O Saudosista (9)

Lembro do meu primeiro porre como se ele tivesse ocorrido ontem. Trinta e um de dezembro de 2002, um dia quente daqueles de fritar ovo no asfalto.

É bom que se entenda a situação anterior a este fato. Sempre fui um careta de galochas. Com dezessete anos, virgem, todos os meus amigos bebiam, só eu que não, estava apenas começando a dar umas bicadinhas na cerveja. Seria o primeiro reveillón que eu passaria longe da família, onde essas comemorações sempre foram inertes, sabem como é, família pequena, sem muitos recursos, alguns problemas camuflados, enfim, não era legal. Tudo isso, ainda que insconscientemente, contribuiu para o que contarei a seguir.

Meu amigo e eu fizemos uma refeição discreta na janta: dividimos uma mísera lasanha de microondas, coisa de trezentos gramas pra cada um. O estômago vazio caracterizava a tragédia anunciada. Nos deslocamos para a casa onde passaríamos a virada e, antes de cumprimentar qualquer um, deparei-me com uma enorme caixa de isopor abarrotada de cerveja. Latas e mais latas, um sem-número de álcool ali, disponível, como nunca antes eu tinha visto.
Perto das 23h30min, algo inesperado aconteceu. Parece que alguém estava de aniversário numa casa perto dali e a manada resolveu cantar os parabéns antes da meia-noite. Debandada geral, coisa de segundos. Ficamos ali, eu, meu amigo e a caixa de isopor. Conversamos alguns minutos enquanto bebíamos duas latinhas, até que o pior aconteceu: o telefone dele tocou. Era a guria com quem ele estava ficando.
Reservado, ele saiu para um lado e desandou a trovar. Olhei para a caixa de isopor; ela fitou meus olhos, com todas aquelas latinhas reluzentes... Foram minutos de paixão selvagem e frenética. Quinze minutos depois, quando ele voltou da ligação, havia nada menos do que meia-dúzia de latas vazias ao meu lado. Jamais esquecerei a expressão de espanto que ele fez. Ora, para alguém fraco para o álcool e de estômago vazio, isso é caixão e vela.
À meia-noite, durante as comemorações, eu já abraçava todo mundo como se fossem meus amores de infância. Só faltou chorar abraçado numa tia velha. Meia hora depois, notei que comecei a trocar os nomes das pessoas. Chamei o Carlos de Édson, o Édson de Carlos e percebi que as pessoas começavam a rir de mim. Resolvi, então, dar uma volta com um grupo de pessoas que saiu a caminhar.
Quase em frente à minha casa, encontramos outro grupo de amigos. Pessoas que me contam que as abracei efusivamente, mas que não lembro sequer de ter visto. Dizem que eu estava alegre, falante, mas a verdade é que aquele monte de cervejas já estava correndo livremente em minha corrente sangüínea, o que causou o primeiro tombo. Foi na volta para a festa, perto de um bueiro. O prenúncio da sarjeta. Bati o cotovelo esquerdo no chão, lembro bem disso. Aquela queda em câmera lenta...
Chegamos, enfim, na festa. Percebi um alvoroço, outro amigo meu bradava um discurso imponente, dizia: "ano que vem eu vou casar!". A noiva, aflita, corrigia: "é esse ano! é esse ano!". Cara esperto, admirei sua perspicácia e fui reverenciá-lo, como outros já faziam. Cambaleante, porém, perdi o equilíbrio e cataplof!, bati o cotovelo direito no chão. As pessoas riam, os cotovelos sangravam, mas eu nem dava bola.
De repente, surgiu um anjo. Uma guria querida, que àquela altura da madrugada, por menos beleza que tivesse, me faria enxergar a Juliana Paes. Me pegou pelo braço e disse que cuidaria de mim. Deitei na calçada, acomodei a cabeça no colo dela e apaguei. Dali pra frente, lembro apenas de flashes, a água fria do chuveiro na nuca, alguém me dando sorvete de colherzinha, muitas risadas e eu sem conseguir sequer movimentar a língua. Lembro também da hora que entrei no carro, de outra em que cheguei no hospital, do enfermeiro rindo de mim, de uma amiga me grudando pelos cabelos, impedindo que eu caísse de cara no chão.
Acordei às sete da manhã, na cama do hospital, soro na veia, uma poça de sangue no lençol. Olhei para o lado e vi meu amigo dormindo sentado, coitado, judiei da criatura. Após um litro de soro, sentia-me forte como um touro. Fui para a casa dele e, ao entrar no chuveiro, aquela dor horrenda nos cotovelos. Quando chequei, percebi os dois abcessos, duas feridas horrendas e então recordei os tombos da noite anterior.
Foi um porre e tanto. Até hoje tem gente que me encontra no bairro e lembra daquele noite lamentável. A cada reveillón, sempre perguntam se vou repetir o feito. Fiquei marcado por apenas um deslize. Passei um ano sem beber, com nojo da cerveja, até o cheiro me repugnava.

