Um triângulo nada amoroso

A partir de segunda-feira, meu irmão dará um importante passo em sua caminhada escolar: ele mudará de colégio. Qualquer dia desses tenho que escrever sobre quando fiz minha grande mudança, foram tempos curiosos. No entanto, o fato é que nosso caçula estudará na mesma instituição onde eu estudei da quinta série do longíncuo 1º grau, hoje denominado Ensino Fundamental, ao terceiro ano do Ensino Médio - que já tinha esse nome quando o concluí, o que denota uma certa jovialidade em minha pessoa e, oxalá, me alegra.
Será um ano de mudanças incisivas na vida de meu maninho, um novo mundo o espera. Estudar num colégio particular é fazer parte de uma nova realidade, aprender a conviver com a diferença de classe social e, o melhor de tudo, libertar-se das amarras do bairro e conhecer outros pontos bem interessantes da cidade. Não é à toa que estou de casamento marcado com uma mulher que conheci ainda adolescente nos tempos de colégio.
Bueno, a verdade é que esse iminente início de jornada do meu irmão trouxe à tona pelo menos duas lembranças de experiências marcantes que vivi dentro daquela escola, as quais dividirei em dois textos. A primeira grande desilusão amorosa da minha vida, por exemplo.

Foi na oitava série. Naquele tempo, eu não devia pesar mais do que quarenta e cinco quilos. Era muy magrinho, um fiapo. Se me desossassem, não dava um pastel. Contudo, já arrolava algumas fãs e arrebatava meia-dúzia de corações femininos, tinha lá meus predicados.
Certo dia, ainda no fim da sétima série, idos de 1998 (ah, bons tempos aqueles...), a professora de Português começou com uns papos estranhos a respeito de uma guria da outra turma. Corria à boca pequena que a tal aluna estava interessada em minha pessoa. Confesso que fiquei desconcertado com a situação, afinal de contas, era a primeira vez que alguém se enlevava por mim assim, de graça, sem segundas intenções. Antes dela, as outras duas meninas com quem eu tinha ficado ofereceram grande resistência, tive que correr quase um ano atrás de cada uma para que me aceitassem. Como vocês podem ver, desde pequeno carrego essa sina, menos mal que agora vou casar e esse carma acaba na minha vida.
Pois bem, graças à língua de trapo da professora, o cambicho espalhou-se pela turma como rastilho de pólvora. Vieram as férias, veio a oitava série. E o destino, que não brinca em serviço, quis que unissem as sétimas séries numa única turma de oitava. Noves fora, lá estava eu no primeiro dia de aula ganhando olhares apaixonados de minha admiradora declarada.
Para minha sorte, a danada era linda feito laranja de amostra. Não vou elogiar muito, porque a essa altura do texto minha noiva já deve estar com uma cara nada amistosa e, como hoje é sexta, quero preservar a harmonia familiar no meu fim-de-semana. De qualquer modo, sou obrigado a revelar que logo também fiquei interessado e, tendo o cupido feito muito bem o seu trabalho, logo engatamos o que eu posso chamar de meu primeiro relacionamento que durou mais que um beijo furtivo. Aliás, foi um quase namoro, pelo menos pra mim.
Esperamos a primeira festinha da turma para sacramentar o entrevero. Tivemos uma boa conversa, houve sintonia, romantismo e, bem, detalhes que ficarão no passado e, para o bem da minha integridade física, não revelarei. Dali em diante, vieram as cartinhas de amor, as declarações diárias, passei aqueles dias flutuando nas nuvens. Era a primeira vez, em tenros 13 anos, que eu experimentava as nuances de algo parecido com o amor. Tudo era perfeito, exceto por um detalhe básico: ela era uns dez centímetros mais alta que eu. Quinze, talvez. Não que fosse um empecilho, só era meio desconforme, mas a gente não dava muita bola. Apenas tínhamos que ir até uma escada cujo degrau equilibrava direitinho nossas alturas e estava tudo resolvido.
Pois é, mas alegria de pobre dura pouco, e toda aquela felicidade foi mais curta que coice de porco. Durou duas semanas, para ser mais exato. Um belo dia, cheguei todo pimpão para cumprimentá-la e fui recebido com sete pedras na mão. Ela foi dura, fria e taxativa: estava tudo terminado entre nós. Foi como se eu levasse um chute do Anderson Silva no queixo. Fiquei atordoado. Como assim? À saúde de que tanta rejeição? Qual era o motivo de tamanha frieza, se um dia antes estava tudo às mil maravilhas?
A justificativa foi evasiva. Uma amiga dela que estudava de manhã disse-lhe que tinha me visto dando em cima das colegas dela. Calúnia! Difamação! Fofoca! Dissemedisse! Juro pelo que há de mais sagrado que não fiz isso, foi pura intriga da oposição, de uma sordidez insólita, uma maldade, não se faz isso com um guri de treze anos no auge de sua primeira paixão.
Insisti, expliquei o equívoco da amiga, argumentei que só estava conversando com algumas conhecidas, todavia sem nenhum sinal de flerte, eu era um rapaz bem intencionado, um projeto de homem de bem! Cheguei a pedir perdão mesmo sem ter culpa, caramba, me humilhei! Mas ela ignorou minha celeuma e preferiu dar ouvidos à amiga. Deixou-me lá, com cara de graxaim com mão-pelada a ver navios. Pra vocês verem como é difícil ser fiel nessa terra sem dono, as mulheres não acreditam na gente!

