O Saudosista (6)

Antes de iniciar o texto de hoje, quero parabenizar dois aniversariantes muito especiais, colegas da blogosfera e da vida: Marquinhos e Candy (quase escrevo teu nome, guria), ambos completando mais uma feliz primavera. Desejo felicidades aos dois, e que Deus ilumine seus caminhos, para que perpetuem este sentimento através de textos e atitudes de caráter admirável, característica inerente aos dois. Feliz aniversário, amigos!

Vinte e seis de novembro de dois mil e cinco. Até parece data de caderno de criança de primeira série, mas não é. Simplesmente, é uma das datas mais importantes para pouco mais da metade do Rio Grande do Sul. Eu morava na fazenda, em São Francisco de Paula, e passara o ano inteiro esperando por aquele momento. O derradeiro combate, a decisão que me elevaria aos céus, ou me deixaria no inferno.

Taquicardia. Suor gelado. Mãos trêmulas. Apita Djalma Beltrami, e a bola rola no estádio dos Aflitos, em Recife. Grêmio e Náutico disputam o acesso à primeira divisão do futebol brasileiro. Para os nordestinos, uma chance ímpar de voltar à elite após tantos anos longe dela. Para os gremistas, a oportunidade de lavar a alma, de erguer os olhos, de voltar para o lugar de onde nunca deveriam ter saído.

Não foi um simples jogo, mas uma Via Crucis, onde o primeiro tombo veio em forma de pênalti. Pela graça de uma centelha divina, a bola ricocheteou na trave e marejou minhas córneas pela primeira vez, acompanhada de brados e cânticos de louvor aos deuses do futebol.

Fim do primeiro tempo. Fim das unhas e alguns fios de cabelo. Zero a zero.

No segundo tempo, a mesma tortura. Até que, nos idos de trinta e picos, o glorioso Escalona foi expulso. O que já estava complicado, enrolou-se mais ainda. Mas não era o bastante. "Cardíacos, tremei", blateravam as harpas dos querubins responsáveis pela aura gremista.

De repente, não mais que de repente, a segunda, a pérfida, a atroz, vilã penalidade máxima. Empurrões no árbitro, e outra expulsão. Murros no peito, auto-flagelação tricolor, "por que, meu Deus, por quê"? Uma perna lança-se na direção de Djalma, que empunha novamente o rubro cartão, mandando o terceiro gremista para o chuveiro, e junto com ele as faculdades mentais de um sem-número de torcedores beirando uma síncope futebolística. Quando parecia que não havia como piorar, eis que nosso zagueiro aborígene-troglodita Domingos chuta a bola da marca do pênalti, e o juiz, filho de uma senhora de respeito muito elogiada por nós, decreta a quarta expulsão.

Sete jogadores em campo. Quarenta e tantos do segundo tempo. Um pênalti contra. Meu Lexotan, por obséquio. Oremos. Apelemos ao Sobrenatural de Almeida. Foi então que, num ato desesperado de fé, cerrei os olhos, uni as mãos, e rezei. Desafiei o Pai Celeste a revelar-se como Todo Poderoso. "Senhor, se Tu existes de verdade, faça com que o Gallato opere um milagre, e eu nunca mais colocarei minha crença em xeque".

De orgulho ferido, Deus ajeitou-se em sua poltrona divina e estalou os dedos. Ademar, do Náutico, partiu para a bola e... GALLATO! Dois segundos de silêncio antecederam uma série de berros alucinantes, agradecimentos infinitos e toda a sorte de vocábulos em loas ao Senhor. Um milagre aconteceu, e o arqueiro tricolor defendeu o pênalti. Inacreditável, incrível, majestoso, faraônico, inominável!

Enquanto expulsava todo e qualquer animal silvestre dos capões de araucária com minha celeuma comemorativa, percebi um afro-brasileiro conduzindo a bola rapidamente em direção à área do Náutico e ratificando a ação de Jeová sobre aquele jogo. Macacos me mordam, valham-me todos os santos deste e de outros mundos, gol do Grêmio, Ânderson, o enviado dos céus, o anjo de tranças que, com sua habilidade nos membros inferiores, tirou-nos da escória, das profundezas mais sórdidas da humilhação.

Entre lágrimas, espasmos involuntários e urros de contentamento, desabafei a dor que me acompanhou durante uma temporada, quando assisti à ida do meu time do coração para o fundo do poço, levando quatro da gloriosa Anapolina, descobrindo que o fundo do poço tinha subsolo, até que Mano Menezes chegou para trazer a euforia aos corações tricolores.

Hoje, dois anos depois, quando recordo aquela guerra, aquele embate digno de causar inveja aos gladiadores que duelaram no Coliseu, meus pêlos eriçam, o coração acelera e revivo todos aqueles suntuosos sentimentos, certo de que, naquele dia, meu gremismo foi ratificado, talhado para sempre no coração deste torcedor que ama seu time com todas as suas forças, que vibra na hora da vitória, mas que também afunda os guatambus no esterco, se preciso for, para não abandonar esta simbiose gremista que nasceu no momento em que fecundei o óvulo, ainda espermatozóide, mas já com o Grêmio no DNA.

PS: Agora, sinceramente, espero não precisar nunca mais escrever um texto desse tipo. Minhas sinceras condolências ao Juventude, que amargará a próxima temporada nos porões do futebol brasileiro...

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