Os presentes da vida

Vinte e seis de setembro de mil novecentos e oitenta e cinco. Cinco para as duas da manhã. No Hospital Darcy Vargas, em Novo Hamburgo, mamãe urrava com as dores do parto, suava em bicas e voltimeia fazia respiração cachorrinho, tudo isso deitada numa posição nada agradável para uma mulher de família. De súbito, seus lábios vaginais sofreram a pressão abrupta de uma cabeçorra, um guri que apontava de suas entranhas e lhe causava uma sensação de incêndio genital de proporções abissais. Naquele momento, mamãe cerrou os olhos e sorriu. Não pelo nascimento de seu filho, mas sim pelo sarcasmo de saber que sua avó, mãe de meu avô, passara por aquela situação áspera nada menos que dezesseis vezes. O sorriso, porém, durou pouco e logo foi substituído por um ganido lancinante que ensurdeceu a sala de parto. Chegara ao mundo, às duas da manhã, vindo diretamente de sua luz, seu lúmen, um piazito de cinquenta e um centímetros pesando três quilos e seiscentos gramas: EU.
Em consequência disso, hoje completo vinte e oito anos de vida desde que irrompi o útero de minha genitora para nunca mais voltar. Às vezes, ainda durmo em posição fetal, só para relembrar dos bons nove meses vividos ao lado de todos aqueles órgãos vitais que me acolheram com tanto carinho.
Para ser sincero, nem lembro quando foi a última vez que escrevi algo no dia do meu aniversário. Textos desse tipo sugerem uma pitada de reflexão, por mais clichê que possa parecer. Confesso que este não é o meu objetivo, ainda que saiba que fatalmente incorrerei no lugar-comum de filosofar um tiquinho de nada.
Tchê, eu gosto de aniversariar. Gosto mesmo. Quando entra setembro no calendário, começo a contar os dias para que chegue o vinte e seis. Aprendi, com o tempo, a viver cada vez mais de bem com a vida, o que tem me ajudado deverasmente (esse saramandismo que não me abandona) a encarar a passagem dos anos como algo extremamente benéfico e rejuvenescedor. Hoje, com vinte e oito anos, sinto o vigor de um guri correr em minhas veias como certamente não sentia quando tinha dezoito.
E, puxa vida, que dia foi este 26/09 de hoje! O céu azul fez parceria com um sol faceiro que brilhou sem parar até chegar a hora do descanso. Os rouxinóis entoaram cânticos de felicidade ao redor de minha janela. Mentira, que aqui não tem rouxinol. Era, na verdade, um pardalzinho daqueles bem chinfrins assoviando Anitta. Não tá fácil pra ninguém, até os passarinhos corromperam o seu próprio trinar em busca de quinze minutos de fama.
O fato é que, quando a pequena ave cantou o "pre-para", recordei meus tantos aniversários chuvosos vividos até agora. Dos vinte e oito, pode-se dizer que em pelo menos vinte o índice pluviométrico alcançou as dezenas de milímetros tornando minhas festinhas infantis um tanto encharcadas. Restava apenas dar o play no toca-fitas e chacoalhar o esqueleto com as musiquinhas da Xuxa, já que naquele tempo era permitido errar.
Receber um dia lindo de mão beijada foi o primeiro presente concedido por Deus à minha humilde e pecadora pessoa. Dali em diante, passei a observar melhor tudo à minha volta com a finalidade de aproveitar o dia do meu aniversário em sua plenitude. São apenas vinte e quatro horas com o nomezinho aparecendo nos aniversariantes do Facebook, não seria inteligente perder tempo.
Aliás, fico pensando em como pode haver pessoas que não gostam de receber os parabéns quando assopram velinhas. Que doido! Eu acho o máximo. Não fico triste se alguém esquece, mas exulto com qualquer parabéns minguado. Isso significa que, se o vivente clicou no meu nominho e digitou lá "parabéns", oxalá, agradeço imensamente. O pouco perto do nada é muto.
Da mesma forma, vieram felicitações polpudas. Abraços fortes, sinceros, sorrisos fartos. A família ligou, a esposa fez "vitamina especial de aniversário" pela manhã, os amigos desejaram suas felicitações. Esperei até agora, perto da meia-noite, porque há também aqueles que correm o dia inteiro, lutam contra o relógio e, ainda assim, chegam em casa e discam o número do meu celular para aquele alô afetuoso que encerra o dia com chave de ouro.
Não sou enjoado com presentes, recebo qualquer chiclé mascado com a alegria de um guaipeca que ganha uma bisteca suculenta. E os regalos principais são justamente os abraços, beijos, os sorrisos, olhares e palavras carinhosas recebidas de cada conviva. Ganhei tudo isso hoje e com que honra! Vibrei ainda mais com os tantos que mencionaram minha alegria de viver, a animação, o alto astral. Ora, estou aqui é pra isso! Dá a real sensação de dever cumprido.
Por fim, relato a todos o mais inusitado momento do dia, a hora em que recebi o presente mais engraçado e sacana preparado caprichosamente por meus colegas de faculdade. Não sei o que você, leitor, pensará a respeito, mas devo confessar que considerei a sacada genial.
Para entender o contexto é necessário ter lido uma crônica do meu livro, o que significa que, se você chegou até aqui e nunca leu o Que Momento, que pena, sua jornada termina aqui. Além disso, fica com a obrigação moral de adquirir um exemplar só para depois retornar a esta linha e dar seguimento à leitura interrompida por conta dessa gafe literária.
Gente, tô brincando! A crônica do livro chama-se Polainas e foi publicada aqui no blog em maio de 2010. Clique no link do título, ou busque o texto nos arquivos por obséquio. Feito isso, lhes conto que os pilantras dos meus amigos, em segredo, compraram um par de polainas, embalaram num papelzinho xumbrega e me entregaram com as caras mais deslavadas do mundo! Aqueles sacripantas!
Só que, como eu disse, a sacanagem foi tão inteligente que, sem titubear, vesti as malditas no ato! E desandei a tirar fotos como se não houvesse amanhã para registrar a virtuosa brincadeira. Com um gesto simples e criativo, a gurizada promoveu uma surpresa incrível e, de quebra, realçaram ainda mais o valor deste blog. Por isso, nada mais justo do que dividir a peripécia com os leitores e, claro, mostrar a vocês como eu fiquei - ugh! - sexy usando polainas. Que momento!


