Parafuso de patrola

O mundo desaba sobre a terra em forma de água. Chove uma barbaridade no Rio Grande do Sul. Penso, inclusive, em retomar aquela idéia de Noé. Porém, não pensem que abomino também esta condição climática (e, por que não dizer, aquática). Sou simpático a ela, ao contrário do atroz frio que me corrói o pâncreas durante o inverno. Chuva, pelo menos, serve para criar água, ao contrário das temperaturas glaciais, que servem apenas pra proliferar ursos polares.
Ontem o coral foi apresentar-se em Canela, na Serra Gaúcha. Serrano que sou, antevi o clima ártico que faria por lá, baseado nos poucos graus de Novo Hamburgo, e tirei do roupeiro o meu bom e velho poncho, típico combatente das comuns frentes frias dessa época. Quando saímos daqui, pela manhã, chovia a cântaros, o que ratificou a convocação do meu artefato pampeano.
A apresentação foi interessante, correu tudo dentro dos conformes, com exceção de uma menina que desmaiou na metade da missa. Cantávamos faceiramente, quando CABUF!, sai a guria erguida por dois coralistas, branca como a neve, só que sem os anões. Mas, abana daqui, sacode dali, joga água benta de lá, desfibrila acolá, logo ela acordou e, pasmem, voltou a cantar!
Bom, mas esse foi apenas um episódio à parte. Fomos almoçar e, finalmente, passear na européia Gramado durante a tarde. Ainda sem total noção da temperatura, vesti meu poncho todo possante e saí do ônibus orgulhoso pela manobra anti-frio que estava completando. Foi quando vi o primeiro gramadense passando ao meu lado de mangas curtas. Ao olhar para cima, uma surpresa: um raio de sol iluminava minha face, ainda em estado de choque com tamanha barbárie.
São Pedro aprontou um chiste jamais visto pra cima de mim. Virei centro das atenções na cidade. O sol, fulgurante, raiava solenemente, e o Antônio, índio velho grosso como parafuso de patrola, com aquele amontoado de lã pairando sobre a pobre carcaça. Birrento que sou, recusei-me a tirar o apetrecho, em sinal de protesto a tamanho acinte que a meteorologia me aprontara. Além do que, pensei que em seguida o sol sumiria e daria lugar ao tempo fechado, situação comum na Serra nesse época do ano.
Porém, o que se via era o contrário. A tarde passava e o sol permanecia impávido, torrando minha cara e transformando todos os estabelecimentos nos quais eu entrava numa verdadeira sauna. A cada rua pela qual eu caminhava, percebia os risinhos e comentários mal intencionados sobre meu gauchismo desmedido. Senti vontade de discutir com eles, protestar, com o dedo em riste, que meu avô me presenteou com o poncho na melhor das intenções, que o comprou em Bagé, em mil novecentos e Dercy Gonçalves, que é feito de lã pura e... Bem, se eu apelasse para lã pura, naquele calor do caramba, aí mesmo é que as chacotas se multiplicariam.
Até o povo do coral estranhava minha persistência epopéica. "Tu ainda não tirou isso?" foi a pergunta que eu mais ouvi até embarcarmos no ônibus novamente. Contudo, nada me fez perder a convicção de que o frio chegaria, o que, de fato, aconteceu no exato momento em que entramos no ônibus. Indignado, guardei o poncho no bagageiro e resignei-me à minha condição de alvo de piadinhas incessantes.
Pois, da próxima vez, que a era glacial aterrorize Canela! Que os pingüins organizem motins na Serra Gaúcha e que se prepare picolés ao relento! Ainda assim, andarei de regata pelas ruas, como quem contempla uma temperatura caribenha e, de quebra, tomarei um delicioso sorvete para delírio geral da nação. Vida injusta essa. Justo quando me preparo para combater o algoz das minhas falanges, resolve fazer calor em Gramado! E depois eu que sou do contra...

16 comentários:

  1. O "desfibrila acolá" foi o melhor!
    Adoro Gramado, com frio ou calor. Incrivelmente já passei calor em Gramado, mas nunca a ponto de estar usando poncho (ou outra roupa quente assim) enquanto um morador usa manga curta. Hahaha! Passei calor de manga curta mesmo em pleno abril, assim como também já quase morri de frio lá em abril. Não é fácil acertar! =P
    Que saudade de Gramado e daquelas casinhas e ruas com jeito europeu!
    Beijo!

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  2. Mas que audácia essa do tempo em???
    Caramba... Eu queria muito ter te visto nessa situação... Mas a descrição foi tão boa que consegui imaginar tudo nos mínimos detalhes...

    hhehehehe

    Um beijão pra tu "guri"

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  3. Ah! E tô em débito contigo...
    Tu me perguntou se, quando fui praí, senti diferença nos jornais locais. Confesso que nem reparei nos jornais, mas senti uma diferença só em andar pelas ruas... Quando estava no ônibus, ouvi uma "guria" conversando com a mãe e achei super engraçado o jeito que ela falava. Tentei imaginar aquele diálogo em "pernambuquês", mas confesso que foi difícil.
    E mais, vocês falam muito rápido. Passei uns dias pra me acostumar com meus cunhados falando, mas depois consegui entender bem...
    E, se eu já tinha certeza, agora tenho mais ainda: esse sotaque do Rio Grande do Sul é o mais lindo do mundo!!!!! heheheheh

    Beijão

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  4. Bruxo, me matei rindo com esse post!
    Só imagino tu passeando em Gramado com aquele poncho e todo mundo rindo de ti...
    Eu morreria rindo... heheheh

    Abração!

