Sobre os meninos de rua

Quando paro no sinal vermelho e percebo uma criança se aproximando, procuro fechar o vidro o mais rápido que puder e virar a cara para não ter de encarar a criatura nos olhos. Parece uma desumanidade, não é? Pois eu lhes digo que é vergonha. Caso não dê tempo de fazer isso, é quase certo que acabo dando uns trocados, ou comprando bala de goma.
As crianças de rua são uma das coisas que mais me dilaceram o coração. Me sinto um lixo. E, por mais que se faça algo pra mudar, sempre haverá um pequeno infante nas esquinas, granjando moedas seja lá para qual for a necessidade.
Eu sei que muitos compram cigarro, cheiram cola, ou mesmo esmolam para entregar tudo a pais bebuns, vagabundos e exploradores no fim do dia. Também sei que cinqüenta centavos, um real, não resolve a vida de ninguém. Porém, é pelo sorriso que meu coração amolece. Seja um trombadinha desavergonhado, ou um inocente obrigado por um adulto ordinário, toda criança de rua sempre sorri e agradece quando ganha uma moeda. Caso contrário, além da amargura de vê-la na rua, ainda terei de ser responsável por mais uma frustração, o enésimo "não" do dia. Serei o causador da falta de um níquel que pode gerar uma surra, um castigo, uma derrota.
E, sinceramente, não sei de quem é a culpa. Pode ser do governo, que não subsidia as famílias com suficiente base para que invistam em educação e trabalho. Ou, quem sabe, da sociedade capitalista, que gera a desigualdade social através do sentimento de adquirir, sem ao menos olhar para os lados. Talvez a culpa seja de nós mesmos, os eleitores que, inertes, nada fazemos para mudar o sistema falho que aí está.
Não sei, não sei mesmo. A única coisa que eu tenho certeza que falta é amor, compaixão ao próximo. Se eu dou um real para uma criança pedinte, posso estar contribuindo para a marginalidade, mas ainda sou contemplado com a magia de um sorriso. Estou adicionando um litro de cachaça no fígado de um pai ébrio, mas há a possibilidade de desviar o guri de alguma pancada. Faço, em suma, por solidariedade, talvez distorcida, mas que vem do coração.
Dos meninos de rua à forma de votar, não me resta dúvida que falta amor. À vida, ao outro, a tudo, as pessoas amam pouco, porque amor é algo pouco palpável, que não gera lucro concreto e não converte nada em cifras. E a maioria, seja capitalista, materialista, dêem o nome que for a isso, está esquecendo do essencial, que é ter algo dentro do coração que norteie seus atos.
Eu fecho, sim, o vidro, de vergonha de fazer parte disso. De receber um sorriso que precisa de uma moeda por dia para ter continuidade. Porque, seja da maneira certa, ou da errada, no meu coração ainda há amor. Um amor que sofre por às vezes não saber ser útil. Que me deixa num vazio maior do que dormir ao relento.
E, enquanto esse sentimento pulsar dentro de mim, vez ou outra permitirá que uma fresta fique aberta, por onde passará uma moeda. Pode ser a sobreposição da emoção à razão, o que, de certa forma, justifica minha tese de que os bons sentimentos, seja daqui a quanto tempo for, ainda valerão mais do que os milhões. Se estou certo ou errado, que me julgue quem ler estas palavras. O que não posso é deixar de tentar.

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Blogagem coletiva sugerida pela Lusinha, que se inspirou, para minha honra, num comentário meu. Vale à pena conferir o post dela sobre o tema e formular sua própria opinião a respeito!

14 comentários:

  1. Vc pensa por um lado que eu nao pensaria... E não, não vou julgar as suas boas intenções que vêm de coração.
    Também nao posso deixar de concordar plenamente com a frase: "Dos meninos de rua à forma de votar, não me resta dúvida que falta amor."

    Bjs

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  2. Uma vez eu dei pra um deles um brinquedo do João, meu filho, que tava no carro. O muluque sai correndo, pulando faceiro. Foi numa sinaleira perto do shooping.Dias depois eu passando por lá, o mesmo muleque veio, e eu reconheci ele. Perguntei se ele ainda tinha o caminhão. Ele me disse que tinha apanhado do tio dele, que juntava as moedas. Parei junto a um carro da Guarda Municipal e relatei ao fiscalizador e pedi a intervenção do Conselho Tutelar. Não sei se fui atendido, mas ficou o meu alerta. Mas o mais surpreendente foi escutar de um menino, que os próprios conselheiros e guardas batiam neles...

