Refrão de um bolero

Coração na mão como um refrão de um bolero
Eu fui sincero como não se pode ser.
Um erro assim, tão vulgar, nos persegue a noite inteira
E quando acaba a bebedeira ele consegue nos achar num bar
Com um vinho barato, um cigarro no cinzeiro
E uma cara embriagada no espelho do banheiro

(Refrão de um bolero - Engenheiros do Hawaii)


Eu, que falei: "Nem pensar!"

Acordo pela manhã e cumpro o mesmo ritual de todas as manhãs, leio o jornal, lavo o rosto, bebo um copo de suco quando sinto vontade, ou então permaneço em jejum até o meio-dia, o que ocorre na maioria das vezes.
Porém, estou preocupado. Meu semblante está diferente, magro, esquálido. Fosse a perda de peso, vá lá, mas não é. Meus sessenta e oito quilos pouco oscilam, e a magreza que as pessoas estão enxergando, essa que agora contemplo cara a cara com o espelho antes de escovar os dentes, é a magreza da alma. A própria palidez sentimental.
Preocupa-me, pois estou cansando. E, cansado, estou desistindo. Não sei bem de quê, ou de quem, mas não sinto mais a mesma força no braço, o sentido que me fez dirigir quase seiscentos quilômetros parando apenas uma vez, aquela vibração que me dava a certeza do sucesso. Pior do que amar sofrendo, é amar cansado, sem forças até para protestar, espernear, uivar ou rastejar. Estou cansando da minha própria identidade.

Um erro assim, tão vulgar, me persegue a noite inteira. Mas eu falei sem pensar! E não foi um só, foram várias vezes, eu sei. Talvez não haja esquecimento, ou perdão, eu sei disso. Aliás, o princípio da conformação adotado na última auto-análise dilacerou minhas inquietudes, meu espírito sindicalista reivindicando direitos. Estou repetitivo, que lástima.
São muitas sombras, interrogações, impeditivos. Eu tento, juro que tento, mas o meu rosto prova que algo está mudando além do que deveria. É a onda pétrea que insiste em me alimentar durante o jejum de todas as manhãs e, consequentemente, leva embora o meu peso, não o de quilos, mas o da essência.

Eu fui sincero como não se pode ser. Fui tolo. E o ouro do tolo acabou, me deixou sem tesouro nenhum. Esqueceram, porém, de me avisar que a história do filho pródigo só funciona na Bíblia, e que muitas vezes comer com os porcos é o que resta.
Agora me arrependo de um crime sem perdão - sem roer as unhas, pois o aparelho não permite. É o fim do mundo todo dia da semana. Sem tristeza aparente, sem dor premente, sem lágrimas. Apenas sinto o cansaço consumindo minhas têmporas e forçando a própria vida a especular alternativas que estavam guardadas no baú do plano bê. Apesar de que, diante de tanta inoperância, não descarto continuar errante e falante e o coração na mão como o refrão de um bolero.

Bueno, mas vamos em frente. Mesmo sendo labirintos, teus lábios continuam atraindo meus instintos, dos mais ternos aos mais sacanas. A vida se reinventa, ela acontece para todos, não é mesmo? Digo que estou aqui, sentado num banco qualquer, quieto e ouvindo o que não diz a letra da música... Mas, te asseguro, que ao menor sinal de convite eu entro na tua dança, mesmo cansado. É a minha escolha.


5 comentários:

  1. É a tua deixa, é a hora de ser. Se a essência escapa dos dedos, permita-se renovar. Um vinho barato, um perfume importado, um espelho novo.

    Ser novo. De novo.

    ;*

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  2. O fim do mundo que ronda, a cada final do dia, as horas que vão e vem, passos de um bolero gritante, uma dose de vinho outra de veneno...

    Adorei, beijos

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  3. Adorei.(sei que é uma palavra q pode parecer falsa, mas eu realmente li, e adorei.)

    Bjs.

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  4. Meus parabéns! Juntou a perfeição da composição de Gessinger, com a sua definição de momentos. Muito bom mesmo!

    Um beijinho de uma grande fã dos engenheiros hihi

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  5. me senti tão a vontade nessas palavras. me vi sentada no sofá de casa, me vi num espelho de letras. era bem eu quem estava exposta ali em cima.
    ninja.

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