Por que serei um criador de bois

Tão certo quanto dois e dois são quatro, tenho a mais plena convicção de que meu destino está atrelado à pecuária. Não sei quando, se daqui a 2 ou 20 anos, mas vou dar seguimento ao negócio que meu avô começou láááá nos idos de mil novecentos e cinquenta e picos, seguindo também os passos de meu bisavô. Este, por sua vez, também trazia a criação de gado e a lida campeira como tradição dos Guabirovas, nome pelo qual é conhecida esta raiz da minha árvore genealógica.
É um serviço que me fascina desde os tempos em que ainda nem controlava minhas necessidades fisiológicas, religiosamente depositadas em fraldas de pano, já que naquele tempo as descartáveis ainda estavam saindo do forno em termos de invenções e, em virtude disso, custavam os olhos da cara (expressão que pode ser encarada como pleonasmo, ou não).
Serei, portanto, um fazendeiro. Já sou, a bem da verdade, mas ainda estou desgarrado dessa labuta motivado por forças ocultas e outras nem tanto. O fato é que hoje resido em meio à urbanização, a uma distância razoável de minhas amadas vaquinhas, meu grande cachorro e companheiro Aladim e minha doce, terna e dócil égua Rusilha.
Foi-se o tempo em que eu me queixava da distância. Que remédio, né, se somos obrigados a lutar pelo pão de cada dia, mesmo não tendo uma prole extensa para sustentar. A verdade é que hoje em dia até quem não estuda, não sustenta família e não faz droga nenhuma tem um gasto mensal absurdo, uma vez que os compromissos exigem, mais as festas, jantas, presentes, globalização, crise econômica, blá blá blá, escambau e o diabo a quatro.
Com isso, resignado, resta arranjar um emprego qualquer, num lugar qualquer, que pague um salário qualquer e tenha um horário qualquer a ser seguido, com quaisquer tarefas a serem rigorosamente cumpridas. Em suma, funciona assim. São aquelas horas diárias que você passa ao lado de pessoas que você não escolhe, para executar tarefas que lhe são delegadas e, assim, desperdiçar boa parte do seu dia e sua felicidade em prol de uma quantia em dinheiro. Essa, por sua vez, será quem tentará sustentar seus caprichos, lhe ajudará a atingir certos objetivos e adquirir alguma segurança financeira e material, visando o conforto e o bem-estar de uma família com quem você passa pouquíssimas horas diárias, uma vez que está trabalhando arduamente para garantir esse tal pão maluco que a sustenta.
Sem dúvida, um círculo vicioso, maligno e irremediável. A menos, é claro, que se consiga conciliar trabalho, vocação e/ou diversão. Caso contrário, serão décadas fadadas ao sacrifício contínuo que favorece uma minoria abastada e corrói os áureos anos em que seus joelhos ainda movimentam-se sem a presença de dor. Após as tais décadas, você se aposenta, pensa que vai descansar, ganha um enfarte - já que se incomodou tanto durante tantos anos, que nem seu coração lembrou-se de parar - e finalmente descansa. Em paz, com uma placa de "aqui jaz mais um burro de carga".
Em meio a tudo isso, acaba que, novamente resignado, você se acostuma ao serviço e, invariavelmente, constrói amizades ali mesmo, no trabalho, ou pelo menos mantém uma relação de cordialidade com aqueles que ralam em sua companhia. É com essas pessoas que você comenta sobre a atuação do seu time na noite anterior, se queixa do chefe - afinal de contas, ele é rico e tem tempo de sobra, ao contrário dos otários que trabalham pra ele - partilha os problemas que não consegue resolver em casa, já que falta dinheiro pra concretizar seus objetivos e tempo para avaliar que o real objetivo é justamente não ter tanto dinheiro assim, e sim mais tempo para curtir a felicidade que a vida já lhe proporciona, o que você não percebe, pois precisa trabalhar. É ilógico, na teoria parece sem nexo, mas é real.
Pois bem, vai pra um ponto que, se conserva os mínimos valores de solidariedade, compaixão pelo próximo e humanidade, você se apega aos colegas de serviço. A partir daí, todas as dores, injustiças e uma infinidade de barbaridades que acontecem para os outros lhe afetam, devido à proximidade que as várias horas de convivência geram. Essas barbaridades, por sua vez, são maquinadas pela minoria citada anteriormente que, dotada de tempo sobrando e dinheiro mais ainda, não perde tempo com preocupações cotidianas da classe trabalhadora, os palhaços.
Daí em diante, começa o martírio. Escravo do vil metal, você passa a protestar silenciosamente, indignado por não conseguir nem salvar a sua pele, quiçá a do colega que sofre a injustiça. A bem da verdade não há porque se preocupar, pois, a menos que ganhe na loteria, logo a sua vez de ser injustiçado chegará.
Nasce, nesse ponto da reflexão, uma bifurcação. Para um lado, vão os menos solidários e mais gananciosos, tidos como espertos e empreendedores, as pessoas de visão que crescem profissionalmente e atingem um patamar suficiente para passar a maquinar as próximas injustiças a serem executadas. Há, é claro, as exceções, aqueles que crescem por competência e merecimento. No entanto, nada me fará deixar de pensar que essas pessoas são exceções. A grande maioria só cresce organizando conchavos entre os ladinos e varrendo para baixo do tapete os nem tão ligeiros assim.
Essa é, por sinal, a segunda via da bifurcação, ou seja, aqueles que só levam ferro. A partir daí, surgem duas escolhas: levar patadas no lombo até dizer chega, ou jogar tudo pro alto e procurar outro emprego, onde haverá a oportunidade de a) atingir a felicidade trabalhando, b) levar mais ferro no lombo, só que numa empresa diferente ou c) conseguir crescer e escapar da turma dos burros de carga, passando a comandar a carroça.
Todos esses parágrafos de reflexão me levam a uma única e invariável conclusão: serei um criador de bois. Com isso, serei meu próprio chefe, terei mais tempo livre para a família, dinheiro suficiente para ser feliz, respirarei ar puro e, quando meus joelhos doerem, a sensação de ter feito a escolha certa será bem maior do que qualquer tipo de artrite, reumatismo ou osteoporose. Se cada um trabalhasse para a sua felicidade, a incidência de enfartes, depressões e tudo o que esse maldito círculo vicioso causa seria certamente muito menor. Será um prazer contribuir para o desemprego de alguns psicólogos. E tenho dito.

