Nunca despreze as magrinhas!

Durante um bom período da minha vida, estudei em colégio de freiras. Da quinta até a oitava série do Primeiro Grau, o famigerado Ensino Fundamental dos dias atuais, minha atividade principal era ser um verdadeiro pentelho estudando num colégio de freiras. Eu incomodava pra caramba, acreditem. Fui um daqueles guris inteligentes, mas que abusava da facilidade com o conteúdo para desestabilizar as professoras, os colegas, os disciplinadores e quem mais cruzasse o meu caminho.
Falando assim, até parece que eu fui a reencarnação do capeta. Ledo engano. Meu trunfo era não ser mal-educado. Recebia os puxões de orelha com parcimônia, assinava o caderno preto com a resignação de um meliante que promete novos rumos, mas não adiantava muita coisa, porque a irreverência estava (e está) no meu sangue, e isso me tornava um guri inquieto, falastrão e, por que não dizer, peristáltico.
No frigir dos ovos, eu era um amor de criança, apesar dos frequentes desvios de conduta. Aprontava às devas nos entrementes obscuros dos corredores da escola, mas tirava boas notas. Enchia o saco dos colegas com brincadeiras inóspitas, ao mesmo tempo em que os levava às gargalhadas com minhas sagazes piadinhas que ferviam o juízo dos professores. Sacaneava os amiguinhos com um safanão irresponsável e também lhes dava um abraço fraterno como poucos conseguem. Esculachava e confortava. Mordia e assoprava. E por aí vai.
Com isso, pode-se dizer que a política "ame-o ou deixe-o" caía como uma luva no que se refere à minha liderança no grupo. Alguns colegas me tomavam por um carcará sanguinolento, queriam ver a guria do Exorcista num quarto escuro, mas não queriam cruzar com a minha figura no recreio; outros, contudo, me admiravam, votavam em mim para líder de turma, apaixonavam-se pela minha pessoa. Neste último caso, refiro-me ao público feminino, naturalmente, já que naquele tempo, metade da década de 90, as práticas homossexuais ainda não eram tão difundidas, defendidas e liberais como são hoje. Esse negócio de homem gostar de homem ainda era coisa de artista, Ney Matogrosso, Renato Russo, ou alguma letra inteligente dos Mamonas Assassinas, ao passo que nós, crianças inocentes que viviam a fase de Carrossel, Chaves e Chiquititas, ainda não ligávamos para esse tipo de sexualidade igualitária.
Bueno, o fato é que tive lá meu rol de fãs femininas. Tá certo que nunca eram as que eu queria, mas não se pode desprezar as paixões despertadas, por piores que sejam. Isso em tese, porque eu fazia exatamente o contrário. Achava o cúmulo do absurdo que as gordinhas e as magrelas gostassem de mim. E, para meu desgosto, quanto mais eu espezinhava as pobres, mais elas gamavam. As gatas da turma, essas não. Me desprezavam, magoavam meu coração, tratavam-me como lixo. Eu, com a empatia de uma cavalgadura, fazia o mesmo com as magricelas e as gorduchas que me amavam. O amor é mesmo um círculo vicioso.
Houve uma em especial que me amou por uns quatro anos. Era tão magrinha, tão pequenina, que, se desosasse, não dava um pastel. De frente, parecia que estava de lado; de lado, parecia que não estava. Surpreendentemente, ela não era feia. Não era mesmo! Tinha um rostinho aprazível, olhos azuis, um semblante de santinha, a CDF da turma. Sim, a CDF da turma me amava. E eu, ordinário, desprezava a guria.
Certa vez, numa reunião dançante, recebi a informação de que estava louca para que eu a tirasse para dançar uma música lenta. Bah, dançar música lenta nas reuniões dançantes era o ouro, apagavam as luzes, ouvia-se as vozes de veludo das Spice Girls, cochichos, risinhos, rolava um clima e talicoisa. Fazíamos competição de quem dançava mais vezes, quem tirava mais vezes as bonitas para dançar, essas coisas. Às feias, magras, gordas e CDFs, pouco sobrava.
Pois bem, a CDF queria ter o prazer de uma contradança com a minha esquálida pessoa. E eu... bem, eu travei. Sei lá, já tinha dançado com ela em tantas festinhas, era tão sem graça, como beber um copo d'água quando se quer refrigerante, sabe? Fiquei naquela dúvida cruel a noite toda, me desestabilizei, perdi o rumo durante a festa. Se eu a tirasse para dançar, diriam que havia cedido aos encantos da doce menina, criariam factoides sobre um suposto romance, o que queimaria meu filme com as mais lindas da turma. Imaginem, eu de rolinho com a CDF! Seria o opróbrio!
Deixei-a, portanto, a ver navios. Diante disso, vendo que não dançaria mesmo comigo, a coitada chorou. Putz, me aperta o coração quando lembro das lágrimas escorrendo por aquele rostinho, ela não merecia aquela humilhação pública. Todos sabiam que ela queria dançar comigo, e eu judiei do seu amor tão puro, tão infantil, tão nobre. Que projeto de canalha eu fui naquela noite!
Noutra oportunidade, não sei se antes ou depois daquela malfadada festa, mas é bem provável que tenha sido antes, um belo dia minha mãe entregou-me uma carta. Muito estranho, eu nunca recebia cartas, tinha 12 anos e sequer sabia como se fazia para remeter uma correspondência a alguém via correio. Era uma carta da menina CDF referente ao Dia do Amigo. Continha vários poeminhas, reflexões sobre amizade, elogios a mim, declarações insinuantes... Um dos versinhos dizia assim: "se o branco é o amor e o preto é o carinho, o que sinto por você é xadrezinho". Nunca esqueci, não sei por quê. Toda colorida, pintada a lápis-de-cor, tudo feito com tanto esmero, uma graça. Isso hoje, né, porque na época eu achei ridículo e não dei a mínima bola. Sequer agradeci! Por Deus, que crápula eu era! Ora, tudo bem que não fizesse diferença para mim, mas fico imaginando o quanto um agradecimento meu a levaria às nuvens. Custava chegar na aula e, com educação, dizer: "pô, valeu aí"? Mulheres, vocês tem razão: nós somos um bando de insensíveis, mesmo quando pequenos.
O tempo passou, lá se vão quase quinze anos depois desse tempo áureo onde a vida se resumia nessas doidices infantis. Hoje em dia, ela é minha amiga no Orkut. E, adivinhem o que aconteceu? Tornou-se uma belíssima mulher. Sinceramente, jamais acreditei que ela pudesse crescer tanto e... em tantos sentidos. Quando eu tinha doze anos, eu só conseguia imaginar que ela permaneceria pequena para sempre, dava a impressão de que não haveria nenhum desenvolvimento naquele corpinho tão frágil.
Além disso, os pais dela são ricos, o que faz dela também uma mulher cheia da grana. Mas é muita grana mesmo, não é pouca coisa. É dinheiro pra cacete! As festas em sua casa continham os melhores comes e bebes, tratava-se de uma mansão extraordinária, um luxo só. Contudo, por que eu daria bola para tanto dinheiro quando criança, se tudo o que eu gostava de fazer custava tão pouco?
Rica, linda, bem sucedida. Quem poderia imaginar? Vocês percebem o tamanho da besteira que isso poderia ter sido? Sorte a minha ter conhecido a Dani, que é linda, maravilhosa e a mulher da minha vida. Não fosse isso, eu estaria ralado e me arrependeria amargamente pro resto da vida por ter sido tão canalha com a CDF magricela. Quando eu tiver um filho, entre todos os conselhos que terei de dar como bom pai que pretendo ser, um deles será: jamais despreze as magrinhas, as CDFs e até mesmo as gordinhas, que agora já existe redução de estômago, vocês sabem. Só o tempo pode mostrar a dimensão das nossas atitudes. E pode não aparecer uma Dani na vida dele depois...

