A festa no Boliche


Você, cidadão de bem que acessa este blog em seus momentos de ócio na esperança de ler algo que preste, certamente deve ter alguma opinião acerca de minha pessoa. Boa, regular ou má, mas deve ter. Este mundo em que vivemos é engraçado, pois nos importamos com as opiniões alheias, mesmo que seja para dizermos ali adiante que o julgamento do outro não nos afeta. Tudo mentira, é claro.
De qualquer forma, não vou pedir-lhe que externe seus pensamentos a meu respeito. Deixemos isto para um outro momento. O ponto onde quero chegar é o seguinte: por mais que haja algum juízo sobre a minha pessoa, você jamais imaginará certas experiências pelas quais passei e que, de certa forma, acabaram formando o caráter que ostento hoje. A menos que eu venha, despido de toda e qualquer vergonha, e publique algum fato curioso que faça parte deste rol de vivências curiosas, como por sinal já fiz algumas vezes.
Agora há pouco, enquanto conversava com Fernando Mohr, um amigo de longa data, relembrei uma passagem bastante traumática da minha adolescência. Falávamos sobre uma extinta casa noturna de Novo Hamburgo muito frequentada por nossos coleguinhas no início dos anos 2000. Adams Bowling era o nome, vulgo Boliche. Naquela época deveras duvidosa, quando De Falla fazia sucesso com seu "vai, popozuda", grande parte de meus colegas amadurecia a olhos vistos e começava a badalar freneticamente na noite hamburguense. Ele, no entanto, lamentava com notável ressentimento sequer ter conhecido o recinto. Nisso, das catacumbas mais sórdidas de meu inconsciente, recordei a primeira vez em que saí à noite.

Bem, não foi muito agradável, digamos assim.