6 comentários:

  1. Não há comentário para esse texto, somente uma afirmação.
    E os espertos choram, falta dinheiro, ficam devendo pra Deus e o mundo, mas não se desfazem de seu rico patrimonio.

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  2. Show de bola! Esse tipo de texto a gente tem que comentar ao vivo, enquanto l~e em voz alta, pra poder te parabenizar por cada detalhezinho pequeno que engrandece e enriquece o teu texto.

    Eu acho que não gostaria de trabalhar com isso, talvez como passatempo quando eu for chefe de alguns otários que ganham dinheiro pra mim, mas como ganha pão eu não ia gostar. Boa sorte pra ti com as mimosas!

    Abraço forte, mano!

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  3. Não gostei da sua penultima frase. Tenho dito.
    ¬¬

    Olha, concordo com trabalhar com prazer, trabalhar com desprazer e ter o dinheiro... etc, etc, etc.
    Mas discordo do estereótipo de que o chefão seja o cara rico, que tem tempo sobrando e só pisa nos outros. E tb dos colegas que são gananciosos, nao pensam em ngm e sobem na vida. Assim como essa ideia de coitado que alguns funcionarios pegam pra si.
    Discordo, discordo, discordo.

    *será que meu branquelo ta de saco cheio da vida urbana?

    :*

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  4. :) terra que gosto muito tu moraa ,
    ameei seu blog


    bejoos

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  5. Adorei a sua descrição para o trabalho ali no texto.
    Bjitos!

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  6. E ai, meio tarde pra um coments? hehe.. Sei bem direitinho do que ta falando e concordo contigo em muitos pontos... mas to pior que tu, eu ainda estou no ciclo vicioso e nao sei o que quero/preciso fazer pra sair dele :P

    abraços

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