Benesses tecnológicas

Modorrento. Hoje o dia está modorrento. Não que isso tenha qualquer relação com o que escreverei a seguir, mas acontece que acabei de visitar o blog da Fê e li essa palavra ímpar na Língua Portuguesa, daí resolvi partilhar. Pense bem: se alguém te diz "modorrrrrrrennnto", assim, com érres e ênes enfáticos. Há algo mais, er... modorrento que isso? Não, né? Pois bem, vamos adiante.

Descobri o computador com 14 anos. Aos treze já andava clicando aqui e ali, mas foi mesmo no ano seguinte que comecei a conviver com o mouse de maneira simbiótica. Nunca tive vocação pra fuçar em todos os detalhes que a informática abrange, tanto que sempre me vali de amigos para me socorrerem nas situações adversas que meu PC apresentava. Mesmo assim, construí minhas aptidões como usuário doméstico, o que me permite dizer que não me aperto por qualquer coisa diante deste instrumento que hoje é nada menos que indispensável para quem vive em meio à urbanização.
Meu irmão, por sua vez, já nasceu inserido no advento da informática. Seus dedinhos mal davam conta de mover o mouse e clicá-lo ao mesmo tempo, mas isso nunca foi empecilho para que o guri desenvolvesse suas habilidades motoras frente à máquina. Com o tempo, comecei a podar o vício, de forma que ele pudesse desenvolver uma infância sadia, brincando de carrinhos, Playmobil (tá, exagerei, mas eu tinha vontade que ele curtisse que nem eu curtia), figurinhas do Campeonato Brasileiro e outras atividades manuais que uma criança precisa para crescer saudavelmente.
Pouco adiantou, já que ele ganhou um Playstation II e, desde então, quase dorme abraçado com aquele trem. Não que eu possa falar muito, já que, ao chegar em casa, ligo o computador antes de tirar os tênis. Porém, convenhamos, já sou adulto e paro de usar a internet quando eu quiser (papo de viciado, né).
Enfim, imersos nesse mundo globalizado que nos abalroa dia após dia, com celulares, câmeras digitais, notebooks, mp8s, mp23s e mpodiaboaquatro, isso apenas para ilustrar a vasta gama de aparelhos eletrônicos moderníssimos que nos rodeiam, é fácil concluir que nada mais surpreende em termos tecnológicos e que para tudo há fácil adaptação, uma vez que a maioria dos supérfluos modernos funciona seguindo quase sempre a mesma linha de raciocínio.
Entra, então, a velha guarda. Imagine viver meio século às escuras, acendendo vela à noite pra urinar no penico, tendo como única fonte de iluminação um liquinho a gás e descobrindo a televisão bem perto do século XXI. Não pasme, pois a vida de meus avós foi assim por muito tempo. Nem todo idoso é uma vó Dilma da vida, que usa MSN, Skype (nem eu tenho isso, ela tem), Orkut e biriri bororó.
Meus avós da fazenda são brejeiros no que tange à tecnologia, portanto, cada descoberta é um acontecimento na vida deles. Domingo, por exemplo, apresentei-lhes o viva-voz. Minha vó comprou um telefone novo, e sempre que ela compra um novo - ela já tem quatro, quase não tenho mais onde adicionar números dela na minha agenda - pede pra eu ensinar os macetes do trocinho.
Aperta aqui, "carca" ali, ensina de lá e de cá, identifiquei um botão azul como sendo o do viva-voz. Expliquei como funcionava, que eles poderiam conversar os dois comigo ao mesmo tempo e talicoisa. Seus olhinhos brilhavam, como sempre brilham quando minha vó compra algo novo. Imaginem passar a vida sem energia elétrica e ter de fazer TUDO, em maiúsculas, no braço. E, de uma hora pra outra, ter forno elétrico, panificadora, geladeira (ou "frigider", como queiram), liquidificador e antena parabólica para ver a novela Paraíso. Que momento, hein? É ou não é pra brilhar o grão dos olhos?
Pois bem, estávamos ali, em volta do telefone, onde eu palestrava sobre as vantagens do viva-voz como se fosse um vendedor das Casas Bahia. Senti-me dentro de uma caverna, como um legítimo Australopithecus mostrando aos seus companheiros a descoberta do fogo. "Queima, uga buga".
Meu vô, não cabendo em si de curiosidade, sentenciou:

- Faz uma ligação pra gente ver como funciona.

Prontamente, disquei pra vó Dilma, ícone da modernidade senil em São Francisco de Paula. Gente amiga, quando ela disse "alô", meus avós deram dois pulos simultâneos. Olhos ávidos para o aparelho, sem nem piscar, apenas me ouvindo conversar normalmente com a Dilma, que não é a Rousseff, mas também tem pulso de ministra.
A boca do João Maria já andava perto das orelhas de tanto contentamento. De repente, vó Dilma mandou um abraço pra vó Loreni. Antes que eu pudesse contar a ela que estávamos reunidos à volta do telefone, como que numa roda de mate, a vó pulou bem perto do aparelho e emanou uma saudação maravilhada:

- Outro pra ti!

Vô João Maria ria descompassadamente. Garboso, expliquei pra vó que estava apresentando o viva-voz pra eles. Finalizei a conversa, desliguei o telefone e fiquei ali, partilhando daquele momento efusivo de uma grande descoberta. Cada qual com o sorriso mais largo na cara, surgiram os mais diversos elogios àquela facilidade contagiante que agora proporcionaria verdadeiras conversas entre a família.
E lhes digo, caros amigos e leitores, que descobri o segredo de haver tanta graça na vida de meus avós, que completaram meio século de união como se fossem dois adolescentes de 16 anos. Mesmo passados mais de setenta anos de caminhada nas costas de cada um, eles ainda descobrem novidades que colorem as vidas deles. São detalhes simples, mas que transformam determinado momento.

Paro, então, e penso: de que novidade preciso para viver assim? Minha geração tem acesso a tudo, basta apertar botões, passar cartões e decorar senhas, que possuímos tudo.

Será mesmo?

A bem da verdade, meus caros, a impressão que eu tenho é que muitos de nós ainda não descobrimos o essencial, que já está com meus avós há muitos anos: o verdadeiro valor de um sentimento, aquele que eles cultivaram a vida inteira sem precisarem jogá-lo dentro do disco rígido de um computador.

1 comentário:

  1. Maravilha!!
    Cara, eu ainda lembro quando numa empresa onde trabalhava, nos idos de 89/90, fui apresentado ao celular. Os modelos eram parecidos há um tijolo maciço, desses sem furos, motorola, analogico. A primeira frase que o cara disse: Tche, posso caminhar e tudo, que sigo te escutando e falando!!!!
    Que momento!!!!

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