Eu não entendo

Por que você não disse que viria?
Logo agora que eu tinha
Me curado das feridas
Que você abriu quando se foi
Por que chegou sem avisar?
Eu queria tempo pra me preparar
Com a roupa limpa, a casa em ordem
E um sorriso falso pra enganar

Eu não entendo a sua volta
Não entendo a sua indecisão
Num dia sou seu grande amor
No outro dia não.
(Eu Não Entendo - Nenhum de Nós)


Sabe aqueles dias em que a gente acorda com uma vontade danada de fazer o papel de advogado do diabo? Onde, em lugar de um passarinho verde e cintilante, você põe um urubu azedo? Pois bem, hoje resolvi enxergar o tema da Postagem Coletiva assim.
Não que tal azedume converta-se em mau-humor (maldita reforma ortográfica que me dá a impressão de estar escrevendo tudo errado, e devo estar um bocado mesmo), pelo contrário, a ave cavernosa usada no exemplo acima foi mera figura de linguagem. Acordei todo pimpão nesse inverno encolhedor de pênis que sopra cá pras bandas do Sul, mesmo ele transformando meu travessão - gramaticalmente falando - numa humilhante vírgula, se é que me entende.
O fato é que, normalmente, quando o amor não acontece da maneira que queremos, fica mais fácil dizer que não o entendemos. Realmente, é complicado que uma pessoa não corresponda a nossos sentimentos mais nobres, principalmente quando todos eles pulsam dentro da gente em seu ápice. Enquanto isso, o outro mostra-se arredio, desconfiado e temeroso, ainda mais quando há um histórico de insucessos.
Falta paciência; sobra agonia. Amar, às vezes, é um tanto egoísta. Digo isso porque, a certa altura do campeonato, quis primeiro que o amor fizesse bem a mim, para depois converter-se em sucesso aos olhos dos demais. E, quando o "mim" sobrepõe o "nós", entender qualquer coisa tornar-se-á tarefa hercúlea.
Sei que depois que tudo vai bem é fácil falar, soa até um pouco demagogo. Entretanto, o que me compele a refletir o outro lado da moeda é justamente alentar aqueles que hoje estão circunstancialmente cegos, porque é isso que o amor deslocado faz com a gente: ele cega. Como todos sabem, o pior cego é justamente aquele que não quer ver, e é bem isso que acontece.
Por isso, àqueles que não entendem a indecisão momentânea do ser amado, nunca se esqueçam de um detalhe importantíssimo: o tempo passa mais devagar para quem tem pressa, principalmente quando a dita cuja tem como finalidade receber o amor do outro. Enquanto para quem precisa definir o que sente o tempo configura-se num aliado (ainda que a pressão do outro não seja nada aprazível), para quem necessita de uma gota de amor a areia parece não cair na ampulheta de jeito nenhum.
Por fim, quando o vivente tomar sua decisão e reaparecer de surpresa, por mais difícil que possa parecer, não o julgue. No show da vida, hoje você pode ser expectador, mas amanhã pode estar no palco, e isso pode fazer com que seu dedo indicador, outrora apontado numa direção oposta, se volte contra o seu nariz. O Ministério da Saúde adverte que não é nada legal ser o juiz dos próprios erros. Dói pra cacete.
Sei que conselho não se dá. Aliás, esse nome conselho é apenas uma roupa legal que deram para a palavra palpite. De todo modo, de vez em quando é interessante refletir nas palavras de outro, então, digo apenas para que ame, ame bastante. Muitas vezes dói um bocado, mas vale a pena. É que nem quando a mamãe queria passar merthiolate no joelho esfolado, porque arde que é um mistério, mas depois passa e cura. Quanto a entender... ah, quem precisa entender o amor? Basta senti-lo.

Bom mesmo é voltar a participar da Postagem Coletiva.

14 comentários:

  1. Talvez amar não seja estar cego. Amar, no meu ponto de vista, é enxergar todos os "defeitos" do amado e ainda sim o aceitar, desejar, cultivar o sentimento. Talvez a paixão seja de fato cega...

