Goleadas da vida

De todas as histórias que tenho para contar sobre a chegada da Lara ao mundo, a mais iminente é sem dúvida a sapecada imposta pelos alemães na Copa do Mundo. Foi uma saranda, uma sova, um sacode, chocolate, sapeca neném, qualquer gíria futebolística que se traduza em humilhação e achincalhe. A pior coisa que pode acontecer para quem joga futebol é quando o adversário chega ao ponto de sentir pena e nitidamente tira o pé do acelerador para minimizar a goleada. Se é que podemos chamar de mínimo o fato de levar sete gols em uma semifinal de Copa.
Deixei passar o furor da repercussão e também o jogo contra a Holanda para finalmente escrever. Me parecia um pouco óbvio que perderíamos para o escrete de Robben, Van Persie e companhia, já que os holandeses voaram na competição, surraram a bunda da Espanha e o Brasil capengueou desde a primeira partida.
Talvez o efeito anestésico da chegada da minha filhota tenha feito com que eu acompanhasse ao vexame com certa indiferença. Foi o primeiro momento em que consegui sentar para checar as felicitações pelo nascimento nas redes sociais no quarto do hospital, o que significa dizer que a cada olhada minha para o telefone resultava num gol da Alemanha (este talvez o maior meme do ano). Já no três a zero joguei a toalha, mas como todo mundo jamais podia imaginar que além de chegar ao fundo do poço o Brasil descobriria que ainda teria o subsolo pela frente.
E assim tirei a primeira grande lição imposta pela paternidade: papai, futebol não é importante. É supérfluo. Se der, deu; se não der, paciência. Há muito tempo que já não exerço minha devoção pelo Grêmio com dedicação, e agora a admiração que nutria pela seleção brasileira também perdeu a força significativamente.
Não faço parte das camadas extremistas e conspiratórias da sociedade. Mesmo que a Lara não tivesse nascido naquele dia eu não choraria pela derrota, não faz o meu tipo. Contra Camarões, por exemplo, dormi estirado no sofá durante o segundo tempo. Respeito quem diz que a Copa foi comprada, vendida, parcelada no cartão, ou permutada pela Dilma, cada um com sua opinião. Porém, para mim continua sendo apenas um esporte onde se ganha, empata, perde. E, vez ou outra, uma goleada pra ficar de lombo ardendo.
Além disso, podem discordar se quiserem, mas 7 a 1 não é nada. Pode ser pior, bem pior. A história que contarei a seguir justificará o motivo de eu ter visto o Brasil ser escovado dos pés à cabeça pela Alemanha e sequer sentir cócegas em minha calejada emoção.
Na sétima série, portanto em 1998, fui convocado para uma espécie de seleção do colégio para enfrentarmos outro selecionado da cidade. Era um jogo meio festivo, não lembro direito da causa, mas sei que o adversário viria de uma escola estadual localizada em Novo Hamburgo mesmo.
Quando entramos em quadra percebi que o panorama não era dos mais favoráveis. Enquanto no meu time a média de idade beirava os treze anos, natural para quem cursa o sétimo ano, os atletas do time deles davam mostras de já possuírem notável intimidade com o Prestobarba. Além de serem montanhas de músculos, ainda tinham feições de quem gosta de triturar criancinhas inocentes. E, bem, nós éramos criancinhas inocentes.
A partida começou e com ela veio uma chuva de gols. De todas as formas possíveis, de todos os cantos da quadra, desatou uma saraivada alucinante de gols e não víamos a cor da bola. Foi um massacre. O placar final, acreditem, foi 27 x 1. VINTE E SETE A UM! Meu compadre Popins, que naquela época ainda se chamava apenas Fernando, era um dos goleiros convocados. Levou vinte gols. Digo isso porque perguntei a ele antes de escrever este texto, só para confirmar.
E não foi só isso. A certa altura da partida, sobrou uma bola na direita para mim, momento raro naquele dia. Corri ingenuamente para armar a jogada, quando de repente senti um tranco no ombro e, como que num passe de mágica, virei Peter Pan e passei a voar. Jamais esquecerei aquela sensação de voar, foi nítido demais para mim. Só que, na realidade, foi um voo curto, pois logo em seguida me esborrachei no parquê do ginásio. Ainda tentei evitar a queda levando a mão esquerda para escorar o tombo, mas foi pior. Senti um choque no pulso que fez uivar dentro de mim uma alcateia de mil lobos assassinos e famintos por carne humana.
Ainda tentei levantar e seguir jogando, afinal de contas o balaio estava grande e meu dever era tentar lutar pelo time, mesmo que todo o meu esforço significasse absolutamente nada. No lance seguinte, um dos ogros veio com a bola dominada em minha direção e tentei desarmá-lo. Ao dar o combate, apoiei o pulso esquerdo no chão e naquele momento os lobos supracitados começaram a devorar minhas vísceras como num banquete do Discovery Channel. Acusei o golpe e percebi que algo de muito errado havia acontecido com a minha mão. Pedi substituição.
Já no banco, enquanto o jogo transcorria e o placar aumentava exponencialmente em favor daquela cavalaria napoleônica, tentei dizer para a professora que orientava o time o quanto meu pulso estava em chamas. Ela, no entanto, ignorou minha celeuma e mandou que ficasse quieto num canto aguardando. Ganindo de dor, passei a rolar no chão e, finalmente, desatei num choro incontido. Nisso, algum adulto decente ficou compadecido de minha situação e me levaram à enfermaria. Ao verem que a situação não estava nada bonita, ligaram para o meu pai. Resumo da ópera: pronto socorro, radiografia e diagnóstico. Pulso quebrado.
Chorei copiosamente ao saber do veredito. Na semana seguinte aconteceriam os jogos do nosso colégio entre as turmas, algo que aguardávamos durante o ano com ansiedade, e minha fratura significava que eu estaria fora. É por isso que entendo o que enfrentou o pobre (?) Neymar quando fraturou sua vértebra.
Voltando à partida aonde fomos patrolados, percebam o tamanho da derrota. Foram quase trinta gols sofridos, apenas um marcado (e aqui nossa equivalência ao Brasil de Felipão) e, claro, uma vergonha para nós que representávamos a escola. No entanto, em nenhum momento deixamos de lutar. Dividimos cada bola, fomos combativos, nós tentamos! Quebrei meu pulso peleando, caramba! O Brasil não. Nossos atletas se entregaram que nem vaca pra touro, ficaram perdidos, atônitos, choraram sem fraturar nem uma unha sequer. Derramaram as lágrimas tarde demais. Mascherano, pela Argentina, admitiu ter rasgado o forévis num lance defendendo seu time. Está na final de amanhã. Não sei se eu faria o mesmo pela escola, porque onde mamãe passou talco fica complicado de colocar em jogo dessa forma, mas fica o registro pra efeito de comparação.
O fato é que há um aspecto anímico que pesa consideravelmente sobre essa Copa perdida. E, com todos aqueles semblantes estropiados, foi pelo ralo a graça do futebol brasileiro, o gosto por jogar um futebol bem jogado, disputado, onde se suja o calção para evitar o revés, mesmo que ele seja inevitável. Daqui para a frente, minhas chuteiras mofarão um pouco mais. Ora, é só futebol. E meu pequeno troféu aqui em casa é muito mais valioso, aprendi a lição. Seria legal se o Brasil fizesse o mesmo.




