O ápice

Há poucos sábados, conforme relatado por aqui, fui eleito o melhor em campo pela primeira vez no ano num jogo do nosso time de sábados à tarde, o glorioso e mundialmente conhecido em Novo Hamburgo, Calixto. Foi um momento inesquecível, ter o esforço de uma atuação destacado pelos amigos é uma apologia e tanto, pelo menos para quem ambiciona pouco no mundo do esporte.
Contudo, mal sabia eu que o melhor ainda estava por vir. Eis que, no último sábado, atingi a meta declarada na última frase do post que relatou a odisséia da votação que me elegeu como destaque do jogo: marquei meu primeiro gol com a camisa do Calixto. E, para contar como aconteceu esse efusivo fato, precisarei dividi-lo em capítulos, para que vocês acompanhem a dimensão do impacto que ele exerceu sobre mim.


Primeiro capítulo - A Humilhação

Desde o mais ranhento gurizote ao mais caquético ancião, ninguém gosta de levar olé no futebol. Para os leigos, olé é aquela jogada que desconcerta o adversário. Passar a bola pelo meio das pernas - a famosa caneta, ou o drible da vaca, quando a bola corre por um lado e o jogador pelo outro, alcançando-a adiante, livre, lépido e solto do pobre coitado que o levou e observa, impotente, o seguimento da jogada.
Entre os mais sofisticados há o rabicó, um drible onde o adversário dá um nó nas próprias pernas e, ainda assim, passa pelo marcador, tal qual o Ronaldinho Gaúcho fez com o Dunga em certo Gre-nal, ou a lambreta que, de tão difícil que é de explicar, vou apenas deixar um link do Youtube aqui.
Pois bem, eu levei um chapéu. Ou chaleira, lençol, como queiram. É simples, porém pérfido. Trata-se de dar um "balãozinho" no pobre adversário, fazendo com que a bola passe por cima de sua estática carcaça. Já dei alguns chapéus, é bem verdade. Ah, como é bom dar um chapéu! A bola penteia o cabelo do cidadão que, feito um gato desabando do telhado, ganha quase um torcicolo ao ver a redonda cobrindo-lhe as melenas e caindo mansa às suas costas. É lindo de se ver!
Sim, só que eu disse de se ver! Ver! Levar um chapéu é um acinte! É sórdido! O caos! Contudo, hei de convir que contribuí para que o desastre acontecesse. O vivente dominou a bola quicandinha, daquelas que diz "ô, vontade de dar um chapéu", e o Pedro Bó aqui largou na pernada, desembestado e babando feito um boi com febre aftosa, como um beduíno que encontra água no deserto após semanas sem ver uma mineral sem gás.
Passei lotado. Quando as pernas travaram, não consegui esboçar uma reação, e a bola penteou meu cabelo enquanto eu, feito um gato desabando do telhado, quase ganhei um torcicolo ao ver a redonda cobrindo-me as melenas e caindo mansa às minhas costas. Horrível de se ver...
Ainda tentei, num gesto extremamente antiesportivo, tocar a mão na bola, cometer uma falta, sei lá, impedir tamanho esmagamento da minha figura futebolística. Tudo em vão. O cara passou por mim a jato, de motinho e me deixou ali, feito um Forrest Gump, contando histórias paradinho, paradinho.


Segundo capítulo - O Troco

"Deus tira os dentes, mas alarga a goela", é o que diz um sábio adágio popular. Virei numa cruza de onça com búfalo após levar aquele drible que me causou lombalgia, tamanha a minha raiva. Confesso que, por um momento, desabei de tristeza. Passei uns quarenta segundos em profunda depressão, até que finalmente o inconformismo transformou-se em indignação colérica, o que me fez disputar todas as jogadas seguintes com a gana de três tigres, nada tristes, mas muito ferozes, lutam por um prato de trigo.
Numa delas, adivinhem? A bola caiu quicandinha no meu pé. E, à minha frente, ô, delícia, vinha ele, o malfeitor, o biltre, o fio do cão, o carcará sanguinolento, a versão masculina da Odete Roithmann, ali estava, como uma perdiz indefesa, correndo na minha direção e prestes a levar sabem o quê? Resposta no próximo parágrafo.
Quem respondeu com entusiasmo "um chapéu", acertou em cheio. Ao som de What a Wonderful World, enquanto Louis Armstrong entoava essa singela canção com sua voz de ronco de tobata, a bola penteou o cabelo do cidadão que, feito um gato desabando do telhado, ganhou quase um torcicolo ao ver a redonda cobrindo-lhe as melenas e caindo mansa às suas costas. Foi maravilhoso de se ver! Humilde que sou, completei o chapéu e lancei o lateral. Essa é a função do volante, desarmar e passar. O drible fica apenas por conta da vingança magistral que eu saboreei.