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  5. Ant�nio, querido! Eu morro de rir com seus causos gauchescos! Eu morrooo de rir, menino! rsrsrsrsrs
    Mas n�o fique de regata no frio, n�o, faz mal!
    Beijos

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  6. Antes de qlqer coisa:
    eu sabia que vc ia comentar sobre minha cor naquela foto!
    kkkkkkkkkkkkk
    já coloquei pensando no seu comentario!
    uahauahuahaha


    e essa da menina que desmaiou foi otimo!
    kkkkkkkkkkkkkkkk
    seu teimoooooso!
    teimoso que só uma mula!
    uahuahauahauhauahau

    Boa semana, amigo liiiiindo
    ;********

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  7. Teu pala pode não ter te ajudado em Gramado, mas com o frio que estão dizendo que fará aqui em casa essa semana, seria de grande utilidade pra mim. =]

    Bah, mas eu só queria ver a tua cara em Gramado indignado com o calor, deve ter sido muito engraçado.

    Beijão!

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  8. Morar no sul é uma arte, você sente o vento matinal se enche de roupa, ao chegar na escola ou trabalho, se depara com outros colegas de regatas e mangas de fora. Você sente o frio da noite, poe um sobre tudo chega no lugar, so ve as pessoas sem casacos com o rosto vermelho de calor. E o pior é quando você sente o calor da noite, chega no lugar e se da conta que é frio... meu Deus é dificil acertar o que vestir... eu q o diga... sempre passo destas..

    bjs

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  9. Menino, sabe que hoje...enquanto nadava (ops,andava) pelas ruas de Porto Alegre com um baita guarda-chuva, só conseguia pensar: porque agora que cresci ninguém me obriga a usar botas de borracha?!

    Beijos Doces,
    Pitanga

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  10. ai antônio... adoro teu jeito de transformar causos em acontecimentos extraodinários.

    querido, da próxima vez use uma camiseta florida a lá jack johnson.


    voltei a postar.

    bjo*

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  11. Eu fico p da vida com essas alterações climáticas repentinas também. Já não basta eu abominar o frio, ainda tenho que sair vestida com blusa de frio de manhã e preparar-me para um eventual calor de rachar durante o dia, aqui em Sampa. Essa estação é terrível pra mim (só não ganha do inf/verno).
    Bjitos!

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  12. Mas é exatamente assim. Sábado deixei de colocar um vestido que adoro por achar que ia fazer frio, morri de calor e só vi shortinhos e saias ao meu redor!
    .
    Não sei se já tinha comentado aqui, mas adoro o nome do seu blog. Me lembra uma noite com minhas amigas no sítio que tudo que acontecia falávamos: 'Que momeeento!' uehaeuheauhae.


    :*

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  13. Eu acho que vc deveria fazer um baixo-assinado contra São Pedro! Onde já se viu fazer uma coisa dessas!! rs

    Antônio e suas peripécias! ahhaha

    beijo

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  14. Morri de rir lendo esse post de hoje. Tadiinho. Dá um dó quando a gente sai de casa preparado pra uma coisa e se lasca todinho. hauiahaiuhaeuieahuiha Já aconteceu comigo aqui em São Luis. Me preparei para um longo dia de frio onde minhas botas seriam finalmente retiradas do armário e exibidas nas ruas, e o que vi foi um dia de sol onde até mesmo havaianas pareceriam desconfortáveis. bem, me ferrei.. mas foi tão engraçado quanto esse situação que tu viveeu. ;D

    A propósito, eu estou mesmo sem tempo pra nada. Tadiinho do meu msn.. quase não tem me visto. ;D

    Um beeijo ;*

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  15. Sempre cômico. E me fazendo lembrar de minhas peripécias climáticas... aqui no Rio todo mundo anda nu... daí surge uma manhã chuvosa e cinza há uns 15 dias... ótima oportunidade de usar minha bota nova!
    Ótima se não tivesse aberto um sol de uns 30 graus ao meio dia que perdurou até o entardecer me fazendo passar uma situação constrangerora assim como a sua. Onde vai aquela louca de botas?
    Olha lá... comprou e tem logo que usar! rsrsrs

    Saudades e montando o blog novo graças ao seu incentivo de sempre... agora mais forte, em vez de tequila, cachaça!

    bj

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  16. Noé (foi bom), mas imagino como eu me sentiria sendo um dos que ficaram fora da arca. Tenho uma absoluta certeza que não foi algo muito agradável, pelo fato de não ter sido escolhido ou aceito, pois não sei o critério de avaliação daquela época.
    Alguma coisa contra os ursos polares? São apenas seres vivos que necessitam de ambientes “gelados” para sobreviver, tenho certeza que eles também acham nossos climas um tanto desagradável. shuashauhs
    O desmaio... Ela também deveria estar passando por um dia daqueles.
    Õ pessoa! Leve essa situação de: risos, brincadeiras, olhadas definindo-o idiota como uma fugaz experiência meteorológica, que vai repetir por muitas vezes ainda. Mas, não se preocupe há poucos anos irão inventar dispositivo climático de mão.

    bj. de dentro = D

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