O Calhambeque - Capítulo 2

Antes de pensar em meu segundo carro adquirido, de contar como consegui livrar-me do fantasma chamado Saveiro que assolou minha vida por intermináveis quatro meses, quando ainda efervescia em meus miolos a recordação dos fatos ocorridos no longínquo ano de 2006, eis que algo inusitado aconteceu: mamãe descobriu o blog.
Aliás, ultimamente mamãe está aprimorando suas habilidades tecnológicas, o que significa dizer que vem ocorrendo uma evolução acentuada em seu manuseio cibernético. Até outro dia atrás, ela mal sabia o que era um ícone. Agora, chego em casa e recebo a seguinte novidade:

- Não sei se tu vai ficar brabo comigo, mas hoje eu li teu blog (brabo, eu? Ora, é mais uma leitora ilustre!).

E desatou a rir com galhardia. Mais que isso, narrou fatos acerca da charanga que eu até já havia defenestrado de minhas lembranças remotas. Por isso, antes de seguir a ordem cronológica dos acontecimentos, contarei outra peripécia que aquele cacareco nos fez passar, pois, como vocês bem podem ver, tanto mamãe, quanto alguns comentários do texto anterior atestam a veracidade, para meu dissabor e vosso deleite, dessa narrativa odiosa.
Como todo motorista sabe, ou pelo menos deveria ao comprar um carro, este deve passar por uma vistoria no CRVA, lá nos entrementes do DETRAN, essa esfera que envolve os despachantes e talicoisa. Porém, conforme já citado no primeiro capítulo, meus recursos financeiros não eram lá tão frutíferos quanto deveriam, portanto, quando não se tem cascalho, o negócio é fazer o trabalho sujo com as próprias mãos.
No meu caso, a ideia de gerico ao adquirir a Saveiro era tão absurda, que os gastos começaram antes mesmo de regularizar o cacareco. Eu, contudo, seguia inebriado de felicidade pela compra do primeiro carro, por mais que, aos olhos dos outros, aquilo fosse um retumbante ouro de tolo. E, como também já relatado anteriormente, naquela época eu era estagiário-escravo, o que tornava meu tempo livre mais curto que coice de porco. Sendo assim, precisei pedir para que alguém enfrentasse a vistoria (e a vergonha de passar por isso) e levasse aquele arremedo de veículo até o CRVA.

Minha mãe, como não poderia ser diferente, abraçou mais essa tarefa.