Demoramos a fazer as pazes. Já tomei outros fogos, mas nenhum que se compare àquele fatídico Ano Novo. Com essa lei seca, então, é provável que nem repita mais um feito parecido. Vejam o quão sórdido é o governo, impede até mesmo que as pessoas tenham histórias pra contar. Lembro quando minha avó me enxergou, perguntou imediatamente o que tinha acontecido com meus cotovelos, sem jamais imaginar a atitude ébria de seu neto primogênito na noite anterior. Inventei que tinha machucado jogando bola, desconversei, ela também não insistiu.
Hoje vou sair, fazer festa, badalar. Queria tanto encher os canecos, afundar os calções, ter uma tórrida noite de envolvimento com o álcool. Não posso, a lei não permite. E, além disso, agora já tenho mais de dezoito anos e perdi o convênio com a Unimed. Nem bêbado se pode ficar em paz.

24 comentários:

  1. Olha que eu não sou de beber tanto assim... Nunca tive nenhum porre. Mas, a pouco tempo, descobri que é bom poder sair da aula, tomar uma cervejinha e voltar pra casa...
    Pena que não vou poder repetir isso, né? Pois volto pra casa dirijindo... Essa lei em... Sei não....

    Um beijão pra tu guri...

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  2. A minha cachaçada mais fenomenal eu fiquei sem assistir o show que eu tanto queria. E meu pai passou a me chamar de "caninha".

    Bjo

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  3. Eu ainda tô me recuperando do último porre. Nossa. E foi sem querer, uma taça de vinho, duas, três... No dia seguinte promeça pra Deus de parar de beber se ele me deixasse viver.

    Beijão.

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  4. Realmente seu Antônio,o teu porre vai ficar marcado para a história mesmo!!!A história de porre mais hilária do século!!!
    hushaushaushaushaushaushaush
    Com certeza tu superou as minhas expectativas de pessoas que se embebedam quase sem querer!
    hsuashaushaushaushausahus
    Muito bom mesmo!
    :***

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  5. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Comecei a bbr nesse msm ano!
    E depois de duas doses de Bacardi eu já fazia coisas que até hoje duvido!
    uahuahauahuaua
    amanhããã é diaaa de bbr!!!
    \o/
    viu... tem o lado bom de não dirigir!
    hehehehehe

    *Kari, amiga, é ooootimo sair da aula e tomar uma cervejinha, mesmo que isso signifique beber de manhã! hahahahha


    **Que vc é é um algodão doce de branco eu já sabia... mas ciumentooooo...
    uahuahauhauahua
    ciumentinho lindo!
    :D

    ;*

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  6. nuncaa tomeei um porree
    e odeioo bebidaa


    http://imensidadx3.blogspot.com

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  7. Incrível como esse Antônio me faz rir a cada post! Também já tomei meu primeiro porre absurdo, só cai uma vez. Ralei o joelho... e, no dia seguinte, enquanto ele doía, eu tentava imaginar como tinha sido. Só depois minha irmã contou do meu tombo.. o micasso!
    Beijos

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  8. Antoniooo!!
    To passando pra matar saudade! =D
    hahah...óteemo seu porre!! Me fez lembrar o meu...! Em pleno verão d Assis, eu com dois moletons e passando frio...rs! Ainda bem q nao precisei parar no hospital...rs
    Bjokas, moço!
    Boa balada!
    Se cuida!

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  9. Hahahahaha!
    Saudades de ler seus textos!
    Mas esse foi um porre histórico mesmo! Chegou até a ir pro hospital!
    E tudo isso com cerveja, nem foi com destilados!
    Se o convênio com a Unimed tivesse continuado...
    Eu sou sempre a sóbria que só ri dos porres dos outros e ajuda a lembrar das histórias. E tem cada história de desmemoriados... =)
    Agora com essa lei seca recebo mais convites interesseiros de companhia para festas. xD
    Beijo!

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  10. que nada, rapaizzzzzzzz... com a lei seca vc pode beber sim.
    agora deixa eu fazer a minha propaganda como funcionária do BB, neh...
    faz um seguro de vida ou de carro no bb, e sempre q vc beber é só vc ligar pro seguro e o seguro manda um táxi buscar vc no boteco q vc tiver, e leva vc e seu carro pra casa.
    viuuu? pode simmm.
    e não é propaganda enganosa não kkkkk

    ah, só pra constar, eu nunca fiquei bêbada. oxe.

