mais de dez minutos ininterruptamente, decidi que não deveria desistir assim tão fácil e tentei outra vez. O primeiro cigarro já havia sido devorado pelo vizinho, então filei outro. Com mais cautela, acendi. Enchi a boca de fumaça e, lentamente, joguei algumas golfadas para o meu pulmão virgem.
Dessa vez, tossi durante vinte minutos. "Não devo ter nascido para isso", pensei. Contudo, o Ministério da Saúde deu o azar de eu estar num dia excessivamente contumaz, o que me fez, na maior cara-de-pau, roubar o terceiro crivo e, quase que numa questão de honra, incendiar o pelintra.
Na terceira foi. A penumbra do local inebriou-se da primeira nuvem de fumaça segura que saiu da minha boca para contribuir com a derrocada do ecossistema. A partir daquela hora, tornei-me um viciado. Uni-me à porcentagem de brasileiros que vivem seus dias sem pensar no amanhã, levando a vida pouco a sério, já que não sairão vivos dela mesmo.
É estranho, devo confessar. Senti-me vestindo a camisa do Inter, uma vez que sempre fui antitabagista de cruz na testa, bradando aos quatro ventos os malefícios do fumo. Aliás, continuo não curtindo nem um pouco a fumaça, é fedorenta, mórbida e desnecessária. Mas, querem saber? Combina comigo.
E mais: por incrível que pareça, a sensação de tranquilidade é real. Quando consegui saborear o primeiro cigarro de fato, flutuei. Deve ter sido uma cena nada charmosa, já que sou todo desengonçado para as coisas glamourosas. Dane-se, deu vontade.
Por sinal, isso vai ao encontro dos pensamentos modernos, onde é cada vez mais fácil abrir a vida para novos horizontes ou, de repente, permitir que haja espaço para algo novo. N'alguns, entra fumaça. Noutros, vá saber, né? A verdade é que estou encurtando minha passagem por aqui em alguns anos, à medida em que acendi o segundo, o terceiro e o quarto. Após terminar por aqui, vou para a porta degustar o quinto, afinal de contas, a carteira está cheia.
E assim caminha a humanidade, sempre há uma novidade que surpreende, que choca ou que decepciona. Até mesmo quando você fica sabendo de algo e se recusa a acreditar, até que a própria vida venha e lhe prove que era tudo uma grande brincadeira de mau gosto.


“As pedras do caminho deixe para trás
Esqueça os mortos eles não levantam mais
O vagabundo esmola pela rua
Vestindo a mesma roupa que foi sua
Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
E não tem mais nada negro amor”

(Negro Amor – Engenheiros do Hawaai)

5 comentários:

  1. Eu, sinceramente, acho que é ficção.
    Se não for, aconselho a pensar muito. Porque fui vítima (e não viciada) dessa sensação por 10 anos. E não foi fácil mandar em mim de novo.
    Beijo, queridão.

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  2. Espero fortemente que seja de fato uma brincadeira de mau gosto.

    Abraço, chaminé!

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  3. Mano velho, espero que seja só a música dos Engenheiros...
    alías, Negro Amor é de outra pessoa... acho que é mais antigo.
    Tudo em paz?
    Abraço!

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  4. Enquanto eu tô aqui parando você tá dai começando? Tsc, tsc, tsc. Pode parar moço!
    Bjitos!

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