Meus bichos de estimação

Comprei uma cachorra. Linda, grande, robusta, um amor de bicho. Foi cuidadosamente treinada, é daquelas que busca os chinelos, atende ordens e deita ao meu lado enquanto leio jornal. Em poucos dias, ficamos muito amigos. Confio cegamente nela, bem como ela também deposita total confiança em mim.
Quando chego em casa, demonstra muita alegria ao me ver, como se estivesse sorrindo. Balança o rabo, corre de um lado para o outro e late, como se estivesse anunciando a melhor hora do dia. Passamos longas tardes de domingo brincando, rolando na grama, porque se sujar faz bem.
E, pra completar, é uma ótima guarda. Durmo um sono tranqüilo, pois sei que a casa está sob olhares atentos e cuidadosos de minha fiel companheira. Acredito nela, sou feliz com sua companhia e tenho certeza de que construiremos uma longa parceria.
Meu único problema foi encontrar um nome para batizá-la. Pensei, pensei, mas nenhum me agradou. Passei dias tentando imaginar algo emblemático, marcante, que tivesse grande valor e significado. Foi então que descobri que ela já tinha um nome, o melhor de todos. Minha cachorra chama-se Auto-estima.

Outro dia, pousou na minha janela uma sabiá. Coisa mais rica do mundo a passarinha. Quando ela canta, até minha cachorra fica contente, parece que aumenta de tamanho. Sempre que aparece, cato alguma fruta, milho quebrado, ou mesmo um pote com água e deixo ali, para que se farte.
Contudo, ela nunca fica muito tempo. Canta um pouco, me alegra e voa para seu ninho, onde alimenta seus filhotes e cuida da sua vida. Passam-se alguns dias e ela volta, ainda mais formosa, entoando assovios harmoniosos e leves para meus ouvidos.
Por ser quase um bicho de estimação, também resolvi batizá-la. Dei-lhe o nome de Paixão.

Por fim, comprei um gato. Ainda que minha cachorra fique feliz quando a sabiá aparece na janela, percebi que ela precisava de um companheiro diário, que estivesse sempre disposto a brincar. E o bichano, devo confessar, era um verdadeiro presente de Deus. Exuberante, peludo, mimoso, coisa de exposição mesmo.
Pensei que a cachorra fosse sentir ciúmes, mas não, se deram muito bem. Brincaram, rolaram pelo chão, era lindo de assistir. Concluí que, finalmente, eu possuía animais de estimação suficientes. Faltava apenas batizar aquela escultura em forma de gato.
Foi então que comecei a notar algo estranho. Minha cachorra começou a emagrecer, os pêlos tornaram-se quebradiços e ela parou de brincar. Já não exultava quando eu chegava em casa, pelo contrário, permanecia inerte em sua cama, como que sem vontade de fazer nada. Enquanto isso, o gato mostrava-se agressivo e impaciente.
Para tirar a história a limpo, resolvi tirar um dia de folga e ficar em casa com os dois. E, finalmente, descobri o xis da questão. Cada vez que a cachorra chegava perto de mim, o gato eriçava os pêlos e a arranhava no rosto. Não permitia sequer que a pobre comesse. Notei também que a respiração dela apresentava uma certa dificuldade em virtude da montoeira de pêlos espalhados pela casa.
Resolvi devolver o gato ao seu dono anterior. Coloquei-o numa gaiola e levei-o de volta. Relutante, o rapaz aceitou, mas confessou que teria de arranjar outro destino para o bicho, pois sua saída de casa tinha finalmente lhe trazido paz. Curioso, perguntei-lhe o nome do gato, até porque, com tanta confusão, nem tinha mais lembrado de batizá-lo. "É Amor", ele respondeu, reticente...

De lá pra cá, a vida tem sido assim: o Amor, depois de só trazer contratempos, foi embora. Da Auto-estima cuido eu, que em melhores mãos ela não pode estar. E, claro, quando a Paixão aparece, é aquela festa. Pena que é só de vez em quando.

13 comentários:

  1. Eu já ouvi uma história parecida, mas não era com bicho era tipo uma receita de culinária.

    Bjo

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  2. Nossa, adorei!
    Tudo se fecha tão certinho, com tanta perfeição.
    Espero que um dia eu consiga conciliar os três, sem grandes desastres. E desejo que vc também!
    Beijo!

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  3. Antonio, eu amo seus textos, sabe? Senti falta do meu tempo para lê-los!
    Muito, muito bom.
    Bjos

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  4. Cara, tu tá de parabéns!!!
    Esse texto é genial, criativo e divertido.
    Parabéns!!!!

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  5. Gostei... Mas acho q trocaria o nome do gato pelo do sabiá! rs. Pq a paixão é que faz realmente os estragos... rs.
    Bjs.

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  6. Ah, mas esse amor é que estava estranho...
    Sinto que deve ter outro tipo de animal de estimação para chamar de "amor", não um gato que pode comer a Paixão e brigar com a Auto-estima.
    Já pensou em arrumar outro cachorro? Mais um fiel compaheiro?

    Bjs~~

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  7. Concordo com a Lindarê. Que tal fazer do amor um outro amigo mais fiel?
    O texto ficou maravilhoso mesmo assim, tudo encaixado da melhor maneira. Quando digo que és o expert das palavras, não minto, viu?
    Beijão!

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  8. ô gente... que lindo....
    espero que a auto-estima continue sempre aí do seu lado viu!!
    abraços!!!

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  9. Engraçado essa coisa de sentimentos e animais. Eles realmente são os que mais demonstram, sem nenhuma controvérsia. Estão ali e nada os impede de demonstrar o que são. Seria bem legal se isso acontecesse com as pessoas.


    Esse texto seu me lembrou um que li há muuuito tempo, num aula de português, que a Paixão furava o olho do Amor. Tão lindo.

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  10. Tinha tempos que uma história não me arrancava um suspiro molhado, feito a tua arrancou.
    Apesar de triste, ficou tão lindo... Por um momento cheguei a pensar que tinhas encontrado um amor... Aqui, cão, gato, sabiá ainda permanescem numa perfeita simetria.

    Beijo Ton.

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  11. Saudade de ver você brincando com as palavras assim. A inspiração voltou, né Sr. Antonio?
    Mas o Gato e o Cachorro podem se dar bem. Não era assim no começo?
    Bjitos!

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  12. Que linda analogia moçinho!!!
    Gostei demais dessa história...

    Um beijão pra tu

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