Estava, portanto, consumado o primeiro pé na bunda da minha vida amorosa.

Sofri um bocado, passei dias de cão, comi o pão que o diabo amassou. Todas aquelas cartinhas, declarações, folhas de caderno cheias de "eu te amo", tanta dedicação, tudo aquilo pra quê? Pra ser abandonado, antes mesmo de começar a aula, com a amargura de um chá de macela galega e carqueja. Caí em prantos, confesso. Um homem não pode ter vergonha de suas lágrimas sinceras. E, por ela, chorei copiosamente.
Passaram os dias e, em tempos de pré-adolescência, é mais fácil de se assimilar as desilusões amorosas quando se pode dividi-las com algumas brincadeiras de infância e outras particularidades que temos aos treze anos. Mais tarde é que viramos bobocas e ficamos sofrendo por amor.
Surgiu, então, um segundo boato, bastante esclarecedor por sinal: havia um sacripanta na jogada. Um conquistador barato, um Don Juan de meia tigela. Fora ele que pusera água na fogueira de nossa paixão. Bem, a verdade é que o cara dava dois de mim, era vinte e cinco centímetros mais alto que eu, tinha um par de olhos azuis que derretia as mulheres como se ele fosse o Ciclope do X-Men, moreno, alto, lindo e sensual. E, do alto desse rol de qualidades infindáveis, resolveu mandar cartinhas de amor para minha pinguancha. Isso não seria problema, se o cretino não as tivesse enviado durante o nosso relacionamento! Sim, ele persuadiu a pobrezinha, seduziu uma menina de 14 anos na cara dura (sim, ela também era mais velha do que eu, o que justifica a diferença de altura) e ignorou minhas nobres intenções em relação a ela. Não fosse a abissal diferença de massa muscular que havia entre nós, eu quebraria a cara do biltre safado. Mas, diante da surra que eu vislumbrava que levaria caso me manifestasse, preferi me fechar em copas e aguentar. Eu fora derrotado, precisava admitir. E o adversário era dos bons.
Veio, então, o tiro de misericórdia: a segunda festinha da turma. Ela estava lá, deslumbrante, as músicas lentas tocando à mancheia, até que, galante, o pilantra desgraçado a convidou para uma contradança e o inevitável aconteceu: um beijo que dilacerou meu pobre coração e fez doer meu cotovelo como dói uma apendicite em estado crítico.
Afastei-me do local, busquei guarida desabafando com dois amigos num canto qualquer da festa. Mais tarde, inclusive, ambos confessaram que também eram apaixonados por ela e desejaram a minha morte quando me conheceram, vejam vocês como a vida é curiosa. Naquela hora, entretanto, éramos três desiludidos afogando as mágoas com boas doses de guaraná e muita compreensão.
Só que é como diz o ditado, quando Deus Nosso Senhor quer, até égua véia nega estribo. Havia na festa uma surucucu peçonhenta, uma guria com quem eu tinha intrigas na turma. Era uma picuinha antiga que não cabe explicar agora, mas o fato é que ela ouviu de relance nossa conversa de bar e relatou prontamente ao mais novo casal da turma, acrescentando à verdade uma série de detalhes sórdidos e inexistentes. Àquela altura o assunto já nem era mais mulheres entre nós três, já tínhamos partido para os esportes, debatíamos as chances do nosso time ganhar as interséries e talicoisa, estávamos entretidos num papo animado, deixamos as questões amorosas de lado.
Nisso, eis que surge um batalhão de gente vindo em nossa direção feito uma manada de gnus, capitaneados pelo fortão, seguido logo atrás por nossa musa de olhos claros, agora foguentos de raiva. Desandaram a bradar impropérios, ambos de dedos em riste. Acusavam-me de difamá-los para os dois amigos, chamaram-me de agitador das massas, uma barbaridade. Logo eu, amante da paz e da lhaneza entre os homens, que já superara a desilusão havia mais de meia-hora, por que eu desafiaria alguém maior que eu? Seria burrice.
Tentei argumentar, mas não eram meus dias de sorte, as pessoas não queriam ouvir o que eu tinha a dizer. Fui brutalmente ameaçado, por um momento cheguei a pensar que levaria umas biabas na orelha e nem teria como me defender, uma vez que meus companheiros de conversa também eram mirrados e esquálidos, não havia como fugir. Felizmente, eles se contentaram em nos xingar muito (teve que ser ao vivo, não existia Twitter naquela época) e voltaram a curtir a festa.
Observei então que, oitavada num canto, a danada da fofoqueira trazia um sorrisinho maroto nos lábios e acompanhava o banzé de soslaio. Percebi a vingança brotando em seus olhos, ela vibrava vendo-me passar por tamanho constrangimento. Senti-me como um cabrito que escapou por pouco de uma alcatéia faminta, o coração retumbando na garganta, e aquela infame ainda tinha a desfaçatez de rir da minha cara.
No fim das contas, tudo acabou bem. O romance foi até mais curto que o nosso, nem completou uma semana. Como era início de ano, ficamos todos amigos e a harmonia imperou na turma até o fim do ano. O grandalhão, inclusive, é hoje um grande amigo meu, por quem nutro efervescente admiração, mesmo ele tendo me passado a perna na oitava série (a essa altura do texto, inclusive, ele deve estar às gargalhadas). Quanto à nossa colega arrasadora de corações, é uma pessoa tão querida, que até hoje ainda tenho uma grande consideração por aquele ano tão bom que passamos como colegas. Foi, sem dúvida, muito divertido.

