O Saudosista (10)

Nunca fui uma pessoa de muitos receios no que diz respeito à escola. Não conhecia recuperação, notas vermelhas, tampouco me dava ao trabalho de passar tardes inteiras estudando para qualquer prova considerada difícil. Enquanto minha mente conservou o frescor da juventude, ausente de preocupações e sobressaltos, meu cérebro absorvia as explicações dos professores com a fluência igual a de qualquer rio vizinho do Amazonas.
Então, o fatídico aconteceu. No terceiro ano do Ensino Médio, ostentando a glória de ter sempre passado de ano sem precisar de qualquer tipo de progressão parcial, entrou na jogada aquele que manchou meu histórico escolar: o amor.
Apaixonei-me perdidamente. Pela primeira vez na vida, do alto de meus tenros dezesseis anos, descobri o que era sofrer por amor. Mais ainda, amarguei as agruras de não ser correspondido nesse imaculado sentimento. Como a bolsa de valores, meu rendimento escolar caiu, degringolou. Entrei em depressão, comecei a tomar remédios florais e virei numa quarta-feira de cinzas.
Na escola, então, foi um horror. Minhas notas baixaram a olhos vistos, e ficou cada vez mais comum ser abordado por professores que, estupefactos, insistiam em saber o que estava acontecendo. Até porque, não bastasse tornar meu boletim o retrato da torcida do Inter, todo vermelho, também passei a matar as aulas sem o mínimo pudor. Me dava na veneta e simplesmente ficava perambulando pelo colégio, sem eira, nem beira.
Até mesmo às aulas de Educação Física eu faltava! Justo eu, um esportista voraz, tarado por futebol, que tinha tirado nota máxima nos trimestres anteriores, agora ostentava míseros seis e meio, uma vergonha. A professora, preocupadíssima, abordou-me certa vez e tentou me animar de todas as maneiras, mas não teve jeito. Vegetativo, assisti a meus colegas jogarem sentado, sem esboçar reação. Definitivamente, o fundo do poço.
Com o tratamento dos remédios e as incessantes investidas da psicopedagoga para que eu me reerguesse, comecei a apresentar alguma melhora. Além disso, a guria passou a me dar esperanças, de vez em quando eu conseguia esmolar algum carinho, ou até mesmo um beijo escondido, o que funcionava como combustível para a reação.
Contudo, como a gente colhe tudo o que planta, as notas pornograficamente baixas do início do ano resultaram em cinco matérias de recuperação em dezembro: Física, Espanhol, Filosofia, Inglês e Biologia. Nas quatro primeiras foi puro relaxamento, e recuperar as médias foi uma barbada. Em Biologia, porém, o buraco era mais embaixo.
Para piorar o circo dos horrores, eu estava brigado com a professora. Há meses que não assistia a uma aula, pois sempre aproveitava os dois últimos períodos das segundas-feiras - justamente na aula dela - para tirar um delicioso cochilo. Hoje, graças a Deus, já fizemos as pazes e somos amissíssimos, de trocar três beijinhos no supermercado e tudo mais. Mas, naquela época, pela primeira vez, tive medo de não passar de ano.
Foi numa manhã de dezembro que meu medo atingiu o seu ápice. Todos estavam aprovados na sala da Pastoral da Juventude - sim, fui um jovem consciente - e apenas eu devorava o livro de Biologia meia-hora antes da prova final. Gotas de suor brotavam das minhas têmporas, e nada de absorver o conteúdo. Alguém já havia contado que a prova era ralada, três folhas, inúmeras nomenclaturas, desenhos, angiospermas e gimnospermas, uma barbaridade.
E, como se não bastasse, duas gurias não paravam de tagarelar ao meu lado. Uma delas, por sinal, a minha amada. Blateravam aos quatro ventos, emitiam risinhos irritantes, jogavam bolinhas de papel uma na outra. A mim, restava ruminar Biologia: angiospermas, gimnospermas, angiospermas, gimnospermas... Aquilo foi me tirando do sério. Os risinhos me desestabilizavam, a iminência de repetir o ano e ter de encarar a mesma professora no ano seguinte, imaginem as crueldades que ela faria comigo!
O suor virou uma cachoeira, as gotas caíam em queda livre. Algumas, inclusive, regando as árvores do livro da maldita Biologia. E os risinhos viraram gargalhadas. Berros, inclusive. Perdi as estribeiras. Esqueci do meu amor por aqueles olhos claros, ignorei o perfume doce daqueles macios cabelos loiros e gritei:

- Será que vocês podem calar a boca, que eu preciso estudar?