Aliás, aqui cabe um parêntese. Ao relembrar aquele fatídico período negro de nossa história, entre gargalhadas, ela revela que, a cada toque de seu telefone, o pavor tomava conta de seu ser. Para quem acha que "seven days" é a frase mais aterrorizante que alguém pode ouvir ao atender uma chamada telefônica, acredite, os problemas da Saveiro faziam mamãe viver à beira de um ataque de nervos.
Voltemos à vistoria. Fiquei com o carro dela na cenzala, digo, na empresa, e lá se foi minha genitora dentro daquele pandemônio motorizado rumo à prova de fogo: ter aquela desgraça aprovada pelo vistoriador. Mas, como naqueles dias nada era de barbada, eis que, no meio do caminho, numa das avenidas mais movimentadas de Novo Hamburgo, a geringonça resolveu parar de funcionar. Parou. Apagou. Foi pro beleléu.
Mamãe, ao contrário de mim, tinha uma nesga de sorte quando a Saveiro dava uma de kinder ovo. Imaginem, trancar o cruzamento em pleno horário de pico? Ficar ao Deus dará em plena avenida, macacos me mordam! Com mais sorte que Joseph Climber, um facho de luz abriu no céu nublado e iluminou uma vaga, uma mísera vaguinha, onde cabia justamente o comprimento do carro naquele momento de tensão. E, numa manobra que nem mesmo Ayrton Senna faria melhor, mamãe manteve o sangue frio, virou a direção e, ufa, pôde recuperar o compasso dos batimentos cardíacos após deixar o fluxo de veículos seguir normalmente, enquanto pensava no que fazer diante de mais um problema que, em menos de uma semana, aquele maldito carro nos proporcionava.
Começou, então, a trilhar uma jornada pela cidade. Foi a pé até onde eu trabalhava. Pegou o seu carro (e que alívio deve ter sentido naquele momento). Deslocou-se até o mecânico. Relatou o ocorrido. Transportou o cara até o local em que a jabustreca havia sido abandonada. Esperou. O vivente fuçou, fuçou, fuçou, mexe daqui, rebimboca da parafuseta dali, vira a chave, abre o capô, dá-lhe um chute nessa merda e, Shazam, fê-la funcionar outra vez!
Uma cortina de fumaça criou-se ao redor da caminhonete. Quem passasse desavisado pelo local pensaria que Professor Pardal inventara algo. E, detrás da nuvem espessa de monóxido de carbono que o cano de descarga expulsava aos borbotões, o mecânico saiu em disparada conduzindo a Saveiro, meio aos trancos e barrancos, como quem monta num potro xucro pela primeira vez, e mandou-se morro acima. Mamãe, apavorada com aquilo e meio sem alternativa, seguiu atrás.
Mais um conserto, mais gastos. E ainda faltava a maldita vistoria. Uma gota de suor correu pela têmpora de minha jovem mãe. Enfim, era chegado o momento da carnificina veicular. Fechou os olhos, benzeu-se, fosse o que Deus quisesse. Entrou no corredor da morte.
Fico pensando no que terá feito o vistoriador aprovar aquela que foi praticamente uma sentença de infelicidade plena. Picardia? Castigo divino? Recalque por alguma experiência malfadada no passado? Puro sarcasmo? Ou, até mesmo, piedade? Não sei, meus caros. A verdade é que, acreditem ou não, os caras deixaram aquela velharia passar impune e, para meu revés, permitiram que eu seguisse rodando pela cidade e tendo tantos problemas, que até hoje ganho faniquitos quando me deparo com um exemplar daquele infortúnio.

Se eu recordar de mais algum episódio relevante, conto no próximo capítulo. Caso contrário, sigo adiante, pois, para quem pensa que minha desgraça automotiva termina por aí, está redondamente enganado...

Não percam o próximo capítulo de O Calhambeque!

10 comentários:

  1. Oi...

    Eu ri...

    hushaush


    G-zuis...Demais esses acontecimentos... espero o próximo capítulo.

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  2. Ficamos Felizes ao encontrar vosso blog como sendo seguido por mais de uma de nossas estagiárias...
    Ao virmos visitá-lo não poderíamos de deixar de requestá-lo,a final parece ser um profissinoal qualificado em nossa área:
    "Seleciona-se Estagiários - pela vossa narração percebe-se que já tem experiência na função - possível, ou não, efetivação"

    Nosso Trampo inicia-se amanhã01/08/10, horário: ninguém sabe, nem mesmo quem estreiará. Entretanto, a Convenção Inaugural e Nosso Currículo já está a sua disposição.
    Aguardamos vossa presença na via cibernética: http://detramponovo.blogspot.com

    Grande Abraço.
    E afinal, como deves saber:
    "A Gente Ganha Mal... Mas Se Diverte"

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  3. Tati,

    Ainda vem mais pela frente... aguarde!

    Beijo!

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  4. Pessoas do Trampo Novo,

    Interessante a proposta, vou passar lá e conferir...

    Obrigado e um abraço!

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  5. Sempre muito criativo...
    É um prazer ler os teus textos!

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  6. Criativo e bem humorado!

    Aguardo o próximo capítulo, querido!

    beijos :*

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  7. Michele,

    Pode ter certeza que também é sempre um prazer receber uma visita das bandas de Dois Irmãos...

    Beijo!

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  8. Karine,

    Valeu, guria! Se bobear, o terceiro capítulo sai ainda hoje!

    Beijo!

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  9. UHAHUAUHA MORRI com esse post :B
    Tadinho deelee, mas ao menos tu tens a tua mãe para te apoiar, han?! E ainda lê os textos, olhasóquecoisabonita :)
    Beijos, adoreio o texto!

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  10. Jéssica,

    Mamãe é TDB, querida. Se ela entrar numa cabine telefônica, põe uma tanguinha por cima do maiô e sai voando por aí, certeza que sim.

    Beijo!

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