O Calhambeque

Mandei meu Cadillac
Pr'o mecânico outro dia
Pois há muito tempo
Um conserto ele pedia
E como vou viver
Sem um carango prá correr
Meu Cadillac, bi-bi
Quero consertar meu Cadillac
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...

Com muita paciência
O rapaz me ofereceu
Um carro todo velho
Que por lá apareceu
Enquanto o Cadillac
Consertava eu usava
O Calhambeque, bi-bi
Quero buzinar o Calhambeque
Bi Bidhu! Bidhubidhu Bidubi!...
(O Calhambeque - Roberto Carlos)

O pior da vida não é quando a gente faz uma grande besteira. É quando, depois disso, a repete. E eu, que de teimoso tenho muito mais do que a cara e o jeito de andar, já cometi besteiras nessa minha vida que, contando, até Deus duvida. Talvez por isso Ele tenha relutado tantas vezes a me ajudar em algumas ocasiões em que esbravejei invocando o Santo Nome, nem tão em vão assim.
Bueno, a história de hoje começa no defenestrável dia em que resolvi comprar meu primeiro carro. Sem dinheiro, sem condições profissionais de mantê-lo, mas, sabe como é um ser masculino quando pensa que virou adulto, né. Fica naquele estilo frangote que entoa a primeira cantiga e já sai posando de galo velho, de dono do terreiro. Até que vem o legítimo galo, dono das esporas longevas que os anos lhe concedeu, e dá um passa-fora no garnizé, que corre para baixo do primeiro pé de hortênsia que aparece. No meu caso, o papel de galo velho foi executado pelo próprio destino.
Meu primeiro carro não era propriamente um meio de transporte, e sim um inóspito meio de chegar com muita rapidez a uma vasta e inimaginável gama de problemas. Eu tinha 20 anos, pouco mais de quatro mil reais na conta e achei que estava grandão na parada. Passei a procurar por uma caminhonete, porque sempre fui apaixonado por caminhonetes, aliado ao fato de que um carro nesses termos teria uma capacidade maior de levar-me à fazenda em São Chico, enfrentando a estrada de chão com voracidade.

Ledo engano. Essa expressão vai ficar marcada na minha história automotiva.

Agora, me diga: quem, em sã consciência, pode pensar que vai comprar uma caminhonete com quatro mil reais? Hoje, se chegar uma criatura contando essa idéia, creio que quase choro de tristeza pelo vivente, porque não existe burrice maior no mundo. Minha mãe tentou alertar, lembro que a Dani não foi a maior incentivadora do negócio e hoje o semblante preocupado dos meus amigos faz todo sentido. Mas, caramba, por que ninguém me alertou daquele assassinato ao bom senso? É algo que eu vou perguntar eternamente.
A verdade é que um pilantra safado me vendeu uma Saveiro 1983, caindo aos pedaços, por quatro mil e trezentos reais. O preço inicial continha seiscentos reais a mais, ao que, tendo barganhado, pensava ter feito um excelente negócio. Imaginem, seiscentos reais a menos! Ledo engano. Se eu soubesse o quanto gastaria depois...
Encurtando o relato pra não ficar aqui até amanhã contando dessa miséria medonha, eis que, na primeira noite em que voltava para casa após um cansativo dia de escravidão, uma vez que eu era estagiário na época e trabalhava treze horas diárias (SEM HORA-EXTRA!), desandou a sair uma fumaça do capô. Mas, antes de continuar, me permitam fazer outra consideração. O cara é estagiário, ganha quatrocentos reais por mês, tem sua poupancinha suada de quatro mil reais e resolve comprar um carro velho? Alguém me dá um tiro, por favor?
Bem, voltando à fumaceira, é óbvio que fiquei assustado com aquela cena dantesca. Um fedor invadiu o interior do carango, ao que desliguei a ignição, saí apavorado e fiz o que qualquer homem faria numa situação de apuro imenso, do alto de sua tenra maturidade após ter adquirido seu primeiro veículo.

Liguei para minha mãe.

