Cinco meses

É engraçado como a vida pode mudar tão de repente. O contundente poder que um fato isolado traz consigo, provocando uma série de alterações em diversas vidas, personalidades e almas. Eu, que sempre me julguei tão conhecedor de mim mesmo, sabedor das minhas qualidades e limitações, de uma hora para outra cheguei à conclusão de que oitenta por cento das minhas convicções não passavam de pura utopia.
Não penso que tenha modificado valores, ou mesmo características marcantes da minha personalidade após a morte do meu avô. No entanto, a maior parte disso tudo já não faz mais a menor diferença, e isso, devo confessar, me desanima bastante.
Continuo o mesmo palhaço, animador de grupinhos, imitando meia-dúzia de personagens e, pateticamente, arrancando risadas das pessoas. Comprei um carro, que maravilha, meus dentes estão quase no lugar, o que dá ao meu sorriso um traço marcante nesse rosto judiado do sereno. Meu cabelo está forte e viçoso, algo que até certo ponto influencia no assédio feminino, e como é bom ser elogiado.
Tudo isso pra quê? Não sei. Sinceramente, não vejo sorte ou revés nenhum em todas as coisas que acontecem comigo. Trabalho porque preciso, canto porque gosto, jogo bola porque o futebol é meu ópio, durmo porque é necessário. Faço minhas festas, pago minhas contas em dia, tenho a consciência tranquila quanto a todos os meus atos. Me arrependo de alguns, é verdade, porém nada que seja relevante. Sou, enfim, feliz.
E daí? De que vale tudo isso, se daqui pra frente a vida é só um mar de saudade? Qual é a graça da felicidade incompleta? Ouvir dos outros que isso passa, que é preciso se acostumar com os fatos e que a vida é assim mesmo? Pois, lhes digo, grande merda tudo isso. Vou passar o resto da vida feito um babaca, varrendo as desgraças pra debaixo do tapete e pintando um arco-íris ilusório pra ofuscar a nefasta realidade.
Continuo sorrindo, sim. Me divirto, exerço todas minhas atividades com parcimônia, aceito os obstáculos, enfrento alguns, desvio outros, jogo na Mega-Sena pra ficar rico e passar o resto da vida nadando numa caixa-forte cheia de moedas douradas, como se fosse o próprio Tio Patinhas.
Tudo isso, no entanto, passou a ter uma nova conotação desde que Deus levou meu avô. Parece papo de criança mimada, é verdade, mas, querem saber? Não estou nem aí. Nada me tira da cabeça que, ao chegar na frente d'Ele, descobrirei que tudo o que temos aqui não passa de uma grande bobagem, apenas uma perda de tempo enquanto a confraria de querubins decide como, quando e onde deveremos viver o resto de nossos dias.
Muita gente consegue viver legal assim, realiza seus sonhos, constrói vários sentimentos lindos, imaculados e benevolentes. Tem gente que até santo vira! Vejam só, que beleza. Faço o bem, sim, é tri massa ver as pessoas sorrirem. Se tem algo que eu não gosto, é ver uma pessoa sofrendo por minha causa. E, porca miséria, deve haver pelo menos uma dúzia delas, imperfeito que sou. Fazer o quê, né? Quando eu morrer, uns me praguejarão, outros chorarão sobre o meu caixão. Enquanto isso acontecer, jogarei, alegremente, a primeira canastra contra meu avô post mortem. Não vejo a hora de emputecer ao vê-lo matando dois dez de ouros numa trinca como o vi fazer diversas vezes.
Enfim, cada um faz da sua bela vida o que quiser. O que, na minha mórbida e modesta opinião, não faz diferença alguma, já que, bem ou mal, nosso destino é o mesmo. Ruim mesmo é passar o resto dos meus dias com saudade, olhando para fotos e percebendo que o tempo que era bom de verdade já passou. O que vem pela frente, risadinhas à parte, é apenas o resto da ampulheta. Sorte de quem se diverte.

5 comentários:

  1. Ontem à noite, comentei com a Liane: "amanhã faz sete meses que o teu pai nos deixou." Hoje, quando acordei, foi a primeira coisa que me lembrei e aí elevei meu pensamento a Deus e Lhe pedi que o Gentil esteja num lugar de luz e paz. Também vivo de saudades... teu texto me fez chorar, mas fico "feliz" com o carinho que tens pelo teu querido avô! Um beijo e, quando puderes, venha me ver.

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  2. <<< cinco meses, dia sete! Estou abilolada das idéias>>>

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  3. Ainda é uma dor muito forte... E eu imagino o que seja a vida perder a graça. Perdi meu avó, até hoje lembrar dele ou ver fotos me faz chorar e sentir mal... Mas não parei a vida assim como você parece estar fazendo. Não parar no sentido de não viver, mas parar porque não tem mais graça.
    Bjitos!

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  4. É, perder alguém tão próximo é bastante complicado, cada um lida de um jeito com a situação. Particularmente, das pessoas queridas que perdi, nenhuma me fez ver as coisas mais claramente. Isso aconteceu quando me apaixonei. Vai vendo.
    Beijo

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  5. Ah, se saudade fosse bom ninguém ía querer matá-la. Nunca é bom viver sem um pedaço da gente, a vida continua e a gente continua vivendo, mesmo com o pedaço faltando. E o pior é que todo mundo diz que passa com o tempo, que o tempo cura tudo, não passa e não cura. A gente continua sentindo falta, tem sempre um vazio, a gente só se adapta a viver com o vazio.

    Boa sorte na tua busca em conviver com o vazio. Espero que com o tempo, fiques um pouco mais resistente a essa dor, e quem sabe se divirta um pouquinho, seja um pouco feliz. Acho que seu avô gostaria de ver lá de cima você jogando canastra com seu neto.

    Bjo

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