O milho pilantra

Tô mesmo virado numa tropeada de lesma: lento uma barbaridade. Não consigo pensar em nada que preste pra postar aqui! Sem ter nada pra fazer tudo fica complicado, até escrever. Como eu já não agüentava mais olhar para as paredes em casa, vim pra São Chico escutar as carucacas e abastecer os pulmões com o ar da Serra, sempre um bálsamo para meus dias mórbidos.

Deu resultado. Até demais.

É o tipo de coisa que acontece mesmo pra deixar o cara mais invocado que anão em comício. Saímos, à tarde, meu avô e eu, para darmos uma volta no centro da cidade. A passos lentos, que o tranco do Seu Gentil agora anda mais curto que estribo de anão, desfilávamos pela avenida principal lépidos e faceiros. Eu, pensando na vida, curtindo o solzinho no rosto em bárbaro frenesi; ele, politicando com um cidadão que nos acompanhou por alguns metros. Lá pelas tantas, até pesquei uma frase que permeou o debate:

- É a crise! - enfatizava meu avô, possante, peito estufado, telespectador assíduo do Jornal Nacional, por dentro dos entrementes financeiros pelos quais o mundo passa.

Alheio à dita cuja, que minhas finanças andam mais tranqüilas que cozinheiro de hospício, mantive meus pensamentos longe, lá pros lados de uma Santa Catarina, mais precisamente a Oeste, onde sopram os ventos do amor.
Chegando na feira, compramos pão. Nessas horas, identifico de onde vem esse meu jeito extrovertido e comunicativo de ser. Meu avô simplesmente cumprimenta todo ser humano que cruza por ele, é impressionante. Havia, em frente a uma pacata lanchonete, uma senhora sentada numa cadeira de rodas, mais velha que o rascunho da Bíblia. Pra se ter uma idéia, Seu Gentil virou guri frente a ela. Mais ainda, chamou-a de senhora! Tô dizendo, a anciã tinha anos a mancheias.
Sem fugir à regra, estendeu-lhe a mão. Ela não o reconheceu. Balbuciou algum dialeto incompreensível aos meus ouvidos, o que a cuidadora traduziu como "ela não sabe quem o senhor é". O vô não se deu por vencido. "Devem ser os óculos", sentenciou. Tirou-os. Nenhum avanço. Ela bem que se esforçou, pobrezinha, porém, depois de saber que ela completará cem anos no mês que vem, compreendi que a situação era delicada.
Contudo, como o Gentil é mais firme que prego em taquara, aproveitou o ensejo e tratou de puxar assunto com a acompanhante, certamente décadas mais nova e com a memória mais apropriada para um dedo de prosa. E ali permanecemos por exatos três minutos.
Seguimos com a caminhada, visitamos uma tia-avó, muito querida, por sinal, e finalmente retomamos o rumo de casa. Apresentou-se, então, o grande vilão do dia: um vendedor de milho verde. Grande apreciador desta iguaria que é, meu avô tratou de negociar a compra de um pacote. Levei-o até em casa e melequei minhas mãos completamente, já que o saco estava em cima de uns abacaxis um tanto maduros, o que deixou meus dedos com sabor agridoce.
Minusciosamente descascados pelas hábeis mãos descascadoras de milho de meu vovô, as espigas foram rapidamente cozidas e, já na janta, estiveram à disposição para saciar a fome despertada pelo passeio vespertino. Babando feito um boi com aftosa que estava, tratei de atacar a primeira e amarela espiga. Na primeira mordida, senti que seria um páreo duro, já que o aparelho ortodôntico vem, há meses, impondo certas limitações à minha mastigação. Teimei e grudei os dentes com avidez. Abocanha aqui, trucida de lá e clanc! Algo estranho aconteceu.
Levantei-me de um salto só e corri para o espelho, nervoso que nem gato em dia de faxina. Abri um largo sorriso e o pior foi constatado: perdi uma borrachinha do aparelho. Revirei a mesa, analisei as mordidas no milho grão a grão, procurei pelo chão, até no pote de nata eu lembrei de olhar. Nada. Devo ter engolido aquela porcaria pensando ser um fiapo da espiga.
Meu primeiro dia de "férias" em São Chico e me acontece uma desgraça dessas! Malditas sejam as sensíveis borrachas azuis que seguram o ferrinho do aparelho e me causam tanta dor quando mudam meus dentes de lugar, essas infames que não resistem sequer à meia-dúzia de dentadas numa inofensiva espiga de milho verde cozido. Que queime no inferno o patife do vendedor de milhos e abacaxis, aquele biltre que chegou a baixar o preço do pacote, só para fazer meu avô gastar seu rico dinheirinho com o algoz da minha borracha do aparelho. Tomara que passe sete anos sem vender um mísero abacaxi podre.
Me resta agora essa cara amarrada feito um pacote de despacho e a esperança de que Deus ilumine o coração de algum dentista solidário que resolva meu problema colocando uma nova borrachinha azul em meu dente e, com isso, impedindo que eu tenha de retornar a Novo Hamburgo para solucionar a humilhação que a gula pelo milho verde me impôs. Aliás, maldito milho, maldita espiga. Até tirar essa metalúrgica da boca, quero distância desse inóspito alimento que as galinhas tanto idolatram. É claro, elas não têm dentes. Malditas sejam também as galinhas.

