Incalculável

Quanto custa um quilo de paz? Qual é o preço de duas dúzias de felicidade? Qual o valor de mercado da realização pessoal? Se alguém puder me informar, agradeço. Caso contrário, indagarei, sedento de curiosidade: se não é possível comprar tais sentimentos, porque é tão importante ter dinheiro?
Não, não é papo de falso moralismo, tampouco perdi a noção de que vivo numa sociedade capitalista. Mais ainda, sei do quanto milhões de pessoas dormem diariamente sonhando em ganhar um terço do meu salário ao fim de cada mês. Mas, como perfeito só Deus, permito-me alguns questionamentos de ordem existencial.
Eu não gostaria de parar de trabalhar, não hoje. No meu emprego novo eu sou bem pago, existe feedback, o relógio não é um vilão perene e eu passo o dia sorvendo um belo chimarrão enquanto exerço minhas atividades. Pode-se dizer, portanto, que é satisfatório, não sou ambicioso a ponto de querer ser diretor geral da Nestlé ou da Garoto, por exemplo. Aliás, se eu o fosse, provavelmente minha vida não seria, ironicamente, nada doce. Cargos altos, salários altos, estresses altos e psiquiatras felizes.
O que me traz a mais um devaneio despretensioso, no entanto, é o fato de que, mesmo seguindo a vida que supostamente a maioria encara como normal, só consigo pensar na plenitude quando volto meus pensamentos para um certo pé-de-carvalho, vestir uma simplória bombacha esfarrapada e desgrenhar um balaio cheio de pasto verde para meia-dúzia de vacas magras. Vê-las ruminando com tenacidade é bem mais aprazível do que manusear o mouse, acreditem.
Alguém dirá que é uma questão de gosto, ao que concordo plenamente. De todo modo, o que me faz permanecer na vida urbana, se é na lida campeira que moram os meus sonhos?
Este é o momento aonde graceja um retumbante ponto-e-vírgula em meus dias. É claro que os fatores que ainda me impedem de jogar tudo pro alto e rumar para a bucólica vida no campo não são lá tão cabulosos. Alguns deles, inclusive, são um tanto pertinentes: amigos, família, futebol, festas. Sei que sou responsável por alguns laços que criei e que esses são pontos plausíveis a serem considerados.
No entanto, pensar nessa vida desapegada do contracheque é uma espécie de norte. Cada vez que me pego vislumbrando esse horizonte, me alegra saber que ainda não virei um refém das riquezas materiais. Ganhar bem é bom, me rende os iogurtes que eu quero, o conserto tão almejado dos meus dentes, algumas roupas bonitinhas e, claro, converte em cerveja uma bela porcentagem do que pinga na minha conta bancária mensalmente.
É com o que sobrar dessa grana que eu vou comprar um cavalo, uma encilha, uma gamela, mais bombachas para esfarrapar, algumas terneiras, xampu, desodorante, barbeador, uma chuteira nova, dezenas de cuecas e pares de meias e a coletânea do Cauby Peixoto. À exceção do último item, os demais me são bem úteis no dia-a-dia.
Ainda assim, um dia serei apenas um caudilho barbudo, vestindo minha bombacha esfarrapada, montando qualquer matungo coxilha afora e assoviando uma vaneirinha dos Monarcas acompanhado dos passarinhos, enquanto engordo minhas vacas à base de azevém farto e uma boa dose de olhar babão. Esse é o meu sonho, e ele não tem preço. Ainda bem.

6 comentários:

  1. "...bucólica vida no campo"? Amei essa expressão! Texto nota dez, como sempre.

    Um abraço.

    ResponderExcluir
  2. Lendo esse texto e pensando "eis o típico gaúcho". ;)
    Bjitos!

    ResponderExcluir
  3. Lendo esse texto e pensando "eis o típico gaúcho". ;) [2]

    ResponderExcluir
  4. Fico feliz em saber que tu sempre segue o coração, segue a vida sem esquecer as raízes.

    ResponderExcluir
  5. maravilhoso! Numa sexta feira, antecedendo um feriadão, nada melhor q ler um texto desses.

    adorei..bom finde. um bjo mila assmann

    ResponderExcluir
  6. Lendo esse texto e pensando "eis o típico gaúcho". ;) [3]

    As minhas ambições são menos simpes, querido! Cada um com a sua colocação no capitalismo, né?
    Mas sabe? Eu queria uma casa pra praia! Com móveis rústicos, uma rede, meus livros e um labrador. Acordar com barulho de mar e ficar com medo de ficar sem casa quando o mar estivesse de ressaca.
    Vender badulaques pra turistas e curtir a paz de uma cidade de litoral em épocas sem feriados e sem verão.

    Mas aí vc vai copiar o comentario de cima e dizer: "eis uma típica carioca"
    kkkkkkkkk

    Bjos imensos!
    =*

    ResponderExcluir

<< >>