Adocica, meu amor, adocica!

Sou meu próprio analista. Pode parecer meio excêntrico dizer isso, mas é a mais pura verdade. Ocorre que, em certos momentos nos quais eu realmente constato que estou precisando de terapia, passo por um estranho processo cósmico igual àquele que as amebas fazem, sei lá se é mitose, meiose, osmose ou fimose, se envolve as mitocôndrias, realmente não sei, mas eu me bifurco e viro em dois. Opa, esqueçam as mitocôndrias, acabei de lembrar que elas são responsáveis pela respiração celular.
O primeiro fruto da divisão sou eu, o paciente. É o mesmo Antônio de sempre, só que sem armaduras e disposto a ouvir umas verdades. Já o analista, nada parecido com o de Bagé, que joelhaço comigo não funciona, pode ser facilmente descrito como uma figura de bigodes brancos, sobrancelhas espessas e usando óculos, pois gosto de terapeutas que usam óculos. Freud deve explicar.
Armei o divã, pus uma música gaudéria pra tocar e dei início à charla. Nessas horas é bom, porque não tem limite de tempo e eu me escuto como ninguém. Discorri acerca deste tema que tem me branqueado as melenas, conjecturei, levantei possibilidades e o escambau. Enquanto isso, meu lado analista marcava a vaneira com o pezinho batendo de maneira intermitente, alisava o bigode vez ou outra e, com parcimônia, apenas ouvia.
Finda a celeuma, saí do divã, peguei o bloquinho de armazém, desenhei um jogo-da-velha e me desafiei. Deu empate. Virei a folha, fiz a lista do supermercado e só então passei a dar a versão dos fatos vista de maneira analítica, pragmática e neutra.
Confesso: levar uns tapas de si mesmo não é fácil. Uma, porque dói. Duas, porque é ridículo tapear-se, e é claro que trata-se apenas de uma metáfora, pois já chega o fato de eu chegar ao cúmulo de conversar comigo mesmo como se fosse uma terapia de fato, então não teria o mínimo cabimento sair me batendo à bangu.
De todo modo, tive de ruminar certas verdades indeléveis e aceitar outras irretocáveis, entre elas o fato de que do jeito que estava não dava pra ficar. Frase feia, mas é assim mesmo que funciona. Sofrer é uma maneira cômoda de encarar um problema, já que a vitimização te fragiliza a ponto de facilitar o pensamento de que a dor é invencível. Contudo, a roda da vida gira exatamente para o lado oposto. Se você não quer ser chamado de sujo, não é chafurdando na lama que vai conseguir isso. Pelo contrário, tome um banho e o resultado será imediato.
Ou seja, entender a ação do tempo, as atitudes inesperadas e dosar a mágoa com o aprendizado é tarefa necessária para amadurecer. Os diversos estágios que devem ser atravessados para se atingir a calmaria envolvem, sim, a libertação. Acabamos caindo naquela velha máxima do jardim, que só atrai as borboletas se estiver bem cuidado, florido e pronto para recebê-las.
Volto a dizer que não é fácil, porém é tão necessário quanto complicado. Não basta mudar, mas ratificar. Enquanto isso, a vida precisa seguir, e precisa seguir alegre, cercada de boas vibrações e o máximo possível de sentimentos que atraiam o otimismo, combustível indispensável para se viver a felicidade em sua plenitude. Não se pode garantir a ausência de uma dor, mas ficar sem tomar o remédio é, no mínimo, insanidade.
Terminada a terapia, uni as partes, troquei das gaudérias para Beto Barbosa e, pelo menos por enquanto, o negócio é remexer as cadeiras e bailar o Adocica. É jeca, mas é jóia.

3 comentários:

  1. oieeee
    sabe quando faço essas terapias o médico não fala e a paciente não ouve hehehehe
    eu desisti de me dar conselhos!!!
    beijos querido.
    saudades tuas

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  2. "É jeca, mas é jóia." É o Antônio mesmo! rsrsr
    Por falar em analista, não consigo fazer a minha sair daqui de dentro. É tudo tão complicado que eu nem sei por onde começar... e ela tá um pouco cansada de tentar me ajudar. Talvez eu precise de um banho. A lama já tá cobrindo o joelho! rsrsrs
    Beijos

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  3. Mal tinha parado de rir com a "fimose", quando me vem o parágrafo que tu enumera o porquê de não se auto esbofetear. Morri.

    Quanto ao teor do texto, eu já sabia: tu tem outro por dentro!

    Abraço, doutor!

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