12 comentários:

  1. Eita milho mais sem vergonha esse!Mas a descrição ficou pra lá de engraçada, mesmo a situação sendo trágica. ushasuashasuhasaush!!

    Ah, e aqui no oeste de Santa Catarina o pensamento anda pelas bandas do Rio Grande do Sul. hehe. ;)

    Bjo!!

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  2. Hahaahahah
    Lembro de quando eu usava aparelho e tinha que tirar o milho do sabugo com o auxílio de uma faca. Passei anos seguidos comendo milho de garfo e, confesso, ele deixa de ser gostoso... Quando retirei o aparelho, duas coisas que comi com vontade: maçã do amor e milho. Mordidas e mais mordidas. Uma delícia.

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  3. E fica impossível não dar risadas com um texto como esse... :)))
    Milho é mesmo fascinante, também gosto.
    Aproveita São Chico, Antônio!
    Beijão!

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  4. Putz Antonio, vc é demais! Ri até!!!
    Adorei!
    Super beijo, amore!

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  5. Eu gosto tanto de milho... Lendo seu relato, lembrei da casa da minha avó, de quando os homens saem para comprar sacos de milho, fazem aquela limpeza por cima (cortando o que não presta com o facão, coordenados pelo meu avô), os primos descascando os milhos, tirando os "cabelos", encontrando um ou outro coró - bicho do milho - e as tias ralam o milho, preparam a massa e minha avó supervisiona o cozimento da pamonha... Ai que vontade! Que momento! ;)
    Bjitos!

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  6. Rascunho da Bíblia!
    kkkkkkkkkkkkkkkk
    adorei!
    definitivamente não existe uma pessoa além de vc no mundo pra me tirar um sorriso verdadeiro!
    uhuahuahauhauh

    ei, sua amada mora em que cidade no oeste de SC??

    ah, sobre meu salario que vc comentou, eu o divido um pouquinho com vc que sabe o qnt esse assunto me angustiou (e ainda angustia) ao longo do ano.
    *o dividir é simbolicamente, viu?
    uahuahauhahua

    beijooooo, branquelo faceiro!

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  7. Simmmmm
    esqueci de comentar uma coisa!
    haha
    só pra te fazer inveja (?): eu já engoli um quadradinho desses do aparelho!
    :S

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  8. Tava até com saudade das risadas que vocÊ me proporciona!
    Beijos

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  9. Tonioooooooooooooo!
    Provavelmente, você nem lembra mais do meu rostinho juvenil e saudável. Hahaha
    Meu querido, que saudades, me da um abraço vai! Hahahauhauhaua
    Estou tentando voltar...!
    Tonio, penso o mesmo, quando não se tem nada a fazer, não tem nada o que escrever. A criatividade é estimulada quando se vive, porém no meu caso, vivo muito, mais não tenho tempo e foco. Enfim, lindo texto. Ê saudades de ler um bom texto como o seu.
    Muitos beijos meu querido, sua forma de escrever é marcante demais, adoro!

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  10. Candy falou o "rascunho da bíblia", mas eu tenho que dar destaque a todas as expressões usadas para qualquer compraração... Bom demais!!!

    Ô guri... Foi-se a borrachinha? Afff Espero que alguém já tenha sido solidário contigo em...

    Mas ei.. Venhas que milho é bom demais... É como manga, mela muito, faz a maior sujeirada, tem vários fiapos, mas vale tantooo a pena pelo gosto gostoso que tem...

    Um beijão pra tu
    e boas férias em...

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  11. Haha, muito boa a história do milho.. Me explica, como vc consegue: não ter assunto e se sentir meio "vazio" e sair um texto cômico desses? Como sempre, me engasguei de rir aqui, hahaa!
    Tava com saudade daqui, li todos os atrasados, hehe!
    beijão

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  12. auhehauheuhauheua... tava com saudade dos seus textos! Nossa, e muuuita saudade!
    Espero que vc lebre de mim do Lizard Love, se não, bom...

    Eu já usei aparelho e seu beeeem a tortura que é, milho??? Cara, vc é loooouco! Eu nunca consegui comer milho enquanto tava de aparelho e pior que sem a liguinha fica rasgando as paredes da boca toda, né?
    Boa sorte pra vc! Quero saber o que aconteceu, se vc teve q voltar antes ou não! mauheuhauha
    Conheça meu blog novo... beijinhos!

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