A Festa dos Guabirovas

Se você procurar no Google, descobrirá que guabirova (ou, originalmente, guabiroba) é uma fruta da ordem das guabirobeiras e um nome também dado a várias plantas trepadeiras mirtáceas. Contudo, se você perguntar para o degas aqui, direi: Guabirova sou eu. É a minha gente.

Pois é, a família do meu avô materno é conhecida por esse singelo apelido. E, lhes digo com propriedade, ser Guabirova é um orgulho imenso. E por falar em imenso, grande também é a prole desse galho da minha genealogia. Francisco e Anna, meus bisavós, tiveram nada menos do que dezesseis rebentos. Entre eles, um tal de João Maria, carinhosamente chamado por mim de vô há mais ou menos 22 anos, já que eu não nasci falando.

Eugênio, Erondina, Almeidorina, Adão, Célia, Argeu, Nelson, Terezinha, Francisco, Olívio, Idalcema, João Maria, Venino, Eneu, Dinarci e Aldo. É mole, ou quer mais? Destes, restam sete ainda empunhando a bandeira da raça guabiroveira.

Surgiu, então, a idéia magnânima de reunir o bicharedo originário dessa turma. Segue, nas linhas abaixo, o relato do entrevero entitulado "1º Encontro da Família Gomes dos Reis".

Reunião de Guabirovas tem lá suas características únicas e peculiares. Gritos, por exemplo. Um autêntico Guabirova enxerga outro na rua e, antes de se aproximar, já sai berrando:

- COMO É QUE TÁ, VIVENTE! - assim, com letras maiúsculas.

Notem, porém, que não se trata de indivíduos costumeiramente gritões, mas sim quando se encontram. Deve ser o êxtase da saudade. Multipliquem, por obséquio, este detalhe por nada menos que cento e cinquenta. Tchê, de fazer bando de carucacas sentir inveja, por Deus que sim.
Já desci do carro cumprimentando gente. Cheguei às onze em ponto na Várzea do Cedro, localidade que fica em São Francisco de Paula, terra natal da família, e às três da tarde ainda passava por alguém que não tinha visto. Quando me dava conta disso, pra não perder o costume, dava um berro.
Foi, sem dúvida, um dos momentos mais felizes e emocionantes da minha vida. Jamais havia participado de uma reunião desse calibre, onde todas as pessoas estavam contentes em se encontrarem e as manifestações de carinho eram contínuas.
Foram dezenas de fotos, homenagens, declamação e, como segunda marca Guabirova, muita dança. Ter esse sangue correndo nas veias é, essencialmente, romper o cordão umbilical dançando um xote afigurado. Era velho com novo, pai com filha, prima com primo e formou-se o surungo. Xote, rancheira, valsa, vaneira, e dê-lhe barulho de sola arrastando na sala.
Meu ascendente em Câncer denuncia esse lado família acentuado. Desde pequeno, sempre fui muito apegado às raízes, dedicado aos avós e, depois de crescer um pouco e conhecer os parentes, manifesto meu afeto a todos que encontro nas ruas de São Chico. Ontem, portanto, tive uma verdadeira overdose.
Até discurso eu fiz! Não que isso seja propriamente uma surpresa, já que a oratória é, modéstia à parte, uma das minhas poucas qualidades desenvolvidas. Porém, enquanto o padre dava a bênção, não pude deixar de observar toda aquela gente reunida e refletir a respeito. Às vezes, nos desiludimos da vida, não sabemos o que fazer para melhorar, nem quais atos podem efetivamente provocar uma mudança. Vendo aquela gente toda, a minha gente, percebi que, da união de apenas duas pessoas (aliada à falta da televisão, porque pra fazer dezesseis filhos precisa de muito tempo e disposição) se formou uma família inteira.
Poucos preocupam-se com isso atualmente, quase não se vê mais o conceito de família ser desenvolvido continuamente dentro dos lares. Casar e separar, é só começar. Uma festa dessas, no entanto, vai ao encontro do que penso, que família é um alicerce único e sólido, pessoas que tem o mesmo sangue que o meu e jamais me abandonarão, haja o que houver. É por isso que, mesmo sem saber ainda se vou ser pai - e, se for, serão no máximo três filhos, que a economia atual não permite mais um lote - acredito firmemente na idéia de família unida e norteada por respeito e afeto.

Pra encerrar, permitam-me contar do tio Venino. Logo que cheguei, pela manhã, avistei o tio esguaritado num canto, ainda meio perdido, cumprimentando um e outro, até que estacionou do meu lado e emendou causo atrás de causo. Entre um cigarro e outro, responsável direto pelo amarelão do bigode (todos os irmãos do meu avô usam bigode), surgiu a tal conversa do chá de funcho.
Diz ele que era muy magrinho quando guri, quase tízico. Porém, barrigudo. Tio Venino ainda é seco feito uma taquara e, depois de velho, tá mais murcho que maracujá de gaveta, fruto das farras e festanças que ele aprontou quando novo, segundo contam as más línguas. De qualquer forma, dos sete, ainda é o que mais chacoalha o corpo ao som da cordeona, firme que nem beliscão de ganso.
Magrelo e barrigudinho, que sina. Devia ser feio de dar dó. E os mais velhos sempre insistindo pra ele tomar chá de funcho pra matar os vermes. Devo ter matado muita lombriga quando era pequeno, porque coisa que eu mais gostava era de bala de funcho. No caso do tio, o tal chá não devia levar açúcar, já que ele confessou ser o gosto algo terrível, de se ter que tomar guela a baixo e olhe lá.
Como mudam os tempos, mas não mudam os costumes, os adultos já eram chantagistas naquela época. Morando longe da cidade, ir até a Vila era objeto de desejo da gurizada. Astutas, as velhas raposas sentenciavam: "gente barriguda não vai à cidade". Engambelavam o pobre do tio Venino, sacanas! Resignado, engolia, aos trancos e barrancos, alguns goles do preparado de funcho, algo que, pelo semblante dele, devia ter gosto de Tylenol.
Eis que chegou o dia de ir à cidade. Chegando lá, a primeira coisa que ele viu foi um velho turco, dono de uma venda e, pasmem, barrigudo! Diante daquela visão desmoralizante, nunca mais ele tomou chá de funcho, já que na cidade também havia gente barriguda.

Pode não ter graça relatando assim, mas lhes asseguro que o Venino contando levou-me às gargalhadas. Assim como esse texto talvez não relate com precisão a emoção que senti ontem, mas posso afirmar com toda a certeza que foi um domingo que marcará o resto de meus dias.

5 comentários:

  1. Heheheh!
    Eu é que sei o quanto esses Guabirovas são engraçados!
    Muito bom o texto, bruxo!

    Abraço!

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  2. Porque, afinal, família nos deixa feliz, permite momentos de comemoração e alegria.
    Bjitos!

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  3. Domingos em família são sempre bons :)

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  4. Mas que saudade de eu estava de te ler...

    É, momentos em família são muito bons... Triste é quando o sentimento de família é perdido e aí... Acaba a graça...

    Beijão pra tu

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  5. Nossa primo, me emocionei.. Faço minhas as tuas palavras..
    Ah e só um adendo: o Vô Eneu não tem mais bigode...heheheheh..

    É uma satisfação imensa, que não dá pra expressar em palavras, fazer parte dessa família que nada mais é uma cambada de louco, que adora uma festança!!!

    Um grande bjo e sucesso!!!

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