Um ano de saudade

Eram exatamente duas e trinta e nove da manhã quando meu telefone tocou no meio da festa. E ela terminou ali mesmo. Meu avô estava morto. Minha primeira atitude, naturalmente, foi voltar para casa. Ainda no estacionamento, fiz uma ligação a cobrar e, de certa forma, ganhei alguns minutos de tranquilidade: meu alicerce estava a caminho.
Tomei um banho, entrei no carro e a ficha só caiu em São Chico, quando adentrei a capela mortuária. Fui a primeira pessoa a ficar frente a frente com o caixão. Só então acreditei no que havia acontecido e, dali para diante, a vida nunca mais foi a mesma.

Nem mesmo quem me conhece muito bem consegue dimensionar o que significa para mim não ter mais o vô Gentil por perto. Quando tudo na vida perde o sentido, é nos meus quatro avós que eu penso. É deles que recebo o maior incentivo para permanecer firme, pois represento um orgulho imenso e consigo palpar o amor mais verdadeiro que já conheci até hoje. Enquanto os demais amores começam e terminam em trinta dias, trinta anos ou trinta minutos, o amor de meus avós ensinou-me que, se é pra valer, supera qualquer obstáculo.
A ausência do vô, portanto, significa que parte de mim foi arrancada e levada para longe. Não há um só dia sem saudade, sem lembrança dos ensinamentos, das expressões e da fé que ele tinha no meu potencial. Quando me aconselhava, podia ver seus olhos brilhando de convicção, como alguém que está seguro de dar a direção certa a quem ama. Vô Gentil, vez ou outra, dava-me presentes significativos, objetos que tinham lhe acompanhado durante uma vida e que, de repente, ele repassava a mim como forma de perpetuar a estampa de fibra que ele conservou até a morte.
Ganhei dele meu poncho, o chapéu de aba larga, um borrachão, lenço de pescoço, um par de botas, um rádio velho que nunca funcionou, um relógio de pulso que fica sempre ao lado do computador e uma guaiaca que jamais servirá em mim, e mesmo assim eu adoro. Sempre procurei ter uma relação de empatia com ele, pois, por ser o mais velho dos quatro, era, naturalmente, o que mantinha as idéias mais ortodoxas. Ainda assim, sempre tivemos uma relação límpida, pautada pelo respeito e um carinho sem igual.
Hoje, após um ano sem vê-lo, sinto que a vida nunca mais será a mesma. Perdi muito mais que um avô neste último ano. Com ele, foi-se um pouco da minha alegria de viver, senti-me perdido por diversas vezes e acabei seguindo caminhos que resultaram noutras perdas significativas. Por mais difícil que seja de compreender, é cada vez mais complicado pensar que tenho de seguir minha jornada sem pessoas importantes, tenham partido ou não, mas que sempre foram imprescindíveis para o meu sucesso.
Por via das dúvidas, vou desligar o celular durante a festa de hoje. Não quero mais correr o risco de receber notícias ruins, até porque já não tenho mais para quem ligar caso aconteça uma tragédia. Nem mesmo a cobrar.

Vô, esteja onde estiver, continue olhando por mim. Estou precisando disso mais do que nunca. Um abraço desse neto inconsistente que te amará eternamente.

3 comentários:

  1. Podes ter certeza que teu vô Gentil está sempre olhando por ti, meu querido. Ele tinha o maior orgulho desse neto amoroso, sempre presente em nossas vidas e tornando sua vida mais amena, com seu carinho e atenção. Essa homenagem póstuma que fazes a ele demonstra mais uma vez o quanto ele tinha razão do seu orgulho por ti. Li chorando e estou chorando agora... Voltei do cemitério hà poucos minutos e me deu vontade de ver teu blog. Tinha certeza que irias escrever sobre teu vô. Obrigada... Um beijo,Te amo...

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  2. Sei que já te disse isso, mas, como bem me disseram quando a minha avó morreu: "a saudade varia com o tamanho do amor".

    A saudade não acaba nunca. Mas a gente tem que se agarrar as boas lembranças... Sabe que, nos últmimos dias temos falado muito da minha avó, tentando sempre imaginar como ela agiria com o que estamos planejando...

    Fica bem! Um abraço bem apertado dessa amiga aqui de longe....

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  3. Lembro-me de ter acompanhado sua dor aqui e que até chorei com seu post.
    É triste mesmo. Perdi minha avó paterna no fim do ano passado, meu avô paterno já tinha ido... É uma dor que não vai embora, mas eu posso dizer que aprendi a conviver com ela.
    Bjitos!

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