A difícil tarefa

"I'll take a risk, take a chance, make a change and breakaway"

(Breakaway - Kelly Clarkson)


Acordei sobressaltado com o toque do telefone e, como que o choque fosse proposital, a ligação trouxe consigo uma triste notícia: o falecimento da mãe de uma amiga. Ainda sonolento, escutei, atônito, às informações passadas pausadamente, o tom fúnebre peculiar dessas horas e, devagar, tentei, como tento até agora, fazer cair a ficha.
Não gosto de mortes, muito menos de perdas. Há quem lide bem com isso, alguns inclusive surpreendem com a força que demonstram nessas horas. Eu, sinceramente, não consigo assimilar. Se com os outros já é triste, imagine sentir na pele, sofrer o aperto todos os dias, o tempo todo. Não é fácil. É por isso que o mínimo que posso fazer é tentar oferecer um pouco de apoio à amiga que sofreu tão pesada perda.

A gente perde as pessoas para a morte, perde outras para a vida. Que coisa isso. Em 2009, por exemplo, eu tive que amargar os dois tipos e, sinceramente, ainda não consegui concluir o que dói mais. Verdade incontestável é que não cessa, dói o tempo todo, corrói o peito, aperta, angustia. É difícil sentir saudade de quem partiu para sempre, e mais ainda sentir a falta de quem está ali, mas não está.
Sempre que ocorre uma lembrança vívida de quando o vô partiu, eu recordo o momento em que meus amigos adentraram o velório, onde eu estava sentado, absorto em meus pensamentos, ainda organizando as incongruências impostas pelo destino. Imaginava que não sentiria dor parecida tão cedo, que teria de ser bravo e enfrentar a mutilação e, quando enxerguei todos ali compadecidos, entendi que não estava sozinho.
O melhor abraço, no entanto, se foi. Por minha causa, é bem verdade. Ironicamente, agora não consigo mais chorar naquele que era meu ombro mais cúmplice, alguém que sempre me tratava como porto seguro, mas que tinha o dobro dessa importância na minha vida. Passo o tempo todo procurando maneiras de diminuir a dor, tentando me libertar desse labirinto que me sufoca, mas não consigo. É como estar condenado eternamente pelos erros que cometi e, mesmo que me arrependa, mesmo que mude, que faça de tudo para ser melhor, nunca serei. Sinto-me eternamente insuficiente e incompleto.

Estou começando a cansar de ouvir músicas e recordar, de ir a festas e não conseguir sorrir, fato que alarma até aos estranhos. Não consigo ser marionete o tempo todo, que brinca, brinca e brinca. Chega uma hora em que o corpo esgota, a mente chega ao limite e, estático, consigo apenas permanecer sorvendo a dolorosa lembrança do que já não é mais.
Esperança? Pois é, é a última que morre. Embora quem partiu com a morte não volte mais, há quem diga que a vida traz os vivos de volta. Entretanto, durante o luto nada parece fácil, principalmente quando lhe acompanha a culpa de não ter sido bom o bastante, de ter acordado tarde demais, de não saber sequer como agir, o que dizer, como e quando sentir. Tudo parece incomodar.

Depois de amanhã será o primeiro aniversário do vô Gentil que passaremos sem a sua presença. Dói tanto, ainda não sei como lidar com a falta do timbre grave que ele tinha, as idéias ortodoxas, firmes, fundamentadas. Meu avô era um alicerce, sem ele me sinto inseguro, incapaz de enfrentar certas dificuldades que a vida teima em impor.
Quantas datas terei de atravessar sentindo isso? Quantos dois de abril, vinte e um de maio, catorze de novembro, quantos dezoito, vinte e um de outubro serão somente lágrimas? Quando conseguirei me convencer de que todos os dias foram marcantes, mas que talvez a tua libertação os transforme somente em lembrança vã, bonitinha e "que tenha sido eterna enquanto durou"?

A vida segue, sabe. Mas isso não significa que eu esteja contente com isso. Perder cansa. Dói.


Vem Pra Cá
(Papas da Língua)

Não ver você, não tem explicação.
É caminhar pela escuridão.
Ficar a fim e não poder falar,
querer o sim e não se acostumar
com a solidão, o medo de amar,
estranho vazio no seu olhar.
Eu tento achar em algum lugar
o amor que você deixou pra trás.
Vem pra cá...

4 comentários:

  1. Olha, acho que poucas vezes eu poderia te falar um "eu te entendo" com tanta propriedade!
    Mês q vem faz um ano q perdi minha avózinha querida. É a mesma dor!
    Minha avó era o MEU porto seguro.
    Posso simplesmente assinar em baixo de tudo que vc disse e só te oferecer o meu abraço e em troca pedir o seu!

    Eu realmente te entendo...

    ResponderExcluir
  2. Perder dói. Perder para a morte ou para a vida, sempre dói. A única coisa que resta, é a saudade. E nós passaremos por isso a todo momento. Essa semana, minha amiga perdeu o pai. Ouvi ela dizer: "Não tem nada aqui. Só a saudade". Mas quem é que disse que a saudade é triste? Saudade a gente sente quando viveu coisas boas... e isso a gente vai poder guardar pro resto da vida e não vai perder pra ninguém. Levante a cabeça e continue, mesmo não gostando, mesmo não estando feliz: procure sentir, ainda, as emoções que as pessoas podem te proporcionar. E procure sentir o vento sempre que puder, tenho certeza que você vai sentir coisas além dele: experiência própria, meu avô tá sempre aqui comigo, mesmo completando 9 anos de partida neste janeiro.
    Beijos, Antônio. Saudade de você.

    ResponderExcluir
  3. Também fiquei atônita quando recebe a notícia da mãe desta nossa tão querida amiga. Fiquei sem saber o que fazer e dizer neste momento tão dolorozo. Mas ela sabe que pode contar com os amigos dela. Um beijão Antônio, saudades enormes de ti. xD

    ResponderExcluir
  4. As perdas são sempre dolorosas, não sei a que dói mais, a que perdemos para a morte ou a que perdemos para a vida.
    Tinha um tempo sem passar por aqui e pelo visto voltou mesmo, heim?
    Beijo no coração!

    ResponderExcluir

<< >>