No meu colo cai Pelé


Dia desses, após um período considerável de clausura na paz do lar doce lar, a Dani e eu resolvemos ir para a balada. Fomos convidados por amigos, o ingresso era barato e, é aquela coisa, a gente se olha, bate uma química consensual e, tá, vamos lá. Não é bem a minha preferência em termos de programa de casal, mas é sempre bom variar.
Não que eu pense que balada é coisa de gente solteira, contudo admito que o panorama é favorável aos solitários nessas festanças notívagas. As pessoas saem para a "caça", vão em busca de companhia, álcool e folia, ainda que a ordem natural nem sempre seja essa. Se as pessoas já chegam de parzinho - como diz meu professor de Genética -, a paciência diminui em certos aspectos: fila, aglomeração, assédio, cerveja no tênis e talicoisa. Se o vivente é solteiro, não deve nada a ninguém e muitas vezes nem a si mesmo, a não ser a garantia de chegar em casa lúcido o suficiente para não trocar a cama pelo vaso sanitário. E de táxi, né, que agora a lei seca tá castrando os pilas da gurizada.
Mesmo assim parti para o convescote noturno com a patroa. A primeira prova de que estávamos bastante enferrujados para a vida baladeira foi que paramos na fila que era exclusivamente feminina. De repente, veio o segurança e pediu educadamente que nos dirigíssemos para a fila do outro lado da casa noturna, ao que imediatamente percebi o erro cometido, pois só haviam moçoilas de roupas curtas à nossa frente. Piriguetes não sentem frio, vocês sabem.
A fila dos casais e homens solteiros era ainda maior. Chegamos às onze e meia e o ingresso aumentava de preço a partir da meia-noite, o que me fez ter um breve momento Cláudio Silva de ansiedade diante da constatação de que não entraríamos a tempo de economizar aqueles trocados que brevemente poderiam ajudar no leite das crianças. Por sorte, passou uma moça bem simpática colocando pulseirinhas em quem possuía ingressos e driblei a inflação da entrada tendo aquela fita no pulso.
Ainda antes de entrarmos, um conhecido enxergou-me na fila. Faltava pouco para a nossa vez e, muito esperto, o sacripanta chegou cumprimentando como se fosse aquele primo distante lá de Frederico Westphalen com a intenção firme de garantir o seu lugar na base da mão grande. Bem, como é Brasil, fizemos a concessão, o casal atrás da gente não deu muita bola e ficou tudo certo. No entanto, para meu desespero, logo em seguida outras oito pessoas também amigas do rapaz furaram a fila e acomodaram-se à nossa frente como se a vida fosse um morango. Dei uma olhada tímida para o casal atrás de nós, que não disfarçou sua surpresa não menor que a nossa. Ficamos os quatro com cara de pastel de vento assistindo àquele furto descarado de lugares.
Como a festa ainda não começara para ninguém, relevamos o absurdo. O negócio era entrar na balada e chacoalhar os mondongos, temos que manter o espírito esportivo. Isso até chegar ao guichê, apresentar o documento e descobrir que eu tinha de informar à guria quanto pretendia gastar na festa para ela creditar na minha consumação. E mais, o pagamento era antecipado! Oi? Só eu que parei no tempo? Mal cheguei e já tenho de dizer o quanto vou consumir? Isso é quase como jogar na loteria! Bueno, como prometeram que devolveriam o dinheiro do que não fosse consumido, fiz minha aposta e finalmente conseguimos entrar na penumbra da festa.
Encontramos alguns amigos - estes de verdade - perto do palco e por ali ficamos curtindo a música enquanto sorvíamos um chope esperto. Com a Dani de motorista da rodada aproveitei para afundar os guatambus e beber um pouco daquele crédito que a moça colocara em minha consumação logo na entrada.
A festa foi ficando divertida, as pessoas cada vez mais bonitas e o barulho já nem importava tanto. Era a ferrugem saindo de nossos corpos e a balada ganhando algum sentido mesmo sendo de parzinho. Uma festa diploide num ambiente haploide. Já estou com saudade do professor de Genética.
Lá pelas tantas, parou ao nosso lado um grupo de mulheres solteiras. Entre elas, havia uma veterana que me fez lembrar da Lenir, a tia que vem fazer faxina aqui em casa a cada quinze dias. Qualquer hora dessas ainda vou escrever sobre ela, tenho algumas considerações interessantes para fazer sobre nosso sistema de comunicação. De todo modo, comentei com a Dani que a tia parecia ser irmã da Lenir, ao que minha esposa caiu na gaitada e deu razão à minha constatação.
