Sinuca de bico

O submundo dos butecos conserva momentos marcantes e cenas pitorescas, daquelas difíceis de relatar num simples texto. Sexta passada, por exemplo, fui testemunha de uma das partidas de sinuca mais tensas da história do bairro Jardim Mauá, daquelas de fazer o Rui Chapéu rachar o bico.

Sou uma negação na sinuca. Até jogo de brincadeira, mas não tenho a manha do ganso, de ficar analisando ângulos, força da batida, tabela, taqueia aqui, bate ali e cai lá. Faço uma balaca, passo um giz no taco, mas fica nisso. Quando chega a hora de jogar, é paulada em cima de paulada, mais grosso que parafuso de patrola, à base de bimbas na bola branca.

Meus amigos, porém, são butequeiros de carteirinha. Todos os dias, quando chego em casa, os enxergo no bar, treinando e se confrontando efusivamente naquela mesa verde. Sempre valendo a ficha, uma questão de honra e, claro, a manutenção da rivalidade sadia.

Sexta, porém, entrou grana na jogada. Chamarei nosso personagem principal de... Felipe. Tá, esse é o nome dele mesmo, mas não acredito que vá reclamar direitos autorais. O sábado já nos acompanhava há vinte minutos, mas, é aquela velha história, mesmo após a meia-noite a gente continua considerando o dia anterior. Portanto, era sexta. Meia-noite e vinte.
Cheguei no bar pronto para a festa, acompanhado dos irmãos Silva. Esperávamos encontrar os guris prontos para a balada, até pelo adiantado da hora e por outros motivos que, bem, não vou revelar. Contudo, o que encontramos foi uma pequena roda de pessoas atentas à mesa de sinuca, onde iniciava-se um duelo instigante.
Felipe, vencedor da última partida, fora desafiado por um cidadão visivelmente embriagado, barriga saliente, cara de gambá e cofrinho aparecendo, principalmente quando ele se curvava para jogar. Como não lembro o nome do cara, vou chamá-lo carinhosamente de Pelópidas.
Para tornar o confronto ainda mais emocionante, como mencionei antes, surgiu uma aposta. Cinco reais no braço do Felipe. Ao ouvir aquilo, Pelópidas virou um bisão atiçado. Bradou se mais alguém estava disposto a apostar. Então, surgiu nosso próximo e indispensável personagem.
Johnny. Cento e dez quilos de audácia pura. Quinze reais no braço do Felipe! Pra buteco, é muito dinheiro, quase um Daniel Dantas da sinuca. Os gordos encararam-se, olhares desafiadores, pensei no pior. Pelópidas, visivelmente consternado, desandou a fazer contas e perguntas. Por mais simples que fosse, acredito que o álcool já o bloqueara o raciocínio. Se perdesse, pagava cinco pra um, quinze pra outro, simples assim. O Johnny, pra complicar, fazia toda uma história, enrolava o cara, tipo aqueles episódios do Chaves: "o que foi que eu disse? E como é?"
Nesse entrevero todo, a partida já transcorria. Preocupado, Amarelinho sussurou para mim que Felipe ainda não encaçapara nenhuma de suas bolas, ao contrário do Pelópidas, que, mesmo abaixo de goles e mais goles fartos de cerveja, taqueava com autoridade as pobres bolinhas.
Durou pouco tempo o reinado do rapaz adiposo. Em três tacadas, meu amigo mandou três bolinhas a fio para o fundo da caçapa, o que fez brotar a primeira gota de suor na testa protuberante do Pelópidas, bem como gerou conversinhas paralelas entre os expectadores, que sorriam e acenavam acertivamente com a cabeça, como que prevendo uma vitória fácil.
Não foi o que aconteceu. Malemolente, Pelópidas apelou pro psicológico. Vez ou outra, parava o jogo, conversava com o Johnny, que, mesmo tendo apostado no Felipe, dava corda para o gordo, sem dar-se conta que isso desconcentrava e prejudicava acintosamente o desempenho do nosso amigo.
Irritado, Felipe protestava, ameaçava abandonar a partida. Os ânimos começaram a fervilhar. Ávidos pela balada, começamos a demonstrar nossa impaciência com a demora entre uma jogada e outra. Vinte minutos já tinham se perdido naquele banzé todo. Instiguei o Felipe a desistir, só faltava ele se arrumar. Pôxa, tinha caprichado tanto no gel, meu cabelo estava um brinco! Além disso, aquela fumaceira de cigarro afetava bruscamente o efeito do meu perfume. Vendo aquilo, os irmãos Silva e o Amarelinho passaram a ajudar na pressão psicológica a favor da desistência do Felipe. Lancei ainda uns olhares de "tá, e aí?" pro Biriba, que ainda não apareceu na história, mas era o sexto componente da nossa comitiva baladeira.
Após muita enrolação, tal qual o parágrafo acima, o jogo prosseguiu. Nosso amigo, porém, sentiu a pressão do ambiente e começou a errar suas jogadas. Vinte reais no braço pesa, meus caros. Isso paga quase um baldão, mas não vem ao caso. Exasperado, atribuía seus erros ao burburinho do ambiente, feito tosa de porco, muito grito e pouca lã.
Já Pelópidas, mal conseguia equilibrar o taco sobre a mão. Dependendo apenas da bola oito para vencer, levava vantagem sobre o Felipe, que ainda precisava encaçapar mais uma, para só então alcançar também a bola preta. E aí aconteceu a jogada fatal da partida: ao invés de mirar na oito, o gordo preferiu errar de propósito, a fim de empatar o jogo e deixar os dois na dependência da derradeira bolinha. Uma atitude arrojada, é verdade, porém covarde. Ao ver aquilo, sentenciei para o Amarelo: "vitória do Felipe".
Dali, engalfinharam-se na oito de maneira alucinante. A cada erro, Pelópidas atirava o taco no chão. Johnny interrompia, os dois se xingavam. Felipe ameaçava desistir. Nós pressionávamos. O Biriba quieto, estático, só movia o grão dos olhos. Uma patifaria medonha tomou conta do ambiente.
Até que, finalmente, a profecia se cumpriu, isso quase a uma da manhã. Felipe curvou o corpo, fechou o olho esquerdo, fez o vai-e-vem tradicional no taco e pimba! Pá, pum, schlof! O schlof representa a onomatopéia da bola oito caindo, para deleite dos presentes, comemorações da galera, salvação da balada e, claro, queda da muralha Pelópidas.
Saímos rapidamente do bar, enquanto ele e o Johhny discutiam arduamente sobre o pagamento da aposta, inclusive sob ameaças de chegarem às vias de fato, algo comum em cobranças de dívidas em butecos. Todavia, nossa única preocupação era a festa, e fomos para ela faceiros com a vitória de nosso amigo. Felipe, claro, esboçou um risinho no canto da boca. Vitória, afinal. E o fim de uma das partidas de sinuca mais emocionantes que já presenciei.

