O Centauro Sangrado

Florêncio Guerra
(Luiz Carlos Borges)

Florêncio afiou a faca para sangrar seu cavalo.

Florêncio Guerra das guerras, do tempo em que seu cavalo
Pisava estrelas nas serras pra chegar antes dos galos.

Florêncio afiou a faca pensando no seu cavalo.

Florêncio afiou a faca para sangrar seu cavalo.

Parceiros pelas lonjuras, na calma das campereadas,
Um barco em tardes serenas, um tigre numa porteira,
Pechando boi pelas primaveras, sem mango, sem nazarenas.

Florêncio afiou a faca para sangrar seu cavalo.

O patrão disse a Florêncio que desse um fim no matungo:
"Quem já não serve pra nada não merece andar no mundo!"
A frase afundou no peito, e o velho não disse nada.
E foi afiar uma faca como quem pega uma estrada.

Acharam Florêncio morto por cima do seu cavalo.
Alguém que andava no campo viu o centauro sangrado.
Caídos no mesmo barro, voltando pra mesma terra,
Que deve tanto ao cavalo, e tanto a Florêncio Guerra.



Após um mês e meio de ausência sentida, voltei à fazenda. Pensava que, refugiando-me em meu paraíso, conseguiria descansar e pôr as idéias em ordem. Essa história de taquicardia a todo instante faz um mal danado pro coração, principalmente quando não se sabe o que fazer para que passe.
Curiosamente, passei o fim-de-semana inteiro mentalizando e cantarolando a história triste do Florêncio Guerra. Foi um sábado chuvoso, aboletado quase que o dia inteiro na cama, entre cochilos e conjecturas, procurando soluções, fazendo um esforço danado para ser otimista, tentando pensar em coisas boas.
"Quem já não serve pra nada não merece andar no mundo!" Como as declarações já estão manjadas e, pelo visto, perderam toda a credibilidade, é inevitável que se pense em como tentar provar a verdade sem que ela pareça duvidosa. Pobre do lençol, que sofreu com os nós que transferi do cérebro para ele.
Sigo buscando, incessantemente, uma única chance de provar que ainda me resta um pingo de hombridade e palavra. Para isso, preciso olhar no olho, sem interferências tecnológicas, que essa maldita internet, o que tem de boa, tem de vilã. É um exercício do caramba desfazer o emaranhado de caraminholas o tempo todo, ainda mais quando as frases afundam no peito.
Sei que sou reincidente, reafirmo que não esconderei meus erros. Mas, por Deus, como vou conseguir acertar, se não recebo uma migalha de ajuda? Estou disposto a fazer tudo diferente. Fazer, não falar. Já falei demais durante todos esses anos. É hora de fechar a boca e deixar que as atitudes concretizem tudo o que estou sentindo.
Como foi duro não ouvir as carucacas cantando depois de tanto tempo; sequer fiz um carinho no meu cachorro, nem o levei para passear; a macega perdeu o brilho de seu verde e minhas vacas não engordaram com meus olhares viçosos, uma vez que hoje eles foram opacos. Nem a campereada na companhia da Rusilha me trouxe um resquício de alegria. Meu paraíso estava cinza, sorumbático. Foi duro ser monossilábico, enquanto minha avó sentava à beira da cama, sedenta por matar a saudade.
Não estou assim por capricho. Não é posse. Se fosse tudo do mesmo jeito, eu manteria minha palavra de desistência e permitiria que as vidas seguissem bifurcadas. Não é, posso sentir que é diferente, meu peito pulsa de maneiras que nunca o fez, a respiração ofegante é um sinal assustadoramente concreto em relação às outras vezes. Eu sei que é complicado, que esgota, mas é mais forte do que eu.
Nesses anos todos, ela passou a ser parte de mim. Por mais que eu tente, o amor que sinto é muito forte. Se eu errei, se fui imaturo e irresponsável, meu sentimento é de verdade, é sólido, indestrutível. Por mais que não pareça, perco a orientação e o sentido sem meu mais importante alicerce, aquela que esteve ao meu lado nos momentos mais importantes do meu desenvolvimento como homem. Se a recíproca for verdadeira, ainda que abalada, tenho certeza que haverá compreensão nisso que descrevi acima, porque só quem sente sabe como é.
Vou seguir acreditando nesse amor, vou defendê-lo com unhas e dentes. Desde o início eu me propus a ser diferente de todo mundo, e vou conseguir. Deslizei, titubeei, é verdade, mas não foi suficiente para me derrubar. Falhei tantas vezes quando era necessário insistir, pois então chegou a minha vez de evitar a queda, o ponto final.

Porém, enquanto não enxergar o brilho daqueles olhos outra vez, serei apenas um centauro sangrado.

2 comentários:

  1. Te ver assim me deixa triste cara, então imagino o quanto deve ser dificil para ti...

    Espero que tudo aconteça da melhor forma para todos, e que tu saia dessa fossa.

    Para qualquer coisa, já sabe.

    Abraço forte!

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  2. Tua dor transpassa essas letras miúdas, mas não sei o que te faz doer.

    Força, amigo. Daquelas que vem com abraços apertados. O meu, se pudesse, transpassaria essa tela fria e te aconchegaria, de alguma forma.

    Beijo doce.

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