Confesso que já fui loiro

Vergonha. É o que sinto quando vejo meu blog abandonado há mais de mês, jogado às traças, tratado como um amontoado de pertences velhos e sem importância. Tenho a impressão de que é essa preguiça de escrever que me separa dos escritores de sucesso. Nunca serei um Scliar, um Veríssimo, um David Coimbra, pois sou preguiçoso, um procrastinador de ideias, um subversivo que não dá vazão à tão necessária inspiração para se produzir textos de qualidade.
Menos mal que, vez por outra, volto a dar as caras com tamanha desfaçatez, que até parece que nem passei tanto tempo longe. Sendo assim, vamos em frente.

Hoje quero contar sobre o dia em que fui levianamente persuadido a mudar a cor de meus cabelos.

Era o ano de 2000, primeiro ano do Ensino Médio. Quando somos adolescentes, esse é um tempo em que pensamos ser gente grande, livres das amarras do funesto Fundamental, outrora nomeado Primeiro Grau, o tal Ginásio do tempo da vovó. Eu tinha catorze anos e ainda não raspava o bigode. Hoje, quando vejo as fotos, pergunto-me por que cargas d'água eu permiti que aquela taturana de pelos habitasse meu buço por tanto tempo, fazendo inclusive com que eu ganhasse o nada singelo apelido de Bigodê da turma do ônibus com quem eu voltava pra casa depois da aula. Fosse nos tempos atuais, seria bully; naquela época, o jeito era aguentar no osso.
Bueno, mesmo com o bigodinho nascente, tinha lá meus parceiros. No início do ano, a turma era nova, foquei meus objetivos em tirar boas notas. Estudar, estudar, estudar, esse era meu lema. Sentava na primeira fileira, em frente ao professor, era pró-ativo, respondia às questões com avidez e prontidão. As professoras me amavam. Os colegas diziam que eu era um baita de um puxa-saco.
Tamanha responsabilidade, no entanto, tinha prazo de validade determinado. Bastou o boletim apresentar uma certa folga para passar de ano, para que eu começasse a revelar minha verdadeira face oculta de agitador das massas. O pontapé inicial deu-se com a mudança drástica na cor das melenas, ainda que tal ideia não tenha partido da minha pessoa.
O autor da façanha foi o mesmo grandalhão do texto anterior. O mesmo que, alguns textos atrás, era meu comparsa em atividades, digamos, politicamente incorretas (confira aqui). Sim, o ladrão de namoradinhas, aquele safado. Não estudávamos mais na mesma turma, mas continuávamos amigos, pois morávamos no mesmo bairro e tínhamos outras amizades em comum.
Depois da aula, normalmente eu ia à casa dele para jogarmos computador, video game e, por que não dizer, planejar malfadadas e supracitadas peripécias ilegais. Certo dia, porém, havia uma novidade: ele tinha decidido pintar o cabelo de amarelo. Eram tempos muy mal definidos, onde o pagode romântico cobiçava seu espaço através de figuras inóspitas, que dançavam coreografias manjadas no programa do Gugu e exibiam seus cabelos pixains reluzindo a cor amarela. Uma verdadeira lástima.
No entanto, o que sobrava de inocência - pra não dizer burrice - em meu coração juvenil, sobrava de malandragem na mente esperta do meu amigo. Ora, ele precisava de uma cobaia para ver como ficaria um cabelo preto pintado de amarelo, e eu era a isca perfeita. Ele comprara a tinta, o descolorante, a água oxigenada, enfim, o aparato completo para executar o procedimento. Com duas horas de muita lábia, caí feito um patinho naquela malemolência e aceitei pintar meu rico cabelinho. O trato era irmos até o salão e fazermos tudo juntos, chegando de visual novo no colégio e arrasando corações. Nada mal, para quem no ano anterior havia roubado minha namoradinha. Imaginei que fosse uma forma de se redimir dos erros do passado. "Que atitude nobre", pensei.
Em verdade, vos digo: Nobre é o Dudu, que não pinta o cabelo pra fazer sucesso. Fomos até o salão de uma amiga da minha mãe e, num lapso de demência, fiz a frente. Sentei na cadeira e disse pra ela mandar brasa. Bastou a água oxigenada fazer efeito e começar a ferver meus miolos, para que o coiote sacripanta revelasse sua verdadeira face: ele desandou a rir da minha cara! De vez em quando, erguia a touca e, vendo meu cabelo perder a cor, soltava gargalhadas maquiavélicas. E eu pensando que ele estava achando o máximo, não vendo a hora de chegar a sua vez...
Quando ficou pronto e a touca foi retirada, vi meu amigo ganhar cãibras no diafragma de tanto rir. Aliás, mais tarde eu saberia que tal reação seria recorrente entre as pessoas, já que até minha mãe não conteve o riso ao me ver com a cabeça da cor do sol. Até aí, tudo bem, não fosse pela puta falta de sacanagem que veio a seguir: chegada a vez dele dar um tapa nas madeixas, ele recuou. Inventou mil desculpas - ainda rindo muito - e disse que faria na semana seguinte. Nem na semana, nem no mês, nem no ano. Estou esperando até hoje aquele pilantra cumprir a promessa. Como minha estrutura óssea permanecia muitos quilos abaixo da dele, não tive como forçá-lo. Aceitei aquela cornitude capilar com parcimônia e fui pra casa, não tinha outro jeito.
No outro dia, ao chegar no colégio, entendi como se sente um extraterrestre em sua caminhada matinal por algum planeta inóspito. TODO MUNDO, com letras maiúsculas, olhava pro meu cabelo e, ou fazia cara de espanto, ou caía na gargalhada. Os professores, que anteriormente consideravam minha eficiência enquanto aluno, esqueceram todo aquele histórico para me ridicularizar. Aquilo sim é que era bully no sentido literal da palavra, seja ele qual for (meu inglês é fraco).
Mas, como nem tudo são espinhos nas bandas de cá, houve quem achasse simpático. Bonito não digo, porque realmente ficou tenebroso. Ainda assim, um grupo de gurias da turma da tarde conseguiu amenizar a situação passando a me chamar pelo apelido carinhoso de Amarelinho, o que, convenhamos, é mil vezes melhor que Bigodê. Aliás, nessas alturas, ninguém sequer lembrava do meu bigodinho, já que, com o cabelo totalmente pintado de amarelo, minhas sobrancelhas ganharam um destaque absurdo, parecendo aqueles bichos-cabeludos que caminham pelas folhagens das vovós.
Falando nisso, nem minhas avós escaparam do riso. Agora, problema mesmo foram os avôs. Seu Gentil e Seu João Maria, mais conservadores que a fórmula da Pomada Minâncora, mais ortodoxos que embalagem de Maizena... vi a decepção em seus olhos senis. Um neto de cabelos pintados, logo eu, que parecia ser a salvação da lavoura na família, ostentando o gauchismo, a tradição, a estampa farrapa. Sim, até mesmo eu fora corrompido pela globalização, duramente estaqueada na pérfida febre pagodeira.
O bom disso tudo é que, mesmo tendo tudo para ser uma situação embaraçosa, acabei tirando de letra. Nunca fui de muita cerimônia com minhas ideias, se eu fiz, tá feito. Mesmo de cabelo amarelo, continuei agindo normalmente, levei as piadas na brincadeira, graças a Deus meu cabelo cresceu rápido, e em poucos meses não havia mais resquício do amarelão. Por sinal, quando começou a crescer o preto por baixo do loiro ficou mais ridículo ainda... bom, mas não vem ao caso.
O fato é que o tempo passou, o cabelo permaneceu preto de lá para cá, o bigode foi impiedosamente raspado e tive notas pífias nos dois anos seguintes do Ensino Médio, já que minha pose de bom mocinho acabou indo embora junto com o corte das madeixas amarelas. De tudo, o melhor é que, até onde eu lembro, pelo menos não fui mais enrolado por esse meu amigo tinhoso que adorava me deixar em situações embaraçosas. Tomara que eu não lembre de mais nenhuma.


