A comum união

Estou acometido de uma tremenda, insólita, impiedosa, galopante e encaroçada preguiça. Cheguei à conclusão de que, quanto mais tempo livre tenho, mais difícil fica de cumprir as tarefas. Lembro de quando sobravam vinte minutos no trabalho para escrever sobre uma idéia que surgia, e eu o fazia em catorze minutos, sobrando seis para tirar água do joelho, ou tomar um cafezinho. Agora que tenho o dia inteiro disponível, parece que forças ocultas me impedem de exercer a atividade que mais acalanta meu intermitente coração, que é escrever neste bucólico espaço.
Aliás, não sei se alguém mais observador notou, mas o balanço de outubro simplesmente inexistiu! Que vergonha pavorosa, Deus do céu! Vou ter uma séria conversa comigo mesmo e esclarecer alguns pontos que estão deixando a desejar.

Tchê, mas segue o baile.

Assuntos, felizmente, não faltam. Ando meio sorumbático por dentro, é isso. Têm acontecido uma série de fatos, bons e ruins, que me deixaram um tanto desorganizado das idéias, apesar da calma aparente. Não que eu esteja fingindo, mas uma expressão serena impede que os outros saibam dos fatos antes da hora, e minha fase de vocação para pasquim já passou faz tempo.

Domingo foi a primeira comunhão do meu irmão, e é sobre isso que me deu vontade de escrever. Quando vi o guri vestido com uma roupa parecida com a que vesti quando tinha treze anos, a ficha caiu. O tempo passou putaqueparilmente rápido e o danado cresceu. Eu, por conseqüência, também. Meio a contragosto, me convenci que ainda moro em Novo Hamburgo, e não na Terra do Nunca.
Primeira comunhão, macacos me mordam! Qual será o próximo fato? Um barbeador no banheiro que não seja o meu? Preservativos na gaveta das cuecas? Oh, Deus, onde está aquele gurizinho de cachos encaracolados que se embalava incessantemente numa cadeirinha de balanço enquanto mal conseguia pronunciar dígrafos e encontros consonantais?
Crises existenciais à parte, o lado bom disso tudo é que, sempre que há primeira comunhão de alguém aqui em casa, a família lota uma topic lá em São Chico e vem passar o dia aqui conosco. Já tinha ocorrido isso por duas vezes, e agora encerramos o ciclo com a terceira e última, já que minha mãe ligou as trompas de falópio e não poderá gerar mais um rebento para a família Reis Dutra.
Gosto de reunir a família, bate uma sensação muito boa quando estão todos juntos. Somos apenas quinze entre avós, netos, filhos e concunhados, a árvore genealógica não é muito extensa na parte que fica perto de mim, o que unifica ainda mais o pessoal e torna cada um insubstituível. Então, começaram a descer da lotação, um por um, e em poucos minutos a casa ficou cheia de gente conversando, tomando chimarrão e caracterizando minha morada num aconchegante cenário familiar.
Aproveitei e tirei fotos, muitas fotos. Quis deixar registrado para a posteridade o domingo que foi, certamente, um dos dias mais felizes da minha vida. A corujice comeu solta com meus quatro avós - fico mais feliz que tico-tico na chuva quando os tenho todos por perto.
A parte engraçada foi quando fomos almoçar no restaurante. Sempre fui daqueles que faz valer cada centavo de seu rico dinheirinho, ou seja, se o buffet é livre, o negócio é partir pra ignorância e comer feito um tigre faminto. Porém, eu nunca tinha notado que isso é hereditário! Bah, era cada prato de pedreiro, que me deu até orgulho! Nisso passa a vó Dilma, com aquele Everest dentro do prato, e, sorrateira, ainda tentou disfarçar:

- A salada é que faz volume, não riam de mim!

