Eu sei o que sentiram Collor e Lugo


O que vou escrever a seguir poderá soar com um tom de arrogância, mas não é. Modestamente, considero que sou um rapazola carismático. Ou, no linguajar macanudo dos pampas, pachola. Felizmente, a maior parte das pessoas que convive comigo gosta da minha companhia. Isso é bom, muito bom. Voltimeia, surge um elogio, um afago, uma palavra amiga que exalta minha capacidade de lidar com as pessoas.
Aí, vem a tal da democracia, com sua mania de eleger líderes pra tudo, e ferra com a minha vida. Se você resolver plantar uma singela muda de carqueja no campo e encontrar-se com outras pessoas que também gostam de tal atividade, há uma grande chance de formarem um amistoso grupinho. Eis o erro: em pouco tempo, haverá uma eleição para escolher o líder do grupo. Líderes, líderes, líderes. O mundo carece de comandantes, e não é fácil a vida destes intrépidos indivíduos.
Desde os primórdios da infância, convivi com os inóspitos cargos de liderança. Nada muito sério, que se possa dizer "puxa vida, que baita currículo tem este sujeito", o que é ainda pior, porque trata-se de cargos não remunerados e repletos de incomodações. Fui, por exemplo, representante de 90% das turmas em que estudei no tempo de colégio. Ser o líder de uma turma significa que, se todos os colegas estão quebrando a sala de aula, você é o cara que deve bancar o chato e mandá-los parar, estalar o relho e pôr ordem no recinto. Por outro lado, se dá uma leve pisada fora da faixa, todos os indicadores alheios apontam para o seu nariz, julgam seus atos e praticam condenações da Santa Inquisição contra a sua pessoa.
Fui, também, coordenador da pastoral da juventude do colégio. Pode ser difícil de acreditar, mas já tive meus dias de castidade e fuga do pecado. Evangelizei jovens a partir dos próprios jovens, preguei a palavra de Deus e condenei atos libidinosos tão comuns na adolescência. E, por favor, não considerem isso que eu disse uma heresia, pois continuo com minha fé inabalável e, dentro do possível, amo o próximo do jeito que dá. Ocorre que, como representante de um grupo católico dentro de um colégio com mais de dois mil alunos, a conduta precisava ser o mais ilibada possível.
Não foi bem o que ocorreu. Fui pego matando aula pelas freiras, minhas aventuras amorosas viraram novela das oito e eu, que praticava o "não julgueis para não serdes julgados" acabava sempre abalroado pela sabatina da coordenadora espiritual, que me passava carraspanas e pedia que, pelo amor de Deus, eu parasse de voar as tranças dentro da escola.
Como quem canta seus males espanta, depois de um tempo resolvi participar de um coro. E, adivinhem o que aconteceu na primeira eleição da qual participei? Vice-presidente. Olha eu lá, outra vez, metido na diretoria. Devo ter um imã escondido no corpo que atrai reuniões, pautas, decisões. No coro não era diferente, e também ali conquistei um naco de voz ativa, ainda que eu pense que num grupo cuja finalidade é cantar todas as vozes devam ser, por excelência, ativas...
Outrossim, galguei a presidência do time de sábado à tarde. Bueno, ali é mais simples no que tange a comportamento, pois trata-se apenas de um bando de pecadores que se reúne para jogar futebol, ou seja, não preciso agir como um sacristão. No entanto, a responsabilidade de liderar um grupo de vinte marmanjos é tamanha que, confesso, às vezes perco o sono. O vestiário é uma fogueira de vaidades, amigos. Uns querem jogar mais que os outros, todos querem ganhar sempre, todos querem receber a bola, todos querem ser o centro das atenções. É tenso e requer um insofismável jogo de cintura.
Veio a vida adulta, casei, constituí família, eu, a Dani, nosso cachorrinho Bigode, que coisa linda. Compramos nossa casa, o recôndito do lar, doce lar. Dentro de um condomínio. Condomínios precisam de pessoas que organizem e tomem decisões comunitárias, necessitam de líderes. Esta semana ocorreu a eleição da nova comissão sindical. Compareci à assembleia. Sou um morador interessado, gosto de saber o que acontece nos entrementes da comunidade. Noves fora, sou o novo integrante do conselho da comissão sindical. Triste sina! Menos mal que escapei da inóspita função de síndico, pois não sei se teria culhão para aguentar a celeuma de moradores de sessenta e oito casas diferentes, onde cada um pensa de um jeito. Logo eu, um gaudério bucólico que sonha morar no meio do mato.
A culpa foi daquele maldito discurso de fim de ano. Essa mania peristáltica que eu tenho de pedir a palavra em público ainda vai me trazer sérios problemas. Na festinha do condomínio em dezembro passado, durante a revelação do amigo-secreto, ensaiei uma pequena mensagem de boas festas aos vizinhos. Desejei prosperidade, espírito comunitário e paz entre os povos, um discurso simples, porém mais enfeitado do que deveria. Bastou para que, em meio à salva de palmas, algum gaiato sugerisse:

- Nosso novo síndico no ano que vem!