3 comentários:

  1. Ton!! Que texto de aniversário!!!!
    Fico feliz que teu dia tenha sido ótimo, pois os pensamentos positivos e bem querer pulsaram à toda aqui em terras Catarinas. Eu não te liguei porque sou a miss-envergonhada-do-telefone, mas quase o fiz umas dezenas de vezes. Acabei por deixar uma mensagem, porque eu não podia simplesmente deixar para lá.

    Quando vi a foto (mania de ver o tamanho do texto primeiro), logo lembrei da crônica do livro e achei GENIAL a sacada dos teus amigos. Tipo, eles fizeram baseado em algo que tu escreveu e, sendo assim, foi em algo que eles leram! Demais, demais.


    Parabéns amigo!
    Você merece ser muito, muito, muito, muito feliz.


    Carinho meu,
    Eme Éfé.

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  2. Oie,
    Não sei como leem os teus textos, mas eu com certeza li ouvindo aquele sotaque gaúcho que tanto amo (:

    Bom, um feliz aniversário, já atrasado. Tenho que concordar contigo, eu amo meu aniversário e julgo quem não gosta de seu, é um disparate isso. Vivo as minhas 24 horas como se não houvesse amanhã.
    Admito que, como é minha primeira vez aqui, tive que correr atrás do prejuízo e li o causo das polainas... meu amigo, amigos assim levamos pra sempre (:

    Que achado esse teu blog, hein !? Favorito e nada mais a acrescentar.
    Bjoos.

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  3. Muito bom! Adorei conhecer você na escola sexta-feira.

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