    OBS: não tenho este órgão, mas não pude deixar de concordar "...nesse inverno encolhedor de pênis"...hehe ainda diria: inverno encolhedor de ânimo! AFF

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  2. Bruna,

    Concordo contigo nessa definição de amor. A cegueira a qual me referi foi a do amor deslocado, aquele que normalmente nos deixa ansiosos quando não é correspondido. Nesses casos, normalmente a gente enxerga menos do que deve.

    Quanto ao inverno, sem comentários, dá até vergonha...

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  3. Oi Antônio!

    É estranho e doloroso estar na posição de quem espera a decisão do amado, que fica a mercê de suas idas e vindas e não tem reciprocidade. Na maioria das vezes, isso é interpretado como brincadeira egoista, mas sabemos que generalizações não podem ser feitas. Cada um sabe a dor que carrega e os motivos de cada dor.

    É triste, mas é verdade.

    Além disso, como disse a Bruna aí em cima, acredito que o amor não seja cego. Pra mim, a paixão é cega e o amor enxerga bem até demais.

    Teu tema do post coletivo foi ótimo, gostei demais desde o momento que vi. xD


    Beijo!

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  4. Luciana,

    A bem da verdade, acabo concluindo que o amor, sem reciprocidade, sempre terá algo de manco. Então, pode não ser cego, mas manca e acaba não enxergando nada direito. Bom mesmo é quando um ama o outro e vice-versa, sem terceiros ou adendos.

    Beijo!

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  5. Difícil não julgar quando se ama e a pressa nos consome.
    Difícil não ser julgado quando não se sabe para que lado do rio olhar.
    Amar é difícil [e delicioso] ouso dizer que mesmo quando não correspondido.
    Amar preenche.

    Pressa [de felicidade] todos temos, certezas... já não acredito nelas.

    Beijo Ton!

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  6. Antonio, achei o texto ácido e doce, tem como?
    No amor sempre tem como misturar os dois e na literatura também!

    Frio? Capaz, guri! hahahah

    Bjos

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  7. Fê,

    Talvez o mais interessante de tudo isso seja que, mesmo com tantas impressões e definições, mesmo sendo tão diferente, o amor continua sendo amor, igualzinho, pra cada um. É por isso que concordo com cada palavra do teu comentário.

    Beijo!

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  8. Luana,

    Ácido e doce? Por que não? Outro dia comi alface com açúcar, um troço tenebroso... mas, acontece.
    Com sorte, consegui digitar isso antes do congelamento das minhas falanges.

    Beijo!

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  9. Antonio
    Com toda espiritualidade e um pouco de bom humor dissestes realmente que o importante é amar e isso é muito bom mesmo.
    Gostei muito da forma como escreves que nos fala tudo, seja bom ou ruim, sempre com aquele pitadinha de humor.
    Obrigado pela visita e comentário.

    Beijos

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  10. Rene,

    Agradeço muito os elogios, o bom humor sempre deixa tudo mais colorido. Obrigado também pela devolução da gentileza!

    Beijo!

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  11. Amei o texto.. E concordo plenamente contigo, entender o amor só complica. Com delicadeza e realidade, você disse tudo o que importa ;)

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  12. Mari,

    Obrigado pelos elogios, menina! Não sei se disse tudo o que importa, mas procurei dizer o que penso (agora)...

    Beijo!

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  13. Caríssimo,
    te confesso que não li o texto, mas me detive numa palavra numa passagem rápida de olhos: arredio.

    E a palavra ficou martelando, pulsando na minha mente: arredio, arredio, arredio, arredio, arredio...

    E descobri que estou detestando-a. Pronto, falei.


    Te gosto imensamente,
    Fê.

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  14. Fê,

    Todo animal, sapiens ou não, ainda que arredio no início, com o tempo atinge a mansidão. É só o que tenho a dizer.

    Também te gosto um bocado!
    Beijo!

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