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  3. Meu, esse é um problema muito grande. E a gente vira sim as costas pra isso. Triste demais!

    Beeeeeeeejo meu queridooo

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  4. Bem, eu já fecho o vidro do carro por medo mesmo... Medo de me levarem alguma coisa... Mas não coisa material, como o dinheiro na minha carteira, o meu celular o meu iPod. Mas medo de levarem minha tranquilidade. Já sofri cinco tentativas de assalto e uma foi sucedida. O muleque me levou R$ 2,00, mas até hoje meu coração palpita e meus olhos conferem todos os retrovisores quando estou parada em algum farol.
    Bjitos!

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  5. Ah, e claro, obrigada de coração por participar da blogagem... Seu texto foi, com todo respeito, foda! :)
    Bjitos!

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  6. Pior são aquelas pessoas que, mesmo sabendo que "não tem jeito", ainda contribuem com tudo. Viram a cara, fazem uma careta ou até soltam um desaforo - esse último é o mais freqüente por aqui. É ridículo quando isso acontece. Parece que se esquecem de que aquele que tá ali na frente, mesmo sendo de uma classe social diferente, é humano. Parte do mesmo molde, tem a mesma essência.


    Eu sinto pena. É só o que dá pra sentir, afinal. E concordo com você - os bons sentimentos prevalecerão.

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  7. Ah, mas sinceramente? Pra mim blogs com conteúdo e layout simples como o seu são MUITO melhores e me chamam bem mais atenção do que esses blogs que só tem o design bonito.
    E também acho que precisamos compartilhar opiniões mais vezes... Quem será o próximo a propor, héin? :)
    Bjitos!

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  8. eu penso igualzinho... não olho de vergonha e tento escondê-la embaixo de um discursinho de quem já trabalhou em vara criminal e acha que nada adianta
    beijão!

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  9. Fiquei surpresa com o seu modo de ver as coisas... E sem palavras também.

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  10. Quando tem pessoas na calçada pedindo esmolas eu me comovo mesmo, já dei esmolas várias vezes e sobre crianças, eu não me lembro de ter dado esmola mas, já comprei balas no ônibus várias vezes também. Faço isso porque não consigo agir pela razão nessas horas, só sei agir pela emoção mas, o problema das crianças de rua a culpa é todo mundo, de nós, do governo, da família, para resolver esse problema todos devem se unir e ajudar como puder!

    Beijinhos!

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  11. Resultado da blogagem coletiva lá no blog.
    Obrigada, mais uma vez, por participar. ;)
    Bjitos!

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  12. Pois bem, Antônio. Há os dois lados da moeda, seja ela a da esmola ou não. Ou você mostra as caras, "fazendo sua parte" ou põe a culpa nas coroas e louros do poder. Seria muita audácia minha tentar achar a raíz desse problema das crianças de rua, mas eu fico com a teoria de que dar esmola não é apenas alimentar esta família, mas alimentar este sistema de esmolas. Se as crianças começarem a ganhar dinheiro assim, por quê ela vão querer sair da rua? Ou por quê os pais vão querer levá-las à escola? Mesmo porque, se elas tiverem pais violentos, bêbados, covardes, como se diz, eles vão bater nelas com ou sem os trocados do dia, e não é a esmola que vai mudar isso.
    Infelizmente eu já tive mais que uns trocados de tristeza pensando nisso e não cheguei a qualquer conclusão. Mas eu sei que o fato de minhas janelas estarem fechadas, não tranca também meu coração.
    Ótimo texto.Beijos!

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  13. Não há algo que me corte mais o coração do que ver meninos na rua. Alguns deles nem alcançam a porta de tão pequenos... Dói, dói muito e só me faz ter mais certeza que, de fato, falta muito amor nesse mundo. Amor coletivo, ao próximo...

    Uma belíssima reflexão...
    Daquelas que vai me deixar pensando por um bom tempo...

    Beijos

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  14. eu so posso dizer que penso basicamente como vc...e nossos tetxos tem a mesma base, o amor! :D

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