Haveria um show do Se Ativa, grupo de pagode que também disseminava seus sucessos da época entre a massa adolescente gaúcha, como o hit "Pra ficar legal" por exemplo. Minha turma só falava naquela bendita festa. Passei a semana alheio àquele tititi, uma vez que minha vida aos catorze anos resumia-se basicamente a ficar enclausurado em meu quarto ouvindo as músicas sertanejas que copiava dos CD's da minha avó. Também jogava futebol na rua, algum jogo ligado ao esporte no computador e dava meus primeiros passos na arte da conquista arriscando-me anonimamente em chats de relacionamentos. Perdi as contas de quantas vezes afirmei categoricamente ter dezoito anos, quando na verdade ainda nem manuseava o barbeador para fins estéticos.
Sair à noite, portanto, não fazia parte do meu cotidiano. Porém, uma colega baladeira e assídua frequentadora do Boliche resolveu convidar-me para o convescote. Na opinião dela, estava na hora de eu conhecer um pouco mais do que o mundo tinha a oferecer aos jovens. Como eu era novinho mas não era burro, percebi de imediato que convites feitos por mulheres não devem ser recusados, ao que resolvi que iria para a festa, sim senhor.
Conversei então com um de meus amigos do bairro que também batia cartão no Boliche. Aquele mesmo que já havia roubado minha namorada no ano anterior, estragado a cor do meu cabelo e proposto minha adesão ao mundo obscuro das pichações, muitos de vocês já devem conhecê-lo. Bem, vivíamos tempos de paz e sossego naqueles dias da festa, então pedi alguns conselhos sobre como deveria ir vestido e também aproveitei para chulhar uma carona. A resposta foi que eu podia vestir a roupa com a qual me sentisse melhor e que, sim, eu poderia ir para o Boliche com ele sem problemas.
Contudo, a parte mais difícil ainda estava por vir: convencer minha mãe de que seu primogênito estava crescendo e, portanto, necessitava viver novas aventuras que o mundo lá fora oferecia. Para minha sorte, mamãe sempre confiava em meu caráter e sempre dizia que eu parecia ter mais do que catorze anos pela maturidade que demonstrava em casa, por ser um guri comportado e talicoisa. A resposta ao meu pedido foi um categórico não.
Diante da primeira negativa, parti para a argumentação, expliquei que todos os meus colegas estariam lá, que era chegado o momento de romper a simbiose maternal e partir para experiências que só a balada tem a oferecer a um rapazola com os hormônios em ebulição. Fiz uma resenha por entender que o diálogo nessas horas é bastante adequado no ambiente familiar. Minha avó, que nos visitava naqueles dias, observava a tudo com atenção e evitava palpitar. A resposta continuou sendo o não.
Diante disso, precisei agir. Há momentos em que um adolescente maduro precisa mostrar o peso de suas convicções, portanto senti que era chegada hora de mostrar-me como homem dentro de casa. Fiz um esparro, comecei a chorar e ameacei pular a janela. Disse que fugiria mesmo sem liberação, que o Boliche me esperava e que minha reputação estava em jogo, tudo isso nos intervalos das lágrimas e dos inúmeros "deixa, manhê, por favor" usados como tática kamikaze na última tentativa de conseguir um sim. A vó ficou preocupada e finalmente tentou intervir na situação dizendo que era perigoso, que eu ouvisse a mãe, mas não foi suficiente. Tudo o que eu não precisava naquela hora era de uma avó cheia de ternura tentando impedir minha diversão terrena. Armei o banzé maior ainda e chorei descontroladamente, até que veio o sim.
Vencida a batalha da libertação, parti para a segunda tarefa árdua da noite: a roupa. Muitos questionarão este ponto, uma vez que quem normalmente trava batalhas com o guarda-roupa na hora de sair são as mulheres. No entanto, meu caso não era o de um simples indivíduo escolhendo a melhor roupa dentre muitas opções, bem pelo contrário. A bem da verdade, nenhuma de minhas vestimentas era adequada para frequentar uma balada. Em primeiro lugar, eu não tinha calça jeans. Aliás, eu nem chamava de jeans, e sim de calça de brim. Meu espírito ancião ainda não havia evoluído o suficiente para adquirir o linguajar correto dos meus colegas. Todos sabemos da importância prática e usual de um jeans como traje masculino nos últimos anos, porém minha postura retrógrada sequer considerava agradável usar aquelas chatíssimas calças de brim.
Também não tinha sapatos para a ocasião. Minha rotina resumia-se à escola, futebol e fazenda, o que significa dizer que minhas opções eram tênis de futsal, chinelos e botas de borracha. Por motivos óbvios, os dois últimos estavam fora de qualquer cogitação, então precisei optar pelo melhor tênis esportivo que eu tinha, pelo menos na minha ingênua concepção. Da cintura para cima não consigo recordar bem o que vesti, mas do resto jamais esquecerei. Quis o destino que, naquela ultrajante noite, eu trajasse uma calça marrom claro com um par de tênis Olimpikus azuis que eu adorava.
Não pensei que estivesse arrasando, todavia considerei adequado. O correto seria que me encaminhassem ao manicômbio mais próximo, ou que me apedrejassem em praça pública, só que infelizmente isso não aconteceu. Quando cheguei na casa de meu amigo, de banho tomado, perfumado e com aqueles bizarros tênis azuis, a reação dele de incentivo foi tão sincera, que por um instante até pensei que tivesse acertado. Contudo, bastou chegar na fila do Boliche para que a reação dos estranhos denunciasse o abissal erro que eu cometera ao sair de casa feito um Jeca Tatu. Senti-me um matuto, o primo do Chico Bento. Foram instantes breves, porque naquela época minha ingenuidade filtrava tudo com incrível parcimônia, mas recordo bem que dois sujeitos riam descaradamente da minha combinação carnavalesca.
Mesmo assim, a festa começou. Um aglomerado de gente, música alta, todos bebendo cerveja e eu devia ter uns dez reais no bolso. De fato, a noite era um tanto diferente das festinhas de São João que eu frequentava no colégio onde minha mãe trabalhava. Percebi que não seria possível socializar com toda aquela fortuna e tratei de ficar esguaritado num canto com o bico seco feito galinha no verão. Meus conhecidos conversavam animadamente, sabiam todas as letras do Se Ativa, enquanto que eu sentia saudades absurdas das modas de viola de Peão Carreiro e Zé Paulo.
Para coroar o fiasco, outro absurdo. A certa altura, quando a galera já nem notava mais a minha presença inerte na festa, percebi que um cidadão encarava-me com uma expressão mais séria que um capincho. Não dei muita bola, olhei para o lado e fiquei contemplando o escuro. Porém, para minha surpresa, o baita veio tirar satisfações. Perguntou com uma voz ameaçadora por que eu o estava olhando, se queria arrumar confusão. Embasbacado com aquele mal entendido, tudo o que pude fazer foi jurar de pés juntinhos que jamais o havia espiado nem de rabo de olho. Foram segundos tensos, ninguém viu a cena, o que impediu que me livrassem do apuro. Para minha sorte, o vivente desistiu da rusga e oitavou-se no seu canto outra vez, ao que fiz questão de virar o nariz para o sentido oposto e cuidar para que não cruzássemos os olhares durante as próximas doze gerações. Seria o máximo, na primeira festa, mais perdido que cebola em salada de fruta e ainda voltar para casa com o olho roxo.
Passados todos estes anos, tudo o que pude afirmar para meu amigo Fernando, ainda queixoso de não ter frequentado o Boliche em seus tempos áureos, é que o diabo sabe por ser velho e não por ser o diabo. Fosse hoje em dia que um filho meu quisesse sair para a balada com um par de tênis azuis de futsal, além de trancafiá-lo no quarto ainda lhe aplicaria umas boas chineladas como punição pela escolha errônea. Não culpo minha mãe, nem meus amigos da época, ou os caras que riram de mim. A culpa, se for de alguém, é da maldita Olimpikus, por fabricar aqueles tênis horrorosos. E minha, que precisei virar alvo de chacotas para aprender o valor incólume de uma boa calça jeans.

4 comentários:

  1. Eu vou rolando a página e a risada vai se formando. Com o primeiro "não" dito pela tua mãe, eu ri com vontade, porque não esperava MESMO por aquilo.

    E agora só não vou xingar o teu amigo, que só te meteu em roubada, porque ele realmente é bem gatinho. hahahaha

    No mais, não vou dizer minha impressão sobre você pra não forçar a barra e estragar a amizade :P


    Beijo Tonton :***

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  2. ''Há momentos em que um adolescente maduro precisa mostrar o peso de suas convicções''
    e meter um ''deixa manheee''1 HAHAHAHAAHAHAHAHAHAHAHAHAA
    A risada que eu precisava pra começar o dia.
    Massa sua história, acho que lhe fez repensar ein? UHAUHSAUSHAUSHAUSH

    beijo

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  3. Sério, fiquei impressionada com tanta maturidade de adoslencente Ton!
    Quanta risada essa sua aventura nos rendeu viu! hahaha
    E sim a culpa é da marca de fabricar tenis horríveis, não é do cara que os uso com calça marrom! hehehe

    Demais! Beijo.

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  4. Gostei do teu blog, começando porque voce é gaúcho, gente boa da terra!
    Bjos

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