No meu primeiro dia motorizado, cheguei em casa rebocado por um Fusca. O conserto da parte elétrica atingida pelo curto-circuito que provocou o fumacê foi o primeiro dos gastos exorbitantes que aquele caco velho me proporcionou. Até hoje ainda não entendo de onde tirei tanto dinheiro para arcar com os custos mecânicos daquela lata-velha. Antes tivesse escrito uma carta para o Luciano Huck.
Daí em diante, seguiu-se uma série de contratempos. A falta de combustível, por exemplo. Quando comprei aquela porcaria, o cara me disse que o marcador da gasolina não funcionava, mas que "era só ligar o fiozinho que não estava engatado no tanque, que funcionaria". Uma ova. Julguei que fizesse na base de oito quilômetros por litro, marquei num papel o quanto havia abastecido e desandei a rodar pela cidade.
Um belo dia, deslocava-me para casa na hora do almoço, quando para o inferno eu fui pela primeira vez. O carro simplesmente parou de funcionar. Fucei, tentei ligar, esbravejei aos céus, atitude que se tornou um tanto frequente naqueles dias pavorosos e, claro, novamente tomei a decisão mais correta.

Liguei de novo para a minha mãe.

Veio o mecânico e, sádico, sentenciou que o problema era falta de combustível. Além de tudo, ainda passei por situações vexatórias desse tipo. Menos mal, peguei a garrafa pet, fui até o posto e passei a considerar que o calhambeque fizesse não oito, mas sete quilômetros com um litro de gasolina. Se você arriscou o palpite de que eu estava errado, acertou. Não demorou até que eu ficasse empenhado outra vez e tivesse que baixar a média para seis. Entretanto, pelo menos nesse dia não precisei ligar para a mãe, nem para o mecânico, que àquelas alturas já fazia parte da família, de tanto que eu solicitava seus serviços durante a semana. Apenas peguei a garrafa outra vez e peregrinei até o posto mais próximo. Uma espécia de catarse, digamos assim.
O ápice da miséria deu-se no dia em que eu tinha uma entrevista de emprego bem longe do centro. Enfim, os bons ventos sopravam a meu favor e eu estava prestes a abolir minha própria escravidão. No entanto, ao chegar no centro da cidade para retirar uns papéis no emprego antigo antes da entrevista, quem disse que aquela bosta (com o perdão do palavreado chulo, mas não há nada melhor para descrever a situação) ligava? Dessa vez, a bateria resolveu morrer, e ali permaneceu sepultada.

O celular da minha mãe tocava novamente.

No entanto, aquele dia não foi possível esperar pelo socorro. Fui de táxi para a entrevista. Felizmente, Deus resolveu ter compaixão de mim, e troquei de emprego. Já o carro, demorou um tempinho. Lembro que, fula da vida, minha mãe resolveu não ajudar de imediato no resgate do carango sem bateria e, naquele fim-de-semana, caiu uma chuva do cão. Moral da história: a Saveiro passou dois dias abandonada no centro da cidade, a céu aberto e ninguém, eu disse NINGUÉM, quis roubá-la. Nem os ladrões tiveram piedade do meu azar.
Pra piorar a história, cada vez que chovia, entrava água na cabine. Muita água. Multiplique isso por muita chuva, e o que temos? Uma versão nefasta do Piscinão de Ramos. Quis chorar de tristeza, mas faltaram-me lágrimas. Dali para diante, resolvi tomar uma decisão imperiosa: passar a bomba adiante.
Após algumas semanas de novas incomodações e implorando para as revendas de carro que aceitassem aquele quadro da dor como entrada na compra de outro veículo, apareceu um segundo pilantra que, piedoso, resolveu fazer negócio.

E pro inferno eu fui pela segunda vez.

Não percam o próximo capítulo!

20 comentários:

  1. Bah, ri horrores aqui porque lembro bem dessa lata velha! hehehe

    Muito engraçado o texto! =D

    Abraço

    ResponderExcluir
  2. Cláudio,

    Tu é mais um dos safados que não me alertaram pra burrada que eu fiz! E agora fica aí, rindo da minha desgraça... =D

    Abraço, bruxo!

    ResponderExcluir
  3. Antônio como eu ri dessa história! Hoje ao menos lhe restam risos após tanto azar. E um Fusca ainda o salvou, veja só... rs Então a história é real mesmo? A minha nem é, mas que bom que ficou convinvente.
    Também pensei que fosse postar sozinha essa semana, adorei o ler! (:

    Beijos
    :*

    ResponderExcluir
  4. Babizinha,

    Hoje, felizmente, eu consegui me livrar dessa bomba, hehe. Mas ainda tem uma parte da história pela frente...

    Beijo!

    ResponderExcluir
  5. coitada é da sua mãe.... srsrsr


    Dei altas risadas! Ainda não comprei meu primeiro carro, vamos ver ;)


    rs


    Beijooos

    ResponderExcluir
  6. Cáh,

    Quando comprá-lo, tome apenas o cuidado de que não seja tão velho e, se for, abra o capô para verificar a parte elétrica, por uma questão de precaução, hehehe!

