O Casamento de Ouro

Desde a morte do meu avô que eu tenho procurado outros sentidos coerentes para encarar e entender a vida. Confesso que ainda não consegui encontrar nenhum, a não ser a amarga constatação do quanto é doloroso enfrentar um luto.
Pode-se, naturalmente, seguir o curso dos acontecimentos, afinal de contas, o mundo não pára enquanto você pena em cima de uma tristeza. Pelo contrário, nessas horas é que tudo voa e a sensação de solidão toma proporções hiperbólicas.
No entanto, se alguém perguntar aos que comigo convivem sobre o meu comportamento, obterão as mais positivas respostas. Prossegui com as festas, trabalhando normalmente, jogando o futebolzinho moleque durante a semana, quase sempre com bom humor e disposição. Continuo imitando o Paulo Sant'Ana, o Olívio Dutra, o Lula, o Collares, o Clodovil e o Correspondente Ipiranga, fazendo a galera rir e tocar o barco.
Talvez aí esteja o meu erro: guardo as piores dores para mim. Trancafio-as nos porões da minha consciência e, sempre que submetido a uma carga elevada de estresse, permito que elas interfiram em minhas decisões. Baseado nisso, admito que minhas escolhas não parecem lá muito plausíveis ultimamente e, não obstante, devo ainda confessar que não sei se estou agindo da maneira certa. De qualquer forma, não é justo que inocentes purguem comigo problemas que não lhes cabem, ou seja, ajo em legítima defesa tão somente.

Dito isso, venho, com regozijo, relatar que tive, finalmente, um fim-de-semana verdadeiramente feliz. Comemoramos hoje as Bodas de Ouro dos meus avós maternos, e não pude deixar passar despercebido aqueles olhos brilhantes - ainda que cansados - mesmo após meio século de união.
Passei tanto tempo às margens da família, sem manifestações pétreas de afeto que agora, sempre que posso, faço uma rasgação de seda tremenda. Tirei fotos até das narinas do sacerdote na missa. Involuntariamente, sorria junto com meus velhinhos corujas a cada clique. É tudo tão puro, tão límpido, que deixar de sentir calafrios seria uma blasfêmia.
Em casa, após o almoço, surgiu uma gaita. Com ela, ao primeiro acorde, pula minha avó, esquecendo dos setenta janeiros e, macacos me mordam, me tira pra dançar! Acreditem, isso foi um ato de extrema felicidade. Há mais de dez anos que não via ela fazer isso comigo, mesmo ela sempre me tratando com um carinho exemplar. Fato é que essas danças terminaram depois que eu entrei na adolescência e virei um bostinha chatonildo que evitava manifestações alardosas (isso existe? Se não existir, criei agora) de sentimento.
Formou-se o surungo, nasceu a cantoria. Coisa linda. Fiquei exausto, é verdade, a garganta dói, os músculos pedem clemência, mas, como cantaria O Rappa, "valeu à pena, ê, ê".
É inevitável refletir: conseguirei eu atingir cinquenta anos de matrimônio alicerçado sobre as sólidas rochas da confiança, respeito e companheirismo? É possível não só amar uma pessoa, mas apaixonar-se por ela todos os dias, mesmo sabendo que ela também acorda com remelas nos olhos, terá bafo ao acordar e, invariavelmente, trará consigo uma série de defeitos dificílimos de lidar? Hoje, para toda e qualquer pergunta relacionada a esse assunto, somente duas palavras, também elas formadoras de uma indagação, conseguem transmitir com propriedade o que penso: quem duvida?

Se foi apenas um espasmo emocional animador, eu não sei. Dores, sentimentos e lembranças não morrem ou descansam tão facilmente. De todo modo, há uma luz no fim do túnel. Sempre há. Sou um pessimista que acredita na possibilidade de um dia ser convencido do contrário por alguém com argumentos indiscutíveis, de preferência que não sejam falados, mas demonstrados. Para isso, basta querer mudar, renovar e seguir adiante de fato.

7 comentários:

  1. É o que eu digo, Tom.
    A saudade só alivia com o tempo, a dor só sacia com o passar dos dias, mas ninguém esquece pra sempre.

    Só passa.

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  2. Belo texto meu caro, realmente sabe relatar fatos como pouco. Infelizmente o cansaço do corpo foi maior do que eu e não pude estar presente na missa em homenagem aos teus avós. Ficou o desejo oculto de que fosse uma bonita festa, o que ocorreu de fato. Quando surgir a oportunidade abraçarei teus avós, nem que seja um pouco atrasado.

    Bom vê-lo escrevendo novamente primo velho.
    Abraço

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  3. Duas coisas: O luto precisa ser vivido para ser superado e o amor sempre chega, mais cedo ou mais tarde.

    Bjo

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  4. Branque voltou a postar!
    'Só' isso já seria um viva!
    \o/

    Domingo me lembrei mto de vc pq fui visitar minha avó (nao vou contar todos os detalhes pq ainda quero postar sobre) e fiquei conversando com ela, de maos dadas. Senti uma paz que há tempos nao sentia... e me lembrei (jurooo que lembrei!) de vc e do seu amor pelos seus avós. Sábio Branquelo!

    Eu, sinceramente, nao tenho acredito nesse amor que dura 50 anos, mas cada dia que passa, sinto que aquela pontinha de sentimento dizendo "sim, candy, isso existe!", está presente!
    Quem duvida, né?
    :)

    :***

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  5. *branque = Branquelo!
    acho que abreviei sem intenção
    kkkkkkkkkk

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  6. E é nisso que eu acredito: aos poucos, as coisas vão ganhando cores e os dias vão sendo mais felizes.
    Bjitos!

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  7. Eu não duvido, mas bá.... cinquenta anos... é muito tempo, né Yoshiro? uhahusahusahuashuashusahushusahusau

    Parabéns para eles! Pelo casamento e pelos genes que contribuíram na criação desse bostinha chatonildo que mora no meu coração, hehehe.

    Abraço!

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