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  11. Seguinte!
    Já tenho meu convênio sozinha, e hj vou de carona.
    Talvez eu volte pra contar da minha esperiência com alcool. Rs.
    Ah, passou o humor chato... Ele só aparece de sexta.
    Beijos

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  12. Antônio! (:

    Nossa, que saudade eu senti daqui. Não tenho visto você passar aqui por essas bandas e infelizmente eu não pude dar a atenção merecida ao meu espaço (e aos outros espaços!). Meu computador esteve com N problemas e só agora está tudo certinho. Eu não via a hora de voltar! Agora eu não tenho tempo o sufiente para ler suas postagens, mas pretendo vir mais tarde, descobrir o que tem passado por essa cabeça de gênio.

    Visite cá quando puder!
    E a vó? Tudo bem com ela?

    Um beijo, querido.

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  13. huahuidashuidsahuidsa
    q foda, eu nunca tomei um porre a ponto de ir tomar glicose na veia hdsuaihdsa, mas se tem boas historias para contar, e claro mesmo com a lei seca da pra beber é so pegar um taxi depois para voltar para casa :D

    bjs

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  14. Bah, q texto legal! Adorei! Bah, tomei um porre na redenção, onde entrei no ônibus correndo na companhia duma amigo meu, alcoolizado. Eu era na dor de cotovelo que vivia e ele também. Bah, lembro que entrei dentro do ônibus mal e vomitei dentro dele. Algumas pessoas que fixei o olhar lembro. Outras nem um pouco. hehehe

    Mas é tri! Agora com a lei ficou um pouco difícil, mas nada que tu pegue o carrinho de mão e sai por aí em cima dele. ehehhe

    Abs!!!



    Marcos Seiter

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  15. "Com dezessete anos, virgem, todos os meus amigos bebiam..."
    A melhor parte, Antônio, a melhor parte!
    Huhuhuhu

    Beeeeeeejo quirido!

    Mi
    http://magricelanapanela.zip.net

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  16. Beber até cair e ir parar num hospital em pleno começo de ano? Que coisa, Antônio!
    Adorei o teu bom humor de sempre e os teus casos bizarros. Aposto que, se fosses indicados à responder aquele meme das 10 coisas mais bizarras que aconteceram na vida, as suas ganhariam de lambuja.

    Beijo :*

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  17. Caríssimo, tb já tive meus momentos! rs. Estou longe do álcool e o motivo é o Gabriel. Receio q ficarei bastante tempo longe da esbórnia agora q sou uma quase mamãe. Maaaassss, sugiro que caso fique seduzido pelo álcool, retorne pra casa de taxi. Eu já fiz isso: saí de carro, dirigindo, voltei de taxi pra não causar acidentes (viu como sou responsável? rs). No dia seguinte, devidamente curada, resgatei o carro! Ainda bem q lembrava onde havia deixado! rs. Como percebi q sofre de certa dose de amnésia alcóolica, melhor escrever um bilhete pra si mesmo! rs.
    De qq forma, divirta-se!
    Beijos.

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  18. hahaha, muito engraçado, eu tomei um porre de vinho uma vez, que droga, até hoje não consigo nem sentir cheiro nem de uva, hahaha
    Que exagero, nem tanto... mas foi uma história e tanto... agora ando mais calma, sei me controlar, mas duvido quem não tenha feito uma dessas quando era adolescente....
    História incrível essa sua, ri muito aqui!!!
    beijão!!!

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  19. Hahaha...aos 16 anos era virgem e não bebia. Querido, não se preocupe. Normal!!!
    Com 16 anos de idade, eu estava EXATAMENTE da mesma situação. rs

    Um grande abraço,
    Pitanga

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  20. Olha que eu já fiquei bêbada algumas vezes e até tenho minhas histórias para esses momentos, mas ainda bem que nunca fui parar no hospital...
    Bjitos!

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  21. Descobri seu blog pelo blog da Candy.
    AH! Ler sobre seu post me fez lembrar meu primeiro porre, ele é recente ainda, foi em agosto de 2007, virei assunto no cursinho e até hoje falam de coisas que eu disse e não me lembro, só não cai, mas vomitei e beijei meu namorado, coitadinho!
    =*

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  22. Meu primeiro porre também foi uma boa história pra contar! Mas eu tinha 14 anos! huaehueauh


    :*

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  23. Pois é...
    Nada é inteiramente ruim. Ao menos serve como mau exemplo... hehehehe...
    Belo texto, mano, no teu estilo de sempre.

    E, pra deixar no ar um ar de nojo que certamente me cabe, ESTOU DE FÉRIAS!!!!

    Um abraço!

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