Há dias que quero contar algumas peculiaridades a respeito do lugar onde trabalho. Artisticamente falando, eu diria que a empresa é de uma riqueza cultural imensa, uma vez que em apenas quatro meses já aprendi a imitar pelo menos cinco pessoas. Volta e meia, basta conversar poucos minutos num pequeno grupinho, que alguém já pede para que eu imite um deles. Virei celebridade na ala feminina da empresa e, acreditem, isso é bom. Depois que comprei meu carro, então, triplicaram os convites para almoçar vindo das gurias. Bem, mas sobre isso falarei em outra oportunidade.
Hoje quero brindá-los com a inigualável experiência que é conhecer o Valmir. Também conhecido pelo nada simpático apelido de Tiririca, Valmir é um dos motoristas das carretas que viajam para o porto de Rio Grande, entre outros galhos que eles quebram pra mim.
Comecemos pela dicção dele. Uma conversa ao telefone com essa figura é uma missão hercúlea. Primeiro, não se ouve o Valmir; se decifra o que ele diz. As palavras atropelam-se continuamente, sobrepondo vírgulas, pausas e fazendo com que eu me pergunte diariamente a que horas ele respira enquanto fala comigo. Isso, é claro, quando ele está calmo. Esses dias, o telefone tocou: chamada a cobrar. Antes que eu dissesse alô, jorraram as cataratas do Iguaçu em reclamações no meu ouvido. Era o Tiririca que, fulo da vida, defenestrava dezenas de palavras incompletas por segundo aos berros, reclamando de algo que até hoje eu não sei o que é. Percebendo que seria impossível interrompê-lo, escutei-o com parcimônia. Ele falou, falou, falou e falou, até que parou. Respirou fundo, pude ouvir seus pulmões recuperando dois litros de ar gastos em trinta segundos. E aí veio o tiro de misericórdia:
- E aí, o que tu acha?
Precisei pensar rápido. Numa fração de milésimo de segundo, as lamparinas do meu juízo faíscaram e, como bom aprendiz de psicólogo, devolvi o problema:
- Valmir, o que TU acha que tem que fazer?
Foi uma saída esperta, porém incompleta. Ele desandou a dar sua opinião desatinadamente e, antes que ele perdesse mais dois litros de ar dos bofes, consertei minha resposta:
- Cara, faz o que tu achar melhor.
Resolvido. Ele apenas consentiu com uma expressão afirmativa em seu dialeto próprio e desligou. O problema é que o Valmir tem uma característica digna de cinema: é o cara mais azarado que já conheci. Murphy seria padrinho dos filhos dele se os dois se conhecessem. A tese é: se tem que acontecer algum problema com um caminhão, sempre será com o Valmir. Cansamos de coletar em várias empresas com todos os motoristas. Pois, quando chega a vez do Tiririca, ocorre um atraso, cancelam a coleta, a carga sofre avaria, dá um engarrafamento, sei lá, acontece de tudo.
Esses dias ele foi levar o caminhão na mecânica porque, adivinhem, sempre há algum problema com o caminhão do Valmir. É claro que isso também se deve ao fato de ele ser extremamente queixoso, mas a verdade é que o veículo dele nunca está 100%. Pois bem, coisa simples, lá se foi o baita, com a recomendação de não demorar, pois eu precisaria dele logo depois.
Quarenta minutos depois, me liga o Valmir, graças a Deus, calmo, mas contando que se atrasaria, pois a rodovia estava completamente trancada, talvez em decorrência de algum acidente. Seu Carlos, meu chefe, apenas balança a cabeça e ri quando comento que ele vai atrasar. Nada mais costumeiro.
À noite, quando cheguei em casa, parei para assistir ao noticiário regional. Os Sem-terra paralisaram a BR-116 para protestar, como já é de costume fazerem desde que existem. Tanta gente que passa o dia ralando no sol a pino pra ter o que comer na janta, e os belezas trancam tudo para ganhar terra do governo. Pobre também sabe colaborar com a desigualdade social, isso não pertence só à elite. Pois bem, confesso que tive de esfregar os olhos para enxergar melhor, mas adivinhem QUAL CAMINHÃO estava parado em frente à manifestação com o logotipo da empresa estampado na porta? Se você mentalizou o nome Valmir, acertou em cheio. Definitivamente, ele possui um imã que atrai contratempos.
Não posso, contudo, questionar a postura profissional do cara. Ele reclama bastante, é verdade, mas é o motorista mais caprichoso que tem por lá. Às vezes, o Valmir some. Basta procurar nos fundos do pavilhão, e encontro ele lá, pano e balde em punho, esfrega, esfrega, esfrega. O caminhão do vivente é um brinco. Já perdemos as contas de quantos pares de sapato ele perdeu, pois ele os tira e entra descalço na cabine, tudo para que não reste um resquício de poeira em seu local de trabalho. O que tem de azarado, tem de zeloso pelo patrimônio da empresa. Talvez por isso o caminhão dele sempre tenha algo a fazer.
O estopim da criação desse texto foi o almoço de hoje. Sentei-me ao lado do Valmir e fazia minha refeição tranquilamente, até que ele olhou para meu prato e disse:
- Bahhh, mas olha o bife dele, esse aí não tinha quando eu fui me servir.
Mastiguei, engoli, dei um sorrisinho amarelo com enfeites verdes da couve pendurada no aparelho e apenas assenti com a cabeça. Não satisfeito, ele proferiu a frase que me compeliu a homenageá-lo com esses parágrafos.
- Putz, mas eu sou de azar mesmo! Peguei um pedaço de carne que é pura gordura! Não dá pra comer isso aqui!
Até pra ele a ficha caiu. Não resta mais dúvida, o Valmir é um azarão sacramentado. Mais um personagem para o meu currículo de pseudo-imitador.
Aguaceiro
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Neste momento, conforme os institutos meteorológicos, está estacionado sob
o Rio Grande do Sul uma frente fria que está trazendo muita chuva as
cidades ...
Há um dia
Bruxo, ri demais com esse texto!
ResponderExcluirHehehehhehe
Muito bom mesmo!
Abração!
Concordo em gênero, nº e grau com o Cláudio!
ResponderExcluirMuuuuito bom!
Mas, fiquei com pena do pobre do Valmir...
Beijosssssssss
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluir*ei, eu pareço o Valmir falando?
O.o