    Beijo!

    ResponderExcluir
  7. G-zuis... Eu ri muuuito... Demais a história... Estou esprando o próximo capítulo...

    [morri aqui]

    Beijos

    ResponderExcluir
  8. E eu rindo aqui!!

    Comecei a ler super animada, até cantando a musiquinha do Roberto Carlos aqui, jejeje

    Muito boa a história, ri litros aqui!

    Não sei se por isso devo agradecer ou chorar: nasci mulher... será que sou um alvo mais fácil para comprar uma Sanveiro (escreve assim mesmo(?) o.O, tu vê né?! SABE TUDO DE CARRO! rsrs)? Mas o ponto de agradecimento é que nós mulheres quando chegamos na idade em que achamos que estamos podendo, nos acabamos e nos afundando em compras de sapatos!
    kkkk

    Sempre bom passar por aqui e ler as peripécias amestradas de vossa pessoa!

    Beijo

    ResponderExcluir
  9. Eu, além de rir, me lembrei de muita indiada e gasto com esse dito "carro".

    Nossa, ainda bem que tudo serve pra aprender, porque essa compra foi a mais terrível da história. hehehe.

    Ah, lembra aquele dia que tu ia me fazer uma surpresa, indo na rodoviária me dar tchau, e acabou a gasolina no meio do caminho? É cada história que parece piada! hahaha.

    Ainda bem que tu evoluiu, né, amor?! =D

    Beijão!

    ResponderExcluir
  10. Tati,

    Há indícios de que será até mais do que um capítulo, estou lembrando de outros fatos pitorescos da Saveiro...

    Beijo!

    ResponderExcluir
  11. Thasci,

    Por via das dúvidas, consulte sempre alguém experiente para fugir dessas bombas! E, que sorte, já que sapatos e bolsas não precisam de combustível para ter utilidade.

    Beijo!

    ResponderExcluir
  12. Dani,

    Bah, amor, se começarmos a listar todos os episódios daquele cacareco, dá quase um livro já...

    Beijão!

    ResponderExcluir
  13. Quando eu comprar um carro já sei pra quem não pedir ajuda!
    hahahhahahaha
    Ai guri, o post da Carol foi a coisa mais linda dos últimos tempos ♥

    E quanto a barba, ah, ela por fazer até que tem seu charme rsrsrsrs

    Beijosssss

    ResponderExcluir
  14. 'O pior da vida não é quando a gente faz uma grande besteira. É quando, depois disso, a repete. '


    Confesso que eu também sou teimosa.. mas a gente um dia aprende :)


    Antônio, adorei sua postagem..
    não perderei o próximo capítulo ;)


    Beijos ;*

    ResponderExcluir
  15. Talita,

    Ah, com o tempo eu adquiri uma certa experiência em veículos. Não sou um expert, mas acho que não entro mais em nenhuma furada. E, aleluia, pelo menos uma mulher que apóia barba por fazer! Pena que a Dani não pensa assim, hehehe!

    Beijo!

    ResponderExcluir
  16. Karine,

    Eu espero já ter aprendido, sabe. Não pretendo mais entrar nesse tipo de aquisição furada...
    Sábado sai o segundo capítulo! =)

    Beijo!

    ResponderExcluir
  17. Antonio meu amigo me desculpe mas estou até agora rindo de sua história.
    Deixei para ler a sua postagem por último e vejo que se juntarmos a história do seu Saveiro, com o Fusca da babizinha e a minha Brasília podemos escrever um grande Best-seller. O que que você acha?
    Beijos e obrigado por terem aceitado a minha postagem com tamanho atraso.

    ResponderExcluir
  18. Rene,

    Tudo bem, tá todo mundo rindo mesmo, é o que resta agora, né?
    Realmente, as três histórias juntas dão quase um livro, hehehe!

    Beijo!

    ResponderExcluir
  19. Hahahahahaha, noossa morri. Pobre de ti - e da tua mãe!
    Bá, essas latas-velhas nos deixam na mão na hora em que mais precisamos, e o pior! Na hora em que estamos mais empolgados pra sair por aí, sobre as quatro rodas do novo possante.
    Bem que meu avô sempre disse que a melhor marca de carro é "carro zero". Fato.
    Ótimo post, como sempre.
    Beijos, guridoquemomento!!! :)

    ResponderExcluir
  20. Jéssica,

    É, guria, isso que eu não transcrevi metade das peripécias que aquela porcaria me propiciou. ¬¬

    Beijão!

    ResponderExcluir

<< >>