Café no bule - Parte 2

- Ah, mas antes de começar a estudar eu quero meu café no bule... – disse isso piscando para mim, de uma maneira que jamais havia visto alguém fazer.

Agradeci aos céus por não ser cardíaco. Meu coração disparou, como um atleta sedento por bater o recorde dos cem metros rasos e comecei a suar por todos os poros possíveis, o que dava adeus aos meus dois banhos.

- Va-vamos... Só que, be-bem, eu... – meu nervosismo levou minha dicção para a Oceania, e eu fiquei feito um paspalho sem saber o que dizer.
- Já sei – ela tomou um tom compreensivo – tu não sabe fazer café no bule, né?
- É... – admiti, cabisbaixo.

Era o meu fim. O término de uma semana de ansiedades, pesquisas, suores noturnos e insônia. Ela contaria para toda a turma da minha inexperiência, da maneira mentirosa como havia afirmado que sabia fazer o tal café, mas na verdade não passava de um biltre ordinário, um primeiro de abril, um nada. Desejei com todas as minhas forças me transformar num avestruz, para esconder minha cabeça no primeiro buraco que encontrasse.

- Então vem cá, que eu te ensino... – disse dirigindo-se para a pia, onde se escorou com as duas mãos e me esperou.

“Ressurreição existe”, foi a primeira coisa que pensei. Devia ser o efeito das orações do Bozó. Eu tinha fracassado em minha missão, admitido minha falha, e ela, ainda assim, entendeu meu dilema. Era mesmo uma adulta, uma mulher de verdade, uma santa. Minha vida sexual estava salva. Contaria aos meus netos aquela odisséia, aquele monumento escorado na pia me esperando.
Pensei em sair correndo e jogar-me em seus braços, mas pensei que seria muito selvagem. Por outro lado, se fosse muito devagar, pareceria que estava desinteressado. Por isso, me dirigi com firmeza, mas sem perder a elegância. Parei ao lado dela e respirei fundo três vezes. Esperaria o próximo sinal para entregar-me às delícias da paixão. E ele veio:

- Tá, e cadê o bule?
- Co-como assim?
- Ai, não vai me dizer que tu não sabe o que é o bule...

Claro! O bule! A parte masculina da história era o danado do bule. Eu deveria ter pensado nisso antes, aquele objeto metálico e com a haste comprida, por isso o nome. Sim, faltava eu apresentar as armas, contribuir com a minha parte na história. Eu dava o bule, ela o café. E faríamos tudo ali mesmo, na cozinha, por cima das louças da minha mãe, sôfrega e freneticamente, como o Bozó e o Merenda jamais imaginaram que pudesse ser.
Ela ficou me olhando com uma cara de pressa. Esperava por mim, pelo bule. Sem saber direito o jeito de agir, segui o instinto e, de sopetão, baixei minhas calças até as canelas. “Pronto, ela já tem o bule, agora é só esperar o café”, pensei. Fechei os olhos e entreguei-me às sensações que viriam a seguir.
Porém, tudo o que escutei foi um grito de pavor. Sim, um berro estridente:

- TARADO!

E, antes que meu primeiro olho estivesse totalmente aberto, senti cinco dedos espalmados na minha cara com tamanha força, que meus dentes pareceram trocar todos de lugar. Ainda a vi pegando seus materiais e correndo porta afora, antes de me desequilibrar com a força do bofete e tropeçar nas calças, caindo por cima de uma caixa de ovos que estava em cima da pia e batendo o queixo na quina, que me fez ficar completamente grogue.
Ao ouvir a gritaria e o estrondo da minha queda, minha mãe veio conferir o que estava acontecendo. Lidiane já estava longe de casa, certamente. E eu, caído na cozinha, com o peito todo lambuzado de claras e gemas e uma poça de sangue que jorrava do meu queixo, além de estar completamente nu da cintura para baixo, que era a parte mais humilhante.
Nem tentei explicar. Permiti, com parcimônia, que me levassem para o pronto-socorro, apenas isso. Pensei em solicitar a eutanásia, mas tudo o que consegui foi um atestado de três dias e cinco pontos no queixo, que me garantiram ficar em casa até o fim da semana. Trancado no meu quarto, sem dizer uma palavra sequer, imaginava a quantidade de piadas que fariam a meu respeito.
O meu trunfo contra os guris foi o travecão do Merenda, o qual descobri depois que o Bozó também visitara algumas vezes. Pelo menos ali, ficou elas por elas. Lidiane, essa sim, nunca mais me olhou nos olhos. Só depois fui descobrir que o café do qual ela falava era café mesmo, de beber, e que ela preferia o bule porque tinha morado com uma avó no interior, que sempre o preparava dessa forma.No fim das contas, ainda permaneci virgem por algum tempo. E, para não dizer que não estudei nada de Português naquele dia, pelo menos ficou a lição de aprender a diferenciar o sentido figurado, do sentido literal das coisas. A cicatriz no queixo, certamente, não me deixará mais esquecer disso.

