Ontem fiz um golaço!

Uma verdadeira bucha. Um chute daqueles que pega na veia, com a certeza e a imponência de uma autoridade legal, a fineza de um barão austríaco e a voracidade de Átila, o huno. Este relato é para os amantes do futebol que conseguem experimentar uma sensação orgástica quando contemplam a bola balançando as redes.
O jogo estava difícil, terminamos o primeiro tempo perdendo por 5 a 2, um verdadeiro laçaço. Confesso que estava desanimado com o placar, a condição do jogo em si não me era favorável. Estava marcando um magrão ligeiro pacas que, a cada vez que dominava a bola na minha frente, parecia me convidar para dançar um tango argentino, dois pra cá, dois pra lá e talicoisa. E eu ali, feito um Amaral, um Jeovânio ou qualquer outro volante brucutu ou, no caso, fixo brucutu, já que se tratava de futsal.
A vida de um fixo não é fácil. Consiste em marcar o pivô, desarmar e fazer pouquíssimos gols. Jogar na defesa significa estragar a festa o tempo inteiro, ser ranzinza e mostrar os dentes apenas para atacar com ferocidade. Até me aventurei no ataque quando as pernas e o vigor da juventude ainda pulsavam em minhas tenras carnes, porém a contumácia do tempo defenestrou-me para o calabouço defensivo, onde a vida é dar chutões e cabeçadas, seja na bola, nas canelas ou no queixo. Menos mal que escapei da lateral-direita, pois nada é pior do que ser lateral-direito. Prefiro até a reserva. Ser lateral-direito é como ser mulher no mundo islâmico, um dallit na Índia e um apreciador de moda de viola numa festa punk. O verdadeiro opróbrio.
Reflitamos, portanto: um jogo cascudo, encardido, levando cinco na cola, jogando de fixo e com o aspecto anímico abaixo da linha da miséria. Sim, porque infelizmente levo meus anseios extra-campo para a partida. E ontem, pra completar, ainda tinha uma pulga atrás da orelha. Ou seja, as perspectivas não eram nada boas. Arfando feito um leão-marinho exausto e suando mais que o Tio Epaminondas, cheguei a pensar que o segundo tempo seria hecatômbico, podia escutar as trombetas do Apocalipse soando.
O segundo tempo começou sorumbático, meus companheiros de time tentavam tornar o jogo elétrico, mas eu só conseguia pensar na morte da bezerra.

Até que, de repente, o inimaginável aconteceu.

Numa despretenciosa cobrança de escanteio, a bola bateu no melão de um dos adversários e outro espanou a bola que veio em direção a mim. Ela veio e veio, quicandinha. Nossa, como eu gosto de bolas quicandinhas, parece que elas pedem melosamente, "me chuta". Uma gorducha de revesgueio, deliciosamente ímpar para desferir um petardo histórico.
Enquadrei o corpo, enchi-me de coragem, respirei fundo e CATAPIMBA! Dei-lhe um botinaço, mas um senhor de um chute, com o peito do pé, um golpe digno de Cavaleiros do Zodíaco, que fez a danada da bola zunir e, ao piscar de olhos do goleiro, entrar no ângulo.
Foram três segundos de êxtase futebolístico. Cinco a três pra eles. Porém, acordei para o jogo, despertei o dragão adormecido que assistia à Sessão da Tarde n'algum lugar obscuro da minha alma. Acionei meu terceiro pulmão e, claro, o time ficou empolgado com aquele gol de placa, afinal de contas, é mais fácil passar dois cometas Halley na Terra num intervalo de dez anos, do que eu acertar um chute daqueles.
Moral da história: o jogo terminou sete a cinco pra nós. Não levamos nenhum gol no segundo tempo, fizemos uma batalha épica, recuperamos um placar adverso e levamos paz e tranquilidade ao vestiário. Futebol é um troço engraçado na cabeça dos homens, é mais ou menos como o controle do peso para as mulheres. Não gostamos de perder uma partida, assim como elas não gostam de engordar trezentos gramas. A derrota significa os três quilos a mais que elas não conseguem perder de jeito nenhum. Vencer é o bálsamo, é o plus no gosto da cerveja, é a futilidade que move a espécie e prolifera o bom-humor para quem ganha e a depressão para quem perde. Se futebol é o sexo, o gol é o orgasmo. Ontem, portanto, tive múltiplos.

4 comentários:

  1. ahushaus
    amoo futebol, mas ainda não tive a satisfação de ter um orgasmo com um gol!
    ainda estou conhecendo o blog, mas já adianto que está mto legal!

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  2. Eu admiro o poder que os homens têm em amar o futebol. Eu nunca morri de amores por futebol, mas depois de um namorado viciado nesse esporta fica impossível pelo menos não assistir. Já sei o que é escanteio, impedimento e por aí vai. rsrsrsrsrs

    beijão!

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  3. Ri muito com esse teu texto. A-do-ro quando tu narra tuas peripécias em palavras do tempo do onça e com um toque de humor tão peculiar e inimitável. Não sou muito fã de futebol, mas assisto Bola Cheia, do Fantástico. Ninguém filmou esse teu chute guerreiro?

    Beeeijo amado.
    Voltei com o blog, aparece pruma xícara de café ;)

    notinha: to matutando em cima do teu layout (éééé meu caro, esqueci dele não...)

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  4. "calabouço defensivo, onde a vida é dar chutões e cabeçadas, seja na bola, nas canelas ou no queixo"
    sahushaushaushaushausausahu

    Eu sempre sou rebaixado para a defesa, onde tenho menos chances de cagar totalmente com o jogo do resto do time.
    Mas ultimamente (pasme!) tenho tido mais interesse em jogar futebol, uma vontade de acertar de fato na bola e não chutar o ar e quase dar uma pirueta e depois cair de cabeça (como fiz na última educação física...).

    Well, very good o teu relato. E com um vocabulário de nível astronômico, né seu coisa.

    Abraço!

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