Terceiro capítulo - A Redenção

Foi tudo muito rápido, coisa de cinco minutos após o chapéu da remissão dos pecados. Todavia, é fato que, após esse lance destacado, ganhei uma certa confiança novamente. Senti que, sei lá, alguém lá em cima virou-se para o lado e, com muito mais autoridade que Paulo Roberto Falcão, comentou: "Pedro, hoje esse jovem marcará um gol".
Cavamos um escanteio. Nunca vou para a área em escanteios. Meu lema é defender-defender-defender. Desarmo e passo, como um voraz e obstinado volante deve jogar. No entanto, ao olhar para o meio do campo, percebi que já haviam três companheiros prostrados naquela zona, dando cobertura aos demais que tentavam a sorte no tiro de canto.
Passei por um segundo de dúvida. Defender? Atacar? Oh, Deus, o que faço? A resposta não veio do céu, mas do bom e velho Sula, o mais experiente atleta do Calixto:

- Vai para a área, Antônio, pode ir - sentenciou.

Senti um quê de divindade na firmeza da frase do Sula. Sem questionar, corri para o meio dá área e passei cerca de sete segundos por lá, tentando encontrar um espaço para minha esquálida massa corpórea entre a defesa adversária.
O Rico é nosso cobrador oficial de escanteios. Ordens do Jaime, nosso técnico. Dá um escanteio, ouvimos à beira do gramado:

- O Rico bate! O Rico bate!

Acontece que, ultimamente, os escanteios do Rico têm se mostrado vergonhosos. Anêmicos. Um peidinho de véia. Num daqueles sete segundos (percebam o tom cabalístico do número sete neste momento do texto), recordei-me dos últimos escanteios batidos pelo Rico. "Peidinhos de véia", essa expressão ecoou em meu hipotálamo e, como um gnu desesperado fugindo de leopardos famintos, corri para o primeiro poste, local onde ultimamente as cobranças do Rico aterrisavam.
Nisso, a bola veio. Veio baixa, é verdade, mas tomou velocidade. E foi assim, que, à meia altura, saltitei, bati de chapa na gorducha e, de relance, pude vê-la batendo no travessão e, logo após, hosanas, aleluia, o fundo das redes do goleiro. Pausa e nova linha para a palavra que vem a seguir.

GOLAÇOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!!!

Fiz mais do que comemorar, mais do que gritar, misturei os dois juntos, uma fiasqueira, quem não soubesse que era gol pensaria que se tratava de uma carneação de porco ou coisa parecida. Abracei o Cesinha, pulei no colo do Xebeco, me atirei no chão, proferi dezenas de palavrões característicos de comemorações de gols, levantei, ergui as mãos pro céu, cacetada, foram gritos de libertação, uma emoção sem tamanho.
É claro que, tanto no intervalo, quanto ao fim da partida, virei alvo de chacotas incessantes por parte dos colegas de time, uma vez que nem Priscila, a Rainha do Deserto, nem o Richarlysson, nem o Clóvis Bornay em seus tempos áureos fariam tamanho escândalo comemorando um mísero golzinho.
Entretanto, compreendam, eu sou volante. Joguei mais de vinte jogos o ano inteiro sem sequer chegar perto da meta adversária, apenas defendendo, marcando, desarmando, passando. Ora, marcar um gol foi um orgasmo! Múltiplo! Eu tinha mais energia acumulada para comemorar do que qualquer praticante de tantrismo. Apenas extravasei, nada mais justo.

Enfim, atingi meus dois abjetivos futebolísticos para 2009: fui o melhor em campo uma vez e marquei um gol. Aliás, justiça seja feita, há quatro jogos seguidos que eu sou eleito o melhor em campo, um mês a fio. Realmente, a fase é muito boa. Será que se eu tentar marcar um gol de bicicleta...

2 comentários:

  1. asiudhiuashdiuasdiu
    Que perdendo o gás, que nada! Tu tá é melhor do que nunca. Fazia tempo que eu não me divertia tanto lendo alguma coisa. Eu sou suspeita pra falar, mas tu continua escrevendo com a mesma classe de antes.
    E falando de futebol, então! iuahdiuashdiua, adorei! E bom, é realmente complicado um bom volante se arriscar e fazer um gol. Eu, na tua posição, dificilmente me arriscaria (jogo muito futebol, hehe) mas, quem não arrisca não petisca e tu foi muito corajoso neste quesito. Sem esquecer do lindo chapéu, que deve ter sido um espetáculo! Morro de inveja de ti, que joga futebol tão bem... Um dia eu chego lá!
    Antônio, nunca mais me diga que teus textos não estão bons, e um dia me convide pra te assistir jogando futebol :) Não esqueça da tua amiga que gosta desse esporte incrível!

    Muuuitos beijos, continua escrevendo, e me perdoa por não ter mais tempo pra comentar em todos as postagens! Te adooro, e morro de saudades. Beijos!

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  2. Só pra completar, pq quando tu postou eu fiz meus comentários sobre o texto já...

    Obrigada pelo gol!! =]
    E pode fazer mais, pq textos assim são maravilhosos de ler.

    Beijo!

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