O Saudosista (5)

Domingo, enquanto mexia na minha carteira, deparei-me com minha carteira de motorista, e percebi que no próximo ano já terei que renová-la. Lembro de quando fiz as aulas de direção, das primeiras vezes que dirigi, ainda na carteira provisória, tendo inclusive quase matado minha mãe de susto na primeira vez em que ela saiu comigo ao volante. Não fossem meus brilhantes reflexos, eu teria beijado o poste apaixonadamente e esfacelado, um a um, os nobres componentes da minha arcada dentária.
Nessas horas, o cara percebe que o tempo, de fato, passa. Não que me preocupe, né, fazer o quê, é algo inevitável mesmo. Mas, é curioso, pois é nessas horas que percebo quanta coisa mudou, ainda que eu, por diversas vezes, me enxergue com aqueles mesmos dezoito anos, apenas fazendo “updates” na minha personalidade.
A partir daquela constatação perante o documento de habilitação, e tendo falado bastante sobre minha vida no fim-de-semana, a aura saudosista aproximou-se lentamente, afetando inclusive meu inconsciente, que me fez sonhar nessa noite passada com uma época dourada dos meus tempos de escola: o terceiro ano do Ensino Médio.
Não costumo lembrar dos meus sonhos, e raramente eles fazem algum sentido lógico. Apesar de esse de ontem também não ter pé, nem cabeça, pude rever meus ex-colegas, caminhar pelos corredores da escola e reencontrar as professoras daquele supimpa ano de 2002. Na minha história imaginária, estávamos num fictício último dia de aula, quando finalmente saberíamos quem havia passado de ano e, fatalmente, seguiria seu rumo longe dos colegas.
De repente, caí em prantos. Coisas de sonho mesmo. Chorando compulsivamente, andava a esmo pela escola, quando encontrei Arlete, minha professora de História e Geografia, que perguntou o que estava acontecendo comigo. Sabe quando a gente mexe a boca no sonho, mas não sai palavra alguma? Pois é, foi a resposta que eu dei pra ela, que ouviu, me aconselhou e, pasmem, eu parei de chorar. Ou seja, desabafei com a professora algo que eu não sei o que é, ela respondeu com palavras que eu igualmente desconheço e eu fiquei bem! Vá entender...
Lembro de alguns colegas que encontrei no sonho. Por incrível que pareça, gente que faz uns setenta e dois anos que eu não converso. Tinha a Tici, que eu enxergo todos os dias de dentro do ônibus, esperando o dela na parada. Provavelmente, isso influenciou na presença dela no sonho. Também lembro nitidamente do Arthur, outro que eu nunca mais vi. Havia mais gente, mas não sei ao certo quem eram.
Depois que acordei, agora pela manhã, fiquei recordando as peripécias daquele ano marcante. Entre tantas confusões adolescentes, conflitos emocionais e irresponsabilidade como aluno, ainda posso dizer que aproveitei bastante e fiz vários amigos. Tem o Tobias, colega meu naquele ano, que às vezes passa de moto na frente da minha casa, bem quando estou chegando, ou saindo. Ele sempre pára, me cumprimenta e segue em frente.
De vez em quando, sigo encontrando alguém daquele tempo, com exceção do Cláudio, que é meu amigo até hoje e com quem convivo bastante. Todos adultos, vários quilos mais gordos, emancipados dos traços adolescentes que nos acompanhavam, porém conservando o mesmo olhar, fisicamente muito parecidos com o que éramos, apenas tendo sofrido o amadurecimento natural dos quase seis anos que passaram.
De todas as lembranças que carregamos dos nossos tempos passados, creio que os tempos de escola são os que contêm a maior carga de saudosismo. Por ser um tempo despreocupado com compromissos profissionais e familiares, nossas mentes possuíam mais espaços livres para armazenar informações e lembranças, que ilustram as conversas a cada reencontro casual, ou mesmo quando se conta para outra pessoa uma história daquele tempo. Se eu parar pra pensar alguns minutos, consigo inclusive esboçar a lista de chamada daquela turma. Eu era o número sete, após uma legião de três Anas Paulas (vê-se que já naquela época esse nome me acompanhava...), duas Alines e a Amábili. Éramos trinta e sete. Foi um ano maravilhoso, o qual me orgulha ter vivido. Aliás, nunca gostei tanto da minha vida, quanto agora. Como é bom se gostar, se aceitar, curtir a sua história, não é? Mas, isso já é assunto para outro texto...

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