3 comentários:

  1. Ai gente! Não imagino o que é quebrar algo, nunca quebrei um ossinho sequer, mas a dor deve de ser insuportável. Ai. :/

    E que goleada Ton! Caramba!
    Futebol nas escolas são muito sem noção, pelo menos era na minha. Quase que jogo dos grandes e pequenos. Triste.

    E sabe, Brasil não jogou nada mesmo. Sumiu, completamente. E desanima DEMAIS o futebol. Tava pior que jogo do meu Galão, porque geralmente, o Galo continua lutando, geralmente.

    Mas não vou cuspir no prato que comi e criticar a Copa nem pensar. Foi um evento importante, apesar dos pesares, do país e da Seleção. E não guardei minha camisa amarela ainda, aliás, estou com ela neste momento, ainda. Mas desanima, isso desanima.
    Que em 2018, quando a Larinha tiver quatro aninhos, a Seleção dê mais alegria pra ela, pra nós. hahahhahaha
    É apenas futebol, mas, um hexa cairia bem demais. hahhahahhaa

    :D

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  2. Mazah!! Larinha já chegou chegando e mostrando o que tem prioridade nesse mundo hahaha!

    Ri horroreeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeees com a tua narrativa do jogo. 27x1! Caraca! Nem nas peladas aqui vi um placar desse.

    (...) já possuírem notável intimidade com o Prestobarba. Além de serem montanhas de músculos, ainda tinham feições de quem gosta de triturar criancinhas inocentes. E, bem, nós éramos criancinhas inocentes.

    Faltou só dizer que na camisa do time adversário estava escrito; "sabem de nada, inocentes". hahahahaha

    E concordo com a Nana ali em cima: um hexa cairia bem demais da conta.

    beijo

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  3. Antonio, estou rindo de rolar aqui desse post. Só posso dizer que concordo, não vale a pena chorar por seleção. De minha parte, desde 98 não ligo se o Brasil ganha ou perde no futebol. Porque, além do seu jogo de 27 x 1, em 98 também teve copa e foi um desastre aquela final, com os jogadores se arrastando em campo. Uma desilusão para mim, que levava a copa a sério. Enfim, é bom que a gente aprende bastante com essas desilusões. Você teve até mais sorte, de ter a Lara para ajudar a distrair e ligar menos ainda pro mico nacional: cada choradinha, um gol da Alemanha.

    Beijos.

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