4 comentários:

  1. Que delícia ler teus textos de novo, haiuahiuahsiua... me matei de rir, como sempre!!!

    Será que a magrelinha CDF lê teu blog? hsiuashuias, seria engraçado.

    Te cuida e continua escrevendo.

    Beijão!

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  2. Meu velho, a vida da muitas voltas.
    Sorte a sua que sempre teve o tempo e o acaso ao seu lado!
    Ah, assim como seu pai, senti falta e seus textos.
    E assim como o comentário acima, me pergunto se a tal colega cdf sabe desse post seu.
    E sobre casar... Fiz um ano de casado essa semana. Namorei 12 anos. Me sinto ate bem argumentado a descorrer o assunto. Quando vc sabe, não precisam que diga. Um simples sorriso, mero olhar, um simples aperto de mão, toda história é escrita sem palavras pronunciadas. E nessa hora você começa a perceber que logo você deixará a família para formar a sua.
    Sem nóias. Se joga e faça sua parte. O segredo eu te conto: reeleve tudo o que puder com humor.
    Sua Ceni no gol com você atacando em harmonia e sincronia não tem como esse time perder.
    parabens pelos posts.

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  3. Bah, tenho umas histórias parecidas. Compartilho contigo da mesma quantidade de sensibilidade para com (nunca me soa bem o para junto com o com) as gurias que gostavam de mim: zero. E no fundamental não eram poucas... até a quarta série a ainda era usual as gurias gostarem dos bons partidos, a partir daí elas preferem os sem futuro mesmo.

    Uma hora dessas vou tentar escrever sobre isso também, mas duvido que seja com tal maestria.

    Um abraço!

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  4. Mas credo...

    Se um dia tu juntar a teoria do Marcelinho (sobre ex-colegas que tu reencontra 15 anos depois) com o teu texto, dá um livro e tanto, daqueles da primeira prateleira, sabe?
    Grande abraço, mano veio!

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