Um novo paladar

Há coisas na vida que são imutáveis. Passam as horas, os dias, semanas, meses, anos, e continuam ali, intactas, intocáveis. Por exemplo, o posto de gasolina onde abasteço. É o mesmo há anos. Programo toda a minha vida automotiva para que isso não mude tão cedo. E digo mais: encosto sempre na bomba sete. O protocolo é sempre igual. Mesmo que o posto esteja vazio, é na bomba sete que estaciono. Desligo o carro. Tiro a chave. Oi, tudo bem? Tudo bem. Completa, por favor. Gasolina comum. É bomba sete, né? Sempre pergunto o número da bomba, mesmo sabendo que é sempre o mesmo. Passo o cartão, pago a conta e vou embora. Tanque cheio e a praxe cumprida. Há coisas na vida que não precisam mudar.

Bueno, mas há outras que mudam.

E mudam pra valer. Para contextualizar o que virá a seguir, precisarei que você pare a leitura por aqui e acesse ESTE LINK. Leia este texto escrito em novembro de 2012 e só então assentiremos em conjunto que, sim, mudanças drásticas ocorreram de lá para cá.
Estou virando um comedor de sushi, essa é a verdade. Estou viciando nessa culinária que sempre me pareceu tão inóspita. Abri minha mente e domestiquei meu paladar, comecei do jeito certo e, valha-me Deus, às vezes chego a sonhar que estou comendo sushi. Sinto desejo como se uma mulher grávida fosse. Logo eu, que sempre fugi das modinhas como o diabo foge da cruz, que sempre fui maledicente com sushi, Deus me livre peixe cru, isso não presta e talicoisa. Pois é, dei o braço a torcer. E é bom uma barbaridade.
Lamentavelmente, os pratinhos são pequenos demais para a minha fome. Mal caberia uma picanha naquele pequeno retângulo onde temos que acomodar uma variedade imensa de sabores, ao que prontamente não me faço de rogado e monto castelinhos de dois, quiçá três andares de sushis. Sim, porque não escolho sabor, eu na verdade nem os conheço. Escolho mais é pela boniteza mesmo. Se tá bonito, eu sirvo e como. Me empanturro. Passo vergonha. É que mesmo dentro das coisas que mudam, ainda há as que não mudam.
Há pessoas que são letradas em sushi. Olham para aquele recheio minúsculo e dizem até onde nasceu o peixe, não sei como conseguem. Eu prefiro distingui-los de uma forma mais prática: os que tem pimenta e os que não tem. Escalo dois times, apimentados pra esquerda e sem pimenta pra direita, eis a minha simplória organização. E depois vou degustando de maneira intercalada, um sem, um com e um gole de suco. Funciona que é uma beleza.
Dia desses aprendi a comer com os pauzinhos, graças à minha professora de cirurgia. É como pegar a pinça, disse ela. Uma frase tão simples com uma aplicação tão extraordinária. Cheio de coragem, separei os palitos e dispensei o negocinho de plástico que sempre tinha que pedir ao garçom, não sem uma extraordinária timidez. Essa é a hora em que se separam os homens dos guris. Peguei os paus como se fossem a pinça e, voilà, magicamente passei a manobrá-los como se tivesse antepassados japoneses e sangue nipônico correndo em minhas veias. Silenciosamente, semicerrei os olhos, baixei a cabeça e fiz uma oração a Buda em agradecimento.
Meus amigos mais antigos riem da minha cara. Bastião do tradicionalismo que sempre fui, ver envergar o cerne faz com que as pessoas façam chacotas com meus novos hábitos, com minhas novas escolhas. Eu não me importo, dou de ombros. Algumas coisas na vida simplesmente mudam, tem seu tempo certo de acontecer, de sofrerem uma reviravolta. Feliz de quem reconhece a mudança e lida bem com ela. É preciso amadurecer para o novo, não importa quando. No início a gente estranha, mas logo acostuma. É tipo manipular uma pinça. Empunhadura de lápis.

1 comentário:

  1. Sushi é viiiiiiiiiiiiiiiiida!
    Fui ler o texto antigo e morri de rir. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Mas homi, tem muita comida boa nesse mundo, mas sushi é bom demais!
    Aqui pertinho de casa tem um rodízio que dá pra comer tanto, mas tanto... Eu num aguento, mas quem tem disposição só deixa mesmo o reboco das paredes. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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