Um silêncio assustador tomou conta do ambiente. Pares de olhos arregalados me fitavam apavorados, enquanto eu bufava sobre as seiscentas páginas daquele livro tenebroso. De todo modo, consegui estudar com mais calma nos trinta minutos seguintes. Ainda assim, em meu coração batucava uma bateria de escola de samba, ansioso pelo fatídico e derradeiro momento.
Tremi feito vara verde durante a execução da prova. Pela primeira vez na minha vida, não sabia o que aconteceria a partir dali. Meu futuro dependia exatamente daquele momento, e por isso havia concentrado todas as minhas forças naquela prova. A cada questão solucionada, olhava para cima e orava em agradecimento a um santo diferente. A prova foi tão longa que, quando terminaram todos os santos que eu conhecia, passei a repetir os primeiros.
Pois bem, passei. Fiquei amigo da professora, namorei a menina durante um bom tempo, nossa, como tive dias felizes. Entretanto, até hoje é assim, quando tenho um dia decisivo, eu bufo de angústia. Recordo as gotas de suor caindo sobre o livro e meu coração dispara. Não que eu tenha muitos dias decisivos por mês, aliás, isso acontece esporadicamente. Hoje, por exemplo. Em Biologia eu passei, isso é fato. Mas já não tenho tanta certeza de que serei aprovado nas matérias de agora. Ai, minhas têmporas...

9 comentários:

  1. Impressiono-me sempre com o seu jeito de contar as suas histórias...
    Fico aqui montando a cena, das mocinhas falando demais, do suor escorrendo.
    Mas fala a verdade, se não fosse a dificuldade do último ano, não saberia o valor de ter que ralar pra não ficar pra trás.

    Beijos

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  2. Sei que há entrelinhas aqui, embora eu não tenha conseguido desvendá-las. :)
    Mas pensa: você se esforçou, dedicou-se e conseguiu ser aprovado... Se está sendo provado novamente, é hora de lembrar que deve haver dedicação e, se possível, desde já para depois não ter que ficar correndo contra o tempo, para compensar o perdido.
    Bjitos!

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  3. kkkkkkkkkkkkk
    hahahaha
    eu tb ia reprovando em Biologia no último ano.
    ¬¬
    puro desleixo.
    Se o seu caso era o amor, o meu era a gandaia.
    Sei que precisava tirar 4,4. Eram 20 questões de marcar e eu precisava acertar 9 para tirar 4,5 pra passar.
    A essa altura do campeonato, eu nao tinha professores para me ajudar, caso eu reprovasse. Todos já queriam me matar
    :S
    Saí da prova sem reação e a unica coisa que eu conseguia pronunciar era: cara, reprovei!

    Eis que eu acerto exatas 9 questões!!!!!!
    e hoje sou uma quase psicóloga!
    hehehehehe
    Saudosista tu. Saudosista eu.
    :D

    bom fds!
    ;***

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  4. auhhuauhauhauhauhauhahuauhhuahua
    esse texto eu vou ter que me prestar a comentar, pq ficou muito bom e eu ri muito!

    Quanto à decisão... hum... amanha agnt conversa :)

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  5. Pois é... O terceiro ano foi o pior de todos... Fiquei até na recuperação final. A última da última chance... Quase que não passo...

    E, quanto as matérias de agora... Aí aí... Hoje, por exemplo, tinha prova, mas, decidi ficar na segunda chamada, só pra ter certeza do que vou fazer na hora da prova...

    Beijão pra tu

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  6. Olha só, você passou e ainda namorou a menina!
    Adorei o post, ri muito!
    Eu nunca pensei que fosse reprovar, só na faculdade quando me assustavam dizendo que tal matéria era difícil ou que o professor tal era impossível, mas nunca cheguei perto de reprovar.
    Mas confesso que ano passado por causa de um amor (mais paixão, acho), reduzi um pouco as notas, dormia pouco por dormir tarde porque ficava fuçando orkut alheio a tarde inteira e só de noite fazia vários trabalhos e estudava... assim ia até de madrugada. Cheguei até a dar uma cochilada na aula da matéria mais difícil do curso inteiro, depois de ter dormido só duas horas e meia naquela noite!
    Depois meio que me conformei (tá, vi que não tinha volta) e comecei a estudar mais do que antes pra tentar ocupar o cérebro com outros assuntos.
    Mas comigo isso não acabou em namoro, só em alguns beijos mesmo, com ele me trocando pela ex porque, segundo ele, "gostava muito de mim, mas tinha uma história com ela". Bleh, sobrei. Mas passei com boas notas (que consolo mais furado!!!).

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  7. Woooowe,, adorei o post, você escreve muuito bem;
    parabéns ;D

    abraço.

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  8. Ri muito!!! Sabe eu costumava visitar seu blog... O.o ha mais de um ano atrás...

    Bem que qualquer jeito seus posts estão melhores do que antes, realmente o seu blog sempre foi um dos que eu mais gostava de ler!

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