Ora, vovó, que mal há em sermos bons de garfo? Bom, talvez o dono do restaurante seja o único que discorde disso. Mas, que foi bonito de se ver, isso foi! Nos alimentamos como verdadeiros Reis e Dutras, forramos o estômago e saímos do restaurante satisfeitos. Nada mais justo.
A tarde foi ainda melhor. Sentamos embaixo da árvore e, nova roda de chimarrão estabelecida, ficamos conversando fiado à sombra. Eis aí uma bênção. Nessas horas é que sinto falta de morar mais perto de São Chico, porque esse é o tipo de cena que precisa se repetir periodicamente, e não somente em datas festivas, ou outras nem tanto.
Percebi - e venho percebendo isso cada dia mais - que minha família é o eixo de tudo, o sentido da minha vida. Todas as vezes em que paro para refletir sobre o que, ou para que estou aqui neste mundo, meus familiares são o primeiro ponto que surge como sentido principal de eu viver e buscar a felicidade. Sinto-me responsável por todos, principalmente meus pais e avós, que tanto já fizeram por mim e ainda fazem, mas a quem agora posso retribuir com mais efetividade todo o sentimento recebido. Isso estabelece uma relação de amor recíproco dentro do seio familiar, que, quando diagnosticada, conforta o coração.
Aliás, deve ser por isso que nos últimos tempos revi meus conceitos e sentimentos, o que me fez passar a considerar a continuidade dessa família, através do reconhecimento da mulher da minha vida, aquela que será minha companheira na construção do meu galho na genealogia. Enfim, me sinto realizado como integrante do clã ao qual pertenço. Honro e agradeço todos os dias pelo nome que carrego e o sangue que corre em minhas veias. Domingo, mais do que a primeira eucaristia do meu irmão, ocorreu também a comum união de nossa família, que é certamente o que Deus quer para todos nós. Que momento!

7 comentários:

  1. Tenho agradecido a essa expressão serena que me manteve nos últimos dias bem, mesmo que eles não estivessem 100%. Hoje eu aproveito de seus benefícios por inteiro, porque está tudo bem, tirando a preguiça e o tédio que me acometem hoje.
    Sentir orgulho da família é gratificante. É um orgulho gostoso, porque é algo seu, no qual você cresceu acreditando.
    Bjitos!

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  2. É isso aí primo velho. Novidades surgem e desaparecem, mas é sempre a família que está lá, na hora que mais precisamos.
    Saber valorizar e aproveitar cada dia ao lado de quem gostamos, é o principal.

    Um grande abraço meu amigo.

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  3. Mano velho, obrigados (no plural errado mesmo): pelo comentário do blog, pela presença no Balaio e pela amizade.
    Sinto-me negligente muitas vezes pela avalanche de coisas que faço-planejo-organizo-almejo-quero-sonho, mas saiba que estou aqui.

    E, quanto a festas de família, bem somos de dois mundos distintos... o tem, onde a família cabe numa topic e o meu onde seriam necessários uns 3 ônibus pra juntar os dois lados da minha árvore genealógica (árvore de graaaaaaande envergadora, é óbvio).

    A modesta festinha de aniversário do meu pai neste inverno reuniu facilmente 30 pessoas... e tava bom!

    Baita abraço!

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  4. Antes de comentar qualquer coisa, o que tu quis dizer com isso: "agora que tenho o dia inteiro disponível"???

    Lindo o teu texto, sabia? Senti uma pontinha de inveja e vou explicar o porquê. É que, a última vez que lembro da família toda (a do meu pai) junta, faz tanto tempo que não lembro direito. Depois que minha avó paterna morreu ficou tudo estranho. Aí meu avô casou e ficou mais estranho ainda. Quando se juntam todos (quase todos, né? sempre vai faltar ela), fica um clima estranho...
    Já na família da minha mãe, eu lembro sim de quando estivemos todos juntos, felizes e sorrindo. Mas, minhas bisavós foram morrendo aos poucos e fui ficando estranho também, sabe? Até que minha avó materna faleceu e meu avô está prestes a casar novamente... Ou seja, faz anos que não tenho esses momentos felizes com família inteira e sempre fico com saudade/inveja quando vejo/leio alguém falando sobre isso...

    Desculpa. Falei demais. Mas é que deu saudade mesmo...

    Beijão pra tu e que essa união só faça fortalecer, sempre!

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  5. Mas que lindo isso aqui!!
    Senti até vergonha do texto que postei hoje cedo quando entrei aqui.
    Deu vontade de correr lá e colocar um P.S.: o Toninho não é farinha desse saco (risos).
    Mas enfim, como os bons sempre pagam pelos ruins e assim é a lei da selva, digo, da vida a gente segue esperando que DEUS na sua infinita sabedoria te presenteie com uma prenda linda de coração de ouro pra te fazer o homem mais feliz (ainda mais) desse mundo!!
    Te admiro muito querido.
    É isso aí!!

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  6. Nós, a tua família, é que devemos ter orgulho por existires.
    Que texto mais lindo e comovente!
    Tens o dom, com tuas palavras lindas e sinceras, de me fazer chorar sempre que leio teus textos.
    Que Deus te abençoe meu muito querido e amado neto primogênito.
    Amo vocês...
    É, o nosso gurizinho está ficando um lindo mocinho como os seus irmãos Júnior e Débora.
    Um beijão.

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