Vô:

Passei a semana pensando no que escrever pra ti. Sei que a vó lia alguns de meus textos pra que tu soubesse que, vez ou outra, teu nome figurava em meus escritos, tamanho o orgulho que sempre senti de vocês e, portanto, sempre com muita justiça transcrevi para cá alguns de nossos melhores momentos.

Entrar naquela casa já não é mais a mesma coisa. Sempre parece que, a qualquer momento, tu vai aparecer na porta e vir me saudando mesmo antes de eu te abraçar. Quando olho para as frutas, fico esperando tu me oferecer uma por uma, sempre insistente, mesmo diante das recusas. Fui até o pátio das galinhas, na esperança de ver a porta do galpão aberta e te enxergar costurando a cabeça de alguma briguenta, ou fazendo tuas costumeiras arrumações.
No teu quarto, então, é mais doloroso ainda de entrar. Queria te enxergar dormindo, o rádio ligado num volume bem alto, seja na Alegria, ou na Rural. Sei que nos últimos tempos era complicado te ver preso na cama, com o olhar triste, desolado por estar em condições que nunca imaginei te encontrar. De qualquer forma, a saudade não me permite esquecer da tua presença em cada canto da casa que tu construiu com tanto esmero.
E quando fui embora? Olhei para a vó, a dinda e o dindo, abanei para eles, mas meu coração deu um nó de amargura quando não te vi ali junto, acenando pra mim e desejando boa viagem. "Seja feliz", tu sempre dizia. Te confesso, vô, tá difícil de ser feliz sem ouvir essa tua frase sempre presente nas despedidas.

Falando nisso, talvez nossa despedida tenha sido uma atenuante para enfrentar a tua falta. Na última vez em que nos vimos, infelizmente não consegui ouvir tua voz, apenas sussurros. Diante do insucesso em fazer sair a fala com clareza, tive que buscar forças não sei onde para te ver chorando diante de mim e, trêmulo, apontar para a própria situação, deitado na cama, sem poder nem mesmo caminhar no pátio, coisa que tu sempre gostou tanto de fazer.

Eu sabia que seria difícil te perder, mas não imaginava que seria tão doloroso. Fiz de tudo pra assimilar o luto, prostrei-me diante do caixão durante quase todo o velório, alisei teus cabelos, senti tua pele fria, tudo para me certificar que realmente tua partida estava sacramentada. Rezei pela tua alma na missa de sétimo dia e fui até o cemitério te visitar ontem, quis ver novamente o lugar onde deixamos o teu corpo, tudo para facilitar a aceitação da morte, mas não é bem assim.
Consegui sorrir durante a semana, saí com meus amigos, ouvi todos os conselhos possíveis, tentei mesmo. Porém, basta olhar nos olhos da vó para enxergar exatamente o vazio que estou sentindo depois que tu partiu. Nossas vidas seguem, ontem jogamos canastra, nos divertimos, mas, vira e mexe, retorna aquele sentimento triste, a vontade de te ver indo ao banheiro de madrugada, ou mesmo deixar a dentadura no copo e desejar boa noite a todos.

Tu não foi uma flor de pessoa, é verdade. Jamais será minha intenção te santificar, não é isso. Acontece que eu aprendi a te amar desse jeito, afinal de contas, tu foi um avô tão dedicado e carinhoso, sempre dentro das tuas características. Eu vejo nossas fotos e lembro a textura da tua pele, sempre com alguma marca, sinal de quem não parava quieto.
Minhas idas a São Chico sempre tiveram quatro motivos, quatro amores, acho que as vezes que passei pela cidade sem te ver não enchem minha mão direita. Daqui pra frente, restam apenas as lembranças. Há quem considere isso muito, ter lembranças boas, recordar os momentos bons que tivemos juntos.
Pra mim, é pouco. Não sei mais o que é plenitude, tua partida me deixou incompleto. Deus te impediu de sofrer mais, e sou grato a Ele por isso, no entanto é impossível que o mesmo Senhor faça cessar o sofrimento que carrego agora, sem conseguir te abraçar e ouvir tua voz.

Mesmo assim, é só o que resta: lembrar. São vinte e três anos de recordações, desde os tempos do Cristal até há duas semanas atrás, quando te vi pela última vez com vida. Eu queria mais, só que eu não mando nada. E, sendo assim, quero te dizer que vou continuar, mesmo sem um pedaço do coração.
Vou seguir escrevendo textos engraçados, usando teus ditos. Quero o diploma na faculdade e, na formatura, poder dizer que finalmente tu tem um neto D.R. Vou te dar bisnetos, mesmo com o coração apertado em não poder te ver beijando a testa deles. E, certamente, ainda vou chorar muito a tua falta, pois não acredito que isso vá atrapalhar o teu descanso.
Vou, enfim, fazer a tua vontade. "Seja feliz", era o que tu queria de mim. Pois bem, serei. E, seja lá quanto tempo for durar essa felicidade, dentro dela haverão vinte e três anos de participação ativa tua, zelando pela integridade do meu caráter e querendo o meu bem. Serei feliz para sempre, te prometo. Todavia, ao lado dessa felicidade haverá uma rima, algo do qual será impossível de me livrar: a saudade de te escutar me desejando isso.

