Carta ao Papai Noel

Buenas, Noel!

A uma semana do Natal, acredito que a correria já faça parte da sua realidade presenteadora. Mas, não se preocupe, aqui não vai mais um pedido de presentes. Porém, peço que deixe os duendes cuidando da logística de distribuições por alguns minutos e leia com atenção o conteúdo dessa carta.
Sabe, Noel, não lembro de ter escrito alguma carta para ti durante toda a minha infância. Talvez pelo fato de saber que meus presentes viriam de qualquer jeito, e também por não ambicionar brinquedos impossíveis de se ganhar, daqueles que só recorrendo à tua pessoa, mas a verdade é que, oficialmente, nunca nos comunicamos (a não ser quando meu pai se vestia com teus trajes).
Bom, mas para tudo há uma primeira vez, não é? E a minha, por sinal, tem um fim diferenciado, já que não estou escrevendo para pedir, e sim para agradecer. Não sei se alguém faz isso depois que passa o Natal, se te enviam cartas agradecendo pelas solicitações atendidas, ou mesmo se no Pólo Norte existe alguma espécie de SAC, para atender a reclamações, trocas de roupas com tamanhos errados, peças faltando em brinquedos, bonecas que não falam, essas coisas. Ou, ainda, se te enviam qualquer tipo de felicitação pelo Ano Novo, nem que sejam teus amigos mais próximos, como o Coelho da Páscoa, a galera do presépio e os próprios parentes da Mamãe Noel.
De qualquer forma, resolvi redigir esta carta antes do Natal, como forma de reconhecer teu esforço, pois, mesmo nos áureos anos da melhor idade, segues firme alegrando crianças pelo mundo afora, usando os mais diversos nomes (não deve ter sido fácil aprender tantas línguas).
Bem, raciocinando logicamente, tu deves estar pensando no porquê de eu te mandar essa carta agradecendo, se mencionei antes que jamais havia escrito para ti antes, não é? Elementar, meu caro Noel, eu já esperava por isso. Vocês, figuras folclóricas, sempre desconfiados. Sei que deves estar pensando “quero ver quando vier a facada”, afinal de contas, são teus cavacos da profissão, ainda mais nós, brasileiros, que costumamos agradar bastante inicialmente, de modo a persuadir a pessoa e amolecê-la a ponto de não recebermos um não como resposta na hora do pedido. É, mas não é disso que vou tratar a partir de agora.
Noel, Noel, sabes que, quando somos crianças, é fácil crer na tua existência. O mundo imaginário dos pequenos permite aceitar a idéia de um velhinho obeso que, todo fim de ano, carrega um pesado saco nas costas, cheio de brinquedos, e distribui gratuitamente a todas as crianças do mundo. Além disso, não surge sequer uma dúvida quanto aos teus meios de transporte, ou aos meios que usas para atender a demanda infantil em todo o globo terrestre, já que consegues executar a tarefa com êxito num curto espaço de tempo.
Tuas roupas também não são questionadas pelos cérebros infantes, preocupados apenas em receber seus presentinhos. Agora, convenhamos, num país tropical como o Brasil, em pleno mês de dezembro, usar casaco, botas, gorro e ainda ostentar esta vasta barba branca, é tarefa digna de um mártir.
Baseado nesses argumentos, nós, os adultos, começamos a questionar tua real existência e, furtivamente, te classificamos como parte do folclore. Digo furtivamente, porque é a maneira mais fácil de encontrar alguma lógica nas histórias que nossos pais contavam durante a infância, de que “se não te comportares, o Papai Noel não trará teus presentes no Natal”. Que maldade, né, creditar a ti a culpa por possíveis deslizes que viéssemos a cometer.
Pessoalmente, nunca acreditei piamente no fato de tu saíres lá do Pólo Norte, com tuas renas de estimação, e se largar mundo afora em direção a Novo Hamburgo, tudo isso apenas para me trazer um helicóptero do Rambo, cujas hélices duraram poucos minutos em minhas desastrosas mãos. Ora, Noel, sei bem que foi minha mãe quem o comprou, pediu para a moça da loja embalar e deixou perto do pinheirinho, na intenção de me iludir e fazer com que eu acreditasse que tu tinhas mesmo deixado ali para mim.
Com o passar do tempo, à medida que cresci, comecei a analisar os fatos, juntar pistas, informações, prestar mais atenção nas aulas de História, até que, finalmente, consegui chegar à conclusão mais sensata a respeito da tua existência.
Confessa, Jesus! És tu, danado, que criaste essa personagem, de modo a imbuir as criancinhas na doçura do bom velhinho e obter bom comportamento durante todo o ano. Ora, meu caro, foram anos de pastoral da juventude, indo à missa, interpretando passagens bíblicas, estreitando nossos laços. Como pudeste subestimar minha inteligência?
Tudo começou com o famoso “deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos Céus”. Depois, as histórias de Santa Claus, um religioso que distribuía presentes aos carentes. Some a isso o fato de o Papai Noel aparecer justamente no teu aniversário e a inteligentíssima manobra de fixar sua residência no Pólo Norte, contraponto ao árido clima da Galiléia, que considero um grande despiste aos desavisados.
Eu confesso que, analisando pelo ângulo da descrença geral das pessoas em ti, corrompidas por tantas interrogações e dúvidas a respeito da Igreja, que insistem em afastar todos da fé, camuflar-se de Noel consiste numa forma de manter um elo com a humanidade. Infelizmente, as pessoas estão cada vez mais compelidas à rebeldia, ostentando a imponência de não precisar crer no que a Igreja Católica prega e, a partir disso, tratar de apedrejá-la à vontade.
Mal sabem estes que a fé vai muito além disso. Que, te classificar como Jesus Cristo, o filho de Deus, nada mais é do que uma forma de cultivar o bem, sem precisar criticar as pessoas que acreditam em outros deuses, já que todos estamos sob a batuta de uma força maior, por mais que discursos ateístas insistam em tomar caminhos contrários.
E é justamente por isso que eu venho te agradecer, Noel, Jesus, ou seja lá por qual nome te chamem. Muito obrigado por, em 2007, teres me devolvido a crença na vida, no sentido de praticar o bem e acreditar que minhas atitudes também podem ser um presente na vida das pessoas. Agradeço por fazer de mim um instrumento do Papai Noel, através da voz, do coração, da escrita, enfim, através da minha pessoa.Obrigado por estabilizar meus passos, pela maturidade que me concedes diariamente e por me mostrar que não estou sozinho nessa caminhada diária. Na próxima semana, serás denominado Papai Noel, durante o ano foste algumas vezes Jesus Cristo, outras vezes o “meu Deus do céu”, porém, intrinsecamente, sei que tens o nome mais curto de todos, que rege meus passos e alimenta meus sentimentos, atitudes e vivências: FÉ.

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