Texto dedicado aos irmãos Silva, Cláudio e Bruno, incentivadores ferrenhos deste projeto de escritor.

14 comentários:

  1. uahuahuahuhaa
    Só vc mesmo pra deixar tão emocionante um jogo de sinuca.

    Beijos

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  2. Bruxo, muito bom o texto!
    Conseguiu descrever perfeitamente a cena.
    A cara do Pelópidas quando o jogo acabou foi bizarra.
    Não podes parar de escrever jamais! Tens que aproveitar e expor para os teus amigos esse dom de escrever que Deus te deu.

    Sexta tem mais! ehhehehe

    Abraço!

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  3. Consegui estar presente em todos os momentos da partida. E ainda, preciso dizer que nunca tive conhecimento, até então, de uma partida de sinuca tão emocionante...

    Você é demais meu amigo! Que isso...
    Parabéns!

    Abs.

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  4. Ficou mais emocionante do que uma partida de basquete, parabéns... E a propósito, tem um selo para vc no blog.
    Valeu!

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  5. Eu nunca fui uma adepta da sinuca, sempre fui uma negação sem tamanho com a mesa verde!
    Mas concordo plenamente contigo:foi a partida mais emocionante que já existira!!
    E o Pelópidas então?!
    shasuhaushaushaushauhsauh
    Sinceramente, tu fez eu rir demais!!!
    Pra variar um baita texto!!
    Bjuuuuu

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  6. Olha aí o Pelópidas virando personagem! Depois dessa ele pelopidou direto para casa, não?
    Abraço.

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  7. Puxa, eu, mulher que sou, nunca pensei que um relato sobre uma partida de sinuca fosse tão emocionante... Mas viu, saindo de lá 1h da madrugada, seu perfume com certeza já tava totalmente corrompido.

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  8. Adoooorei!
    uahuahahhaauhau

    qnd eu for aí, felipe vai me ensinar a jogaaar?
    \o/

    hahahaha
    ri com Pelópidas! vc nao perde a chance de falar esse nome!
    uahuahuahauhauhaa

    eeei, moço, vc nem contou da festiiiinha!
    =X
    *ok... vc pode responder: Ah, Branquela, vc nao parou de reclamar da vida pra mim, como eu poderia contar da festa?
    eu aceito esse raciocínio.
    hehehe

    ;*********

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  9. AHAHAHAHAHAHAHHAHAA! Nunca vi uma descrição tão boa pra uma partida de sinuca! ahaha ótimo demais, ri horrores.

    No centro daqui da cidade também rola essas paradas, mas lá a coisa é mais calma, por ser todo mundo amigo e tal, ninguém briga nem nada, pelo menos eu nunca vi...

    Ahahaa! adorei!

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  10. "Chamarei nosso personagem principal de... Felipe. Tá, esse é o nome dele mesmo" foi bom. Mas chamar o cara do cofrinho de Pelópidas foi impagável! rsrs.
    Bom, confesso, foi minha primeira (e talvez derradeira) risada do dia.
    Como sempre, descrito de forma soberba! Viajei aqui na partida.
    Detalhe: a primeira imagem que me veio à mente após sua descrição do Pelópidas foi a do personagem bêbado dos Simpsons! rs.
    Bjs.

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  11. ahhhhhhhhhh
    me senti lah no bar acompanhando a partida....
    hehehehe
    tb adoro escrever as histórias do cotidiano...
    beijos

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  12. Confesso que também não sou boa na sinuca.
    Partidas assim deixam qualquer um ligado ao próximo "passo", quer dizer, a próxima tacada.
    bjitos!

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  13. Sabe que um dos meus grandes desejos (fúteis) é ter em casa uma mesa de sinuca e uma de ping-pong?

    Adoro sinuca. Inclusive, em janeiro, fui vencedora da competição que me atrevi a participar em Torres. Mazá, Pitanga...talvez seja os super-poderes do chimas.rs

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