Tchau, vô. E, de onde tu estiver, olhe por nós.

9 comentários:

  1. Impossível não arrancar lágrimas, mesmo de mim, que não tive a presença constante dos meus avós, mas dá um aperto.
    Fica mesmo a lembrança, a MELHOR!
    Beijão!

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  2. Não conheci teu avô, mas não consegui não me emocionar com tuas palavras...
    Fez-me lembrar a minha avó... Já se foram dois anos sem poder abraçá-la ou tê-la por perto, mas a saudade permanece e, a todo momento se fala seu nome ou me questiono como ela reagiria a algo...

    Ô meu Amigo! Que Deus te dê forças pra ser feliz, nunca esquecendo desse que sempre será tão especial pra ti!

    Um beijão

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  3. E que estou eu, novamente chorando com os teus textos... Como tu mesmo diz, to virado numa vleha chorona! Mas é impossível não se emocionar lendo este texto, ainda mais na condição de teu melhor amigo.
    Essa perda é irreparável, mas o que nos conforta é saber que ele está lá em cima, olhando por todos nós.

    Abraço, meu irmão!

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  4. Estava com saudade dos teus textos, e resolvi dar uma passada no blog.
    Infelizmente me deparei com esta triste notícia, a partida de alguém tão querido e amado, principalmente por ti.
    Não há muito o que dizer nestes momentos, mas imagino a tua dor, de perder um vô tão próximo! =(

    Força neste momento tão difícil e se cuida!

    Um grande beijo!

    Fernanda Schwade

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  5. Sábias palavras do teu vô!

    E é o que todos desejamos pra ti: seja feliz.

    Abração, mano!

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  6. "Mas as coisas findas
    muito mais que lindas,
    essas ficarão"

    Carlos Drummond de Andrade

    Ficam as coisas intangíveis, as lembranças, os aprendizados que o outro nos proporcionou. Fica a saudade também, a falta que o outro faz, a dor por não ter tido mais tempo. Fica um amor que dói. Fica o medo de seguir em frente. Fica a vontade de ser melhor, porque o outro tá torcendo pela gente de onde estiver.

    Bjo

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  7. Você me fez arrancar lágrimas.

    Ao ler você, lembrei de uma história minha, que aconteceu a quatro anos e meio atrás, quando também tive uma parte do coração dilacerada. É doloroso, por mais que seja a lei natural da vida, a gente nunca está realmente pronto para perder um ente querido.

    Lembro bem da raiva que senti do vô por não ter lutado, da raiva que senti Dele por ter "roubado" o vô de mim. Foi uma hora e meia, que fiquei sozinha em casa, que chorei e soltei tudo que podia. Era uma adolescete, sentia raiva em meio toda aquela tristeza, mas coisa passageira.

    Te digo que o vazio vai sempre existir o que muda, com o tempo, é que as lembranças serão menos doloridas e mais nostaálgicas, a saudade irá arrancar lágrimas, mas não doerá chorar e o vazio... A gente se acostuma com ele e esse para de doer também.

    Não vou dizer pra ti "a vida continua" ou "foi melhor pra ele" ou "ele está num lugar melhor agora" ou, até mesmo, "sei como você se sente". Porque eu também lembro da raiva que eu sentia quando as pessoas falavam isso pra mim. Ninguém sabe o quando dói, ninguém sabe o quanto sentiremos falta.

    O que eu posso te dizer, Ton, é que o tempo é sábio. O tempo, é um grande sábio.

    Torço para que tua vida continue e da melhor maneira possível.


    Um beijo, um abraço.
    E meu silêncio.

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  8. Obrigada, meu querido neto!
    Teu texto me fez chorar mais ainda do que tenho chorado, mas fiquei aliviada com o carinho das tuas lindas palavras. Onde ele estiver ele vai sentir o orgulho que sempre teve por ti.
    Faço minhas as suas palavras "Seja feliz, meu querido Júnior"
    Beijos da vó q te ama muito...

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  9. É meio impossível terminar de ler esse seu post? E tenho dois motivos para isso...
    Primeiro que meus olhos se encheram de lágrimas logo nas primeiras linhas e eu tive que ficar lutando com as lágrimas e as palavras na minha visão...
    E também porque lembrei do meu vôzinho que perdi há dois anos...
    É triste, é doloroso, mas eu garanto apenas uma coisa: com o tempo a gente aprende a conviver com essa dor... Porque eu não posso dizer quando, como e se irá embora...
    Bjitos!

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