PS: Ficou curioso para ver meu cabelo amarelo? Tenho uma foto em casa, a única que tirei naqueles dias nefastos. Vou digitalizá-la e, em poucos dias, disponibilizo o link para apreciação, prometo.

5 comentários:

  1. AHH!!! agora é claro que queremos ver a foto!!!!
    ps - a frase "Em verdade, vos digo: Nobre é o Dudu, que não pinta o cabelo pra fazer sucesso" foi de uma excelência literária sarcástica, digna de troféu!
    Abs!

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  2. Eu tenho lido só pelo feed, mas vim engrossar o coro dos que pedem pra ver a foto
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk


    Saudade de tu, moço do sotaque lindo =)

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  3. mais conservador que fórmula da pomada minancora...mto boa essa...e esse teu amigo safado...até imagino quem seja...e, se serve de consolação, também já descolori o cabelo uma vez e outras duas pintei-o-o de azul...viva a liberdade da tonalidade capilar!!grande abraço!
    Augusto Kerber

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  4. Essa é uma foto que eu quero ver, seu marketeiro profissional! hehehe

    Todo mundo tem um passado negro, ou amarelo, para encobrir, ou contar pros amigos... ou botar num blog. Mas acho que hoje tu já estás a salvo do bullying.

    Grande abraço!

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  5. Que bobinho esse menino...
    Agora lendo depois de já ter visto a foto digo com toda ctz, ficou hilário... kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Beeeeeeeeeijos, AA...
    Chelle ou Val, vai saber... rsrs

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