Escapei, por sorte. Ainda assim, terei de comparecer a mais reuniões, votar pelo futuro da vizinhança, a pintura dos muros, ajudar a decidir se trocaremos o serviço de portaria ou não. Maldita democracia, malditos gregos que a inventaram e esse negócio de ter de haver comando para tudo.

No entanto, nem tudo são flores na terra de Oz. Houve uma vírgula obscura na minha exitosa carreira de líder. Entre os deslizes que cometi comandando grupos, um deles atingiu o estopim da paciência de meu povo, e fui defenestrado do poder. Sim, sofri um impeachment.
Foi na sétima série, jamais esquecerei. Se é complicado estar no poder, mais doloroso ainda é de lá ser retirado à força. O ano de 1998 andava bastante conturbado e minha postura comportamental passava longe do exemplo necessário para ser um representante de turma.
Em outras palavras, eu estava virado no capeta em forma de guri (MALLANDRO, Sérgio). Conversador, relapso, permissivo à anarquia e, por que não dizer, o próprio comandante da maioria das ações subversivas que ocorriam dentro de nossa sala de aula. Foi pra um ponto que passou a prejudicar o aprendizado de meus colegas e, devo admitir, tudo isso ocorreu porque o poder subiu à minha cabeça. Era novo demais para assimilar que, quatro anos antes, deveria ter aprendido com Fernando Collor de Mello que não se mexe com a poupança das pessoas sem pedir permissão antes, e o mesmo vale para o bom andamento das aulas de Ciências e Matemática.
Havia, entre meus convivas, uma ala deveras conservadora, um grupinho de CDFs que não admitia de forma alguma que seu líder fosse um libertino e criasse dentro do sagrado ambiente escolar um clima de convescote. E foram eles, os oposicionistas conservadores, que propuseram à professora conselheira que me destituísse do poder, convenceram o restante dos colegas da necessidade de me exonerar do cargo e o que parecia tão distante foi realizado.
Um belo dia, chego ao colégio e deparo-me com a organização de novas eleições para líder da turma. Nem tempo de arquitetar alianças eu tive! Agiram pelas minhas costas, cambada de traíras! Faltou-me, claramente, diplomacia e trânsito político nos meandros da sala de aula, fui escorraçado feito um cão sarnento, enfiei minha viola no saco e assimilei o golpe de maneira hostil. Até uns berros dei durante a votação, foi um fiasco.
Naquele momento, minha aptidão para a liderança ficou abalada. Questionei meus ideais, refleti meus atos e, a muito custo, dei a volta por cima. Sigo pachola, diplomático e conciliador. Não é soberba, acreditem. Apenas acredito que um homem não deve fugir de seu destino e, se os amigos confiam na minha capacidade, por que não tentar? Epa, epa, já chega desse papo furado de encerramento, antes que eu acabe me candidatando a vereador e aí, meus caros, como costuma dizer um amigo meu, "foi-se a gata com a cinta"!

2 comentários:

  1. Lidar com egos é uma MERDA. Mas essa coisa de liderança, acho que ela vem diretamente do fato de não ser do tipo que senta no canto enquanto os outros conversam. Tu não é metido (no sentido negativo), mas certamente tu não é neutro em uma ambiente com pessoas.

    Como a maioria das pessoas é cordeirinho que segue a manada, se aparece uma pessoa que por acaso é um pouco mais dada às organizações e a fazer acontecer, já era: vira líder, mesmo que informalmente.

    Abração!

    PS: esqueceu-se que é também presidente da FUB?

    ResponderExcluir
  2. Branco!
    quanto tempo que não comento aqui e que não me faço presente no mundo blogueiro :D
    Meu mundinho paralelo.
    hohoho

    *puuuuuuuutz! ia sendo Gol agora.
    pera, deixa eu ver mais do jogo. kkk

    Sim, vc não consegue passar despercebido e tem esse lado líder mesmo.
    Tem seguidor porque tem líder; tem líder porque tem seguidor. ;)

    Assim que sair o livro, quero ser uma das primeiras a comprar, ta?

    beijão

    ResponderExcluir

<< >>