Quem semeia ventos colhe tempestades

Conheço um cara que teve uma segunda-feira odiosa. Ou, talvez, nem tanto, mas ainda assim decepcionante. Segundas-feiras são, por si só, melancólicas, pelo menos para a classe trabalhadora e descontente com sua profissão, o que, por sinal, é o meu caso. Não sei se é o caso desse indivíduo, porém afirmo que hoje não foi um dia agradável para ele.
Explico: ele é pai. E, mesmo assim, seus rebentos não lhe reverenciaram em seu dia especial, aquele que é anualmente reservado para os paizões, que jogam bola com seus filhos no campinho, no pátio, no meio da rua; que assam um churrascão no domingo e inundam a vizinhança com a fumaça do assado, bem como seu aroma irresistível, típico das manhãs dominicais.
Ao ler sua frase no MSN hoje pela manhã, percebi o tom de ingratidão deflagrado e direcionado aos filhos, lhes classificando como cruéis, ingratos e insensíveis. "Nem uma ligação, nem uma mensagem". Num primeiro momento, confesso, senti pena. Não deve ser fácil ser o responsável pela concepção de uma criatura e, anos depois, não receber nenhum gesto de reconhecimento em relação a tão aprazível gesto - este que, na verdade, não foi proposital no momento da cópula, mas mesmo assim ocorreu.
Minha piedade e empatia, no entanto, duraram apenas alguns segundos. Digo isso porque conheço a história desse camarada. Foi um bon vivant em sua juventude, regalou-se nos braços de dezenas, quiçá centenas de percantas. Eu, com 23 anos, acordo diariamente mal-humorado, pois sei que enfrentarei mais um dia árduo de trabalho, num ambiente inóspito, mas que paga direitinho no fim do mês. Nosso protagonista, com a mesma idade, queria farra, muita farra. Ao invés de usar seu charme irresistível para apimentar o casamento, preferia pular a cerca, viver uma vida polígama e irresponsável.
Não satisfeito, jogou seus empregos, muitos deles excelentes, pela sarjeta. Havia dias em que simplesmente não tinha vontade de ir trabalhar pela manhã e, decidido, ficava horas dormindo, curtindo aquele soninho que todos nós, trabalhadores normais, adoraríamos desfrutar, mas não o fazemos porque temos contas a pagar no fim do mês. Não que ele não tivesse, contudo, completando o circo dos horrores, aprendeu o péssimo hábito de usar sua lábia hipnótica para aplicar pequenos golpes na esposa, na mãe, no pai, em alguns amigos, enfim, quem tivesse boa vontade para atender ao teatrinho vitimizador que sempre sabia contar uma história triste acompanhado de um "prometo que pago o quanto antes" para angariar uns trocados, que nem sempre eram migalhas. O Serviço de Proteção ao Crédito que o diga.
A consequência imediata de tais atos deu-se numa família lunanca. Foram Natais, reveillóns, aniversários, uma série de datas especiais onde sempre sobrava um presente, onde uma ausência era certa e sentida. Quando faltava dinheiro, todos eram amados, idolatrados, salve, salve! Porém, se sobrava um trocado, não havia garçom triste, nem puta pobre.
Conheço também os filhos desse camarada. Um deles, uma criança adorável. Guri esperto, inteligente, sabido mesmo. Todavia, cresceu sem pai. Após a fase da boemia, os janeiros pesaram e a separação incorreu em diversos casos amorosos, todos eles insucessos. Largava de uma, pulava para outra. Enquanto isso, crescia o piá teatino, feito um terneirinho perdido do lote campo afora, quase guacho. Não que isso seja a derrocada, pois tem uma mãe que vale por duas, mas hoje não é Dia das Mães e, portanto, não vem ao caso.
O fato é que, esse guri, por viver mais de década sem pai, só conhece o cheiro do churrasco que vem da casa dos vizinhos. Não pode chegar em casa e contar dos gols que fez para o pai, pois este não caprichou no alicerce da família quando devia. Pelo contrário, tratou de transformá-lo em areia. Quando chega o Dia das Crianças, esse mesmo menino não reclama a ausência dos parabéns por parte de seu genitor, pois acostumou com ela.
Trago-lhes, portanto, meus caros, a seguinte indagação: é justa a reclamação deste pai? Devem os filhos, alheios à toda falta que ele fez a vida inteira, abrirem largo sorriso e derreterem-se em homenagens melosas àquele que sempre os preteriu em benefício da gandaia? Quantos domingos de Dia dos Pais ele teve para assar um baita churrascão em sua casa e nunca o fez? Onde estava nessas datas? Farreando com que pinguancha?
A vida nada mais é do que uma sucessão de atos. E quem nos mostra se eles foram certos ou errados é, impreterivelmente, o tempo. A lágrima que escorre hoje em virtude de uma decepção pode ter jorrado durante anos no rosto de quem agora parece vilão, mas um dia foi vítima inocente de atos impensados. E é por isso que, mais do que nunca, eu sinto pena desse cidadão, porque ele só agora está se dando conta do quanto as noites de farra foram efêmeras e que, por mais que os filhos o tenham perdoado, perderam o hábito simples de abraçar seu pai no primeiro domingo de agosto.

6 comentários:

  1. Eu não sei o que dizer sobre isso, é um asunto mais delicado pra mim. Mas entendo o teu lado, e concordo com o teu questionamento.

    Abraço ofídico!

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  2. "Aqui se faz ...Aqui se paga", não é mesmo?
    Gostei de ver o nosso sotaque gaúcho tão bem associado a esse lindo e bem elaborado texto.
    Não basta ser pai, tem que participar.

    Bj.

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  3. assino embaixo. Pai que não se faz presente porque não quer, não merece que os filhos se lembrem dele com amor.

    Bjo

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  4. Sim, esse homem é digno de pena. E só senti mais pena ao ler tudo isso. Sinto pena por ele não ter sabido aproveitar o que há de mais bonito nessa vida, a família. Pena por ele nunca ter estado com seus filhos e agora, não mais saberá o que é isso. Senti pena por saber que esse homem realmente não merece um abraço em agosto e em nenhum outro dia. E senti mais pena ainda, por ele achar que merece...


    Beijos e saudades de tu!!!!

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  5. Meu Branquelo, agora as nossas conversas começam a se encaixar.
    E como disse Marquinhos aqui em cima, o assunto é delicado sim. E sinceramente não tenho muito o que dizer.
    É uma pena que as pessoas não saibam aproveitar o que realmente vale a pena.

    *eu não podia vir aqui e deixar de dizer uma coisa: Sabia que eu ainda existo? ora!
    hunf!


    beeeeeijão, Branquelo mais lindo do mundo!

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  6. Eu acredito naquela máxima do 'plantemos hoje para colher amanhã'.

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