A presença daquele mulherio à frente do palco devia-se ao início do show sertanejo em substituição ao som mecânico. Àquela altura, já com as pernas cansadas, sentei num canto e fiquei ali esguaritado apreciando a musicalidade do artista. Também observava o jeito pitoresco de dançar da irmã da Lenir, que mais parecia um suricate com dores lombares. Inclusive ensaiei uns passos ao lado dela quando tocaram Mamonas Assassinas, acompanhei a dona com uns pulos desengonçados para que tivéssemos alguma simetria e emendei inclusive uma coreografia no estilo "dale a tu cuerpo alegria Macarena", o que arrancou gargalhadas dos presentes.
Percebi que a irmã da Lenir ficou de olho em mim, mas pensei que fosse em tom de reprimenda pela audácia da dança. Em seguida, o cantor puxou Boate Azul a pedidos da plateia e, coitado, não sabia cantar a letra, o que se trata de uma verdadeira heresia sertaneja. Músico que se preze tem que saber cantar Boate Azul, caramba! Bem, ele não sabia. Meus amigos sabem que conheço a letra deste clássico da música boêmia e passaram a apontar para mim. Desdenhando do meu talento, o rapaz aproximou o microfone do meu rosto e, como não nego chumbo em lote de pombas, soltei o gogó. Cantei Boate Azul. A massa foi ao delírio e, imediatamente, senti o furor tomar conta do olhar da irmã da Lenir. Tomado de vergonha pelo banho que dei nele, o ingrato do cantor nem agradeceu minha participação especial e aproveitou a efusão da galera para deixá-los cantarem o refrão. Como se isso fosse diminuir a vergonha, mas tudo bem.
A canção seguinte também foi um sertanejão velho daqueles de arrepiar os cabelos das ventas. Estilo bolero, aquele que tu gruda na cintura da moleca e joga o xaveco no cangote, é ali que a noite se cria. Eu, que já havia feito a minha parte musical, voltei para meu canto e apreciava a melodia, quando percebi uma mão estendida em minha direção: era a irmã da Lenir me convidando para o prazer de uma contradança.
Fiquei petrificado de surpresa e pavor. A mulher estava dando em cima de mim bem na frente da minha esposa! Mais que isso, um tribufu medonho, a criatura mais feia da festa, aquela garça matreira abordou a minha pessoa! Entre assustado e humilhado, apenas apontei para a minha aliança e estiquei o indicador para a Dani que, louca de vontade de rir da minha cara, disse para a tia que eu não poderia dançar com ela. A pobre ficou desconcertada, pois não percebera o meu estado civil e, decepcionada, virou-se para o outro lado e não me dirigiu mais nenhum olhar para o resto da noite.
O que restou foi aguentar as chacotas da Dani, minha própria esposa tirando sarro da minha cara por eu ter sido paquerado justamente por uma tiazona que lembra a Lenir, nossa querida faxineira. Quer dizer, saio para a balada depois de tanto tempo, encaro fila, pago antecipado, as pessoas passam à minha frente sem dar satisfação, o cantor sequer agradece o meu socorro em Boate Azul e o que eu ganho de brinde? O enlevo de uma uva passa.

Definitivamente, meu negócio é ficar em casa, chega de sair. Vou ouvir música sertaneja, dá licença.

3 comentários:

  1. Cara, ri demais com esse texto. Fiquei imaginando a irmã da Lenir te tirando pra dançar bem na frente da Dani... hehehhe
    Quanto ao momento Cláudio Silva de ansiedade, agora tu sentiu na pele um pouco do que eu sinto nesses momentos... hehehhe. A ansiedade não me abandona nunca...

    Abraço!

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  2. Olá!!!, belo blog amei sucesso, Deus seja contigo, já estou te seguindo
    OBRIGADO PELA VISITA.
    Curta e participe do meu blog e fan page.
    Blog:http://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com.br/

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  3. Hahahahahahahahahahaha

    Ri horrores com seu texto. Adorei sua maneira de escrever e de contar histórias. Mesmo algo simples, toma outra dimensão. Vou continuar fuçando aqui no seu cantinho. Parabéns! =)

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