17 comentários:

  1. Antóóónio, que momento!
    Ai, desde que conheço teu blog queria escrever isso, hehe
    Que história hein, mas na real, é verdade tudo isso? Pq eu queria saber assim, você contou esse momento pros teus amigos e família, ou eles só saberão quando lerem aqui? ahahh
    Muito legal, mas ó, não deixe mais ninguém na curiosidade viu, isso faz mal! hehe
    Bjão gaúcho querido!

    ResponderExcluir
  2. "A cicatriz no queixo, certamente, não me deixará mais esquecer disso."

    Como se precisasse da cicatriz, né?

    Muito bons teus textos, moço! Tu escreves muito bem e eu gosto das palavras bem escolhidas e bem colocadas.

    Parabéns pelo blog.

    =)

    ResponderExcluir
  3. Fiquei feliz em não ter lido nada o fim de semana inteiro, assim pude chegar aqui hoje e ler as duas partes seguidas, de uma vez só...
    Ainda bem! Pois seria terrível ter que esperar pra saber o final da estória...
    Aí aí... pelo menos a lição do português foi bem aprendida, né?
    Amei!!!!!!!!!!!!!!

    Um beijão pra tu!

    ResponderExcluir
  4. ah.. mto booom!! valeu a pena esperar o final de semana todo para conferir o final! ;D
    a parte da eutanásia foi a melhor! hahaha

    já atendi ao seu pedido, viu! tirei as palavrinhas.. mas na verdade, eu nem sabia que elas estavam lá! falta de atenção total!!!

    beijos e boa semana!

    ResponderExcluir
  5. Aí está um exemplo de situação em que a libido dá um murro na cara da consciecia e toma a dianteira no que diz respeito ao nosso controle...

    Muito bom o texto.

    Abraço, mano velho!

    ResponderExcluir
  6. cara, essa historia eh veridica??
    aeuhauehuahueha
    adoreeeeeeei!!
    qnd o vander chegar do trabalho vou contar pra ele que vc jah postou e ele vai vir looouco querendo saber..
    olha, eu jah imaginava q o café fosse café msm.. mas esse final ae, de ir parar no hospital fi alem das minhas expectativas!

    ResponderExcluir
  7. Hehehehe!
    Imaginei que ele ia se dar mal! =]
    Muito boa a história!
    Abraço, bruxo!

    ResponderExcluir
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  9. hauahuahua...coitaaaaaaaado do mooooço!!

    Tomara q nao tenha traumatizado!!! hauhau

    Beeeijos! Boa semana!

    ResponderExcluir
  10. Hahaha, adorei!
    Pelo menos ficou a lição de diferenciar o sentido figurado do real. Se bem que esse seria muiiito figurado para significar alguma coisa! =P
    A parte de estar nu da cintura para baixo realmente é a mais humilhante. E, claro, todas as piadas geradas pela cena.
    Só espero que não seja real!
    Beijo!

    ResponderExcluir
  11. quando eu parar de rir, volto aqui pra tentar comentar alguma coisa.

    ;)

    ResponderExcluir
  12. kkkkkkkk

    o melhor de tudo foi a queda em cima da caixa de ovos.
    e sempre tem uma quina pra arrancar um pedaço né? kkkkkkkkk

    =*

    ResponderExcluir
  13. espera aí que eu ainda tô rindo kkkk

    ResponderExcluir
  14. Gostei do trocadilho. Café, bule, vida sexual.
    Mas, convenhamos, eita mente fértil rapaz! Cheio dos hormônios e segundas intenções.
    Gosto do modo que tu brinca com as palavras e o tom de humor que tu dá à elas.

    - Afinal. Foi real?

    ResponderExcluir
  15. ahuhauhahauahauah Tonho, sei que to atrasada com seu blog.. mas valeu muito a pena ter lido tudo.. ahuahuahhauahuahuahuahauhauhauhauha eu precisaaaava saber o final dessa história... que formidável! Bem feito pra vc, seu TARADO!
    Estou com saudades..
    Beijo!

    ResponderExcluir
  16. Há, há, há... O Froudo tinha razão...

    ResponderExcluir
  17. Eu continuo sem saber fazer café no bulee!

    :~~

    Bela história AAA! manda mais que a gente quer ler! o/

    ;*

    ResponderExcluir

<< >>