É por essas e outras que eu afirmo sem titubear que estudar naquele colégio será, sem dúvida, uma aprendizado eterno para meu maninho. Tenho a certeza de que lá ele aprenderá muito da principal matéria que estudamos continuamente: a vida.

5 comentários:

  1. Tchê, adoro tuas histórias de infancia e adolescencia. O jeito que tu conta elas é incrível, eu me senti lá, vendo tudo acontecer.

    Estou ansioso por mais uma dessas ;)

    Abraço!

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  2. Adooooro teus textos Antônio! As cenas se tornam reais a minha frente. Beeijos

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  3. Ah!
    Que saudade de te ler, guri-do-que-momento (:

    ah.. paixões escolares... as minhas foram um pouco diferentes, te digo: a gurizadinha sempre me tirou pra gordinha boa amiga. Eu era apaixonada por uma colega minha na sétima série. Ela gostava de um guri muito amigo meu, e me tirava pra confidente fiel da paixão dela. Eu na época estava mais dentro do armário que naftalina.
    O resultado disso foi eu só acabar tendo desilusões amorosas que partiram de relações não-platônicas, quando saí da escola.
    É meu amore, essa sou eu abrindo minha vida aqui pra ti, haha :B

    Beeeeeijo pra ti,e parabéns pelo casamento hem! QUE LINDO!
    :*

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  4. Mas que momento! HIlário...
    Eita menino que escreve bem... G-zuis...
    O melhhor de tudo é percebermos que não fomos os únicos a começar com o pé esquerdo a vida amorosa [rindo da desgraça alheia] rsrsrs...
    O meu primeiro namorado, nem falo com ele hj... me deu chifre que nem sei como conseguia passar na porta... rsrsrs
    E sim, parabéns pelo noivado AA, felicidades, vissê?!

    Beeeeeeeeeeeeeeeijos...

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  5. Confesso que como leitora fiquei com o coração na mão pra saber o final! Excelente...como é bom lembrar histórias de tempos de colégio! Estou começando a virar fã! Quero ler mais crônicas interessantes e com vocabulário gaudério! Parabéns!

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