O CELULAR ALADO

Ser pobre é uma arte. Aliás, pobre não, que dizer isso seria uma injustiça com os verdadeiros miseráveis e marginalizados, gente que não tem nem o que comer.
Ser povão é uma arte. Lamber a tampinha do iogurte, juntar tocos de sabonetes pra fazer um só, colocar bombril na antena da televisão, participar daquelas festinhas infantis que são uma zona, entre as tantas outras peripécias que enfrentamos em meio à essa miscelânea tupiniquim.
Já escrevi, inclusive, sobre os ônibus e as árduas jornadas que travamos diariamente dentro deles. Eu, mesmo, pego dois pela manhã, para vir até o trabalho. E, seguidamente, o segundo passa antes do primeiro, o que me obriga a enfrentar uma homérica lomba acima, de cerca de dez minutos.
E eis que ontem foi um desses dias. Estava eu tranqüilo, sentado no primeiro ônibus, quando, pela numeração, identifiquei que o da frente era o segundo. Era o momento de ser ágil, encarnar o Robinho e driblar dezenas de pessoas, correr como o Ben Johnson, saltar como o Jadel Gregório e grudar nas barras assimétricas do ônibus como o Mosiah Rodrigues. Sim, pegar um ônibus é praticamente um pentatlo moderno.
Rápido como um guepardo, disparei. Estava com sorte, pois a sinaleira (semáforo, para quem não é gaúcho) estava fechada. Mas, quis o destino que, a dez metros da porta, a desgraçada da sinaleira abrisse. Num gesto desesperado, dei murros na lateral do ônibus, acompanhado por uma tia, não com o mesmo vigor físico que este que vos escreve, mas com a mesma pressa e avidez.
É aí que entra o personagem principal da história. Meu celular, até então quietinho no meu bolso, num ato heróico, gritou: "deixa pra mim"! E, num gesto de extremo altruísmo e doação em prol do próximo, jogou-se para baixo da roda do ônibus, fazendo um simples "clec". Era o fim glorioso de um mártir. O ônibus parou. Juntei suas migalhas do chão, aos olhos de centenas de pessoas estupefactas com tamanha coragem. Entrei, sentei e... não, eu não chorei. Daí já seria demais.
Ficou em frangalhos o pobrezinho. O visor virou pudim, o flip não fechava mais, dando a impressão de que ele agonizava ao som de Nokia Tune. A solução foi comprar outro aparelho, e lá fui para o shopping após o expediente.
Povão adora uma prestação, é impressionante. Crediário parece título de nobreza. Consegui resistir a isso por longos 20 anos da minha existência, mas ontem não teve jeito. Dez vezes de quarenta reais, oh, vida cruel. Queria um aparelho que tirasse fotos, tocasse mp3, dançasse can-can e fizesse a janta. A moça disse que para ter os últimos dois, eu teria que fazer um plano e blábláblá, coisas de operadora telefônica.
Três horas depois, após a guria quase surtar com o atendimento da Vivo, finalmente meu brinquedinho novo funcionou. Povão é brabo, fiquei mexendo naquilo até quase meia-noite. Bom, ficou a lição. Doravante, nada de carregar celular em bolso aberto. Ainda mais se o danado for metido a valente. ¬¬

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