Finado

Depois que a gente perde uma pessoa querida pela primeira vez na vida, todos os fatos que seguem após o dissabor tornam-se estréias. O primeiro mês, o primeiro aniversário sem ouvir os parabéns, a primeira novidade que não pode ser contada. Hoje, portanto, foi a primeira vez que visitei o cemitério no feriado de Finados com um real propósito.
Não levei flores para o meu avô. Respeito quem o faz, mas não sou adepto dessa prática. Preferi prostrar-me diante da capela e permanecer ali por alguns instantes, dizendo a ele em pensamento o quanto ficou difícil viver após a sua partida. Aliás, conhecendo o Seu Gentil como eu conhecia, tenho certeza de que ele não ficou nada satisfeito com a reflexão que fiz, uma vez que ele tinha uma visão mais otimista e pragmática da vida. Era um homem de muitas convicções e poucas incertezas.
A verdade, que por sinal eu não escondo de ninguém, é que muito do que tinha sentido hoje já não faz mais diferença. Se você viver cinquenta ou noventa anos, não morrerá de qualquer forma? Minha vida tornou-se uma contagem regressiva regada a trabalho, gasolina, futebol e alguns pensamentos esparsos que me desviam, raramente, de um fim intangível. Só não passo o tempo todo escrevendo e falando sobre isso porque as pessoas se afastariam de alguém tão funesto. Portanto, guardo pra mim noventa por cento das minhas maledicências e, como ninguém é de ferro, externo 10% delas só pra não perder o costume.
Bem, como toda negatividade atrai somente mais negatividade, hoje eu tive de trabalhar e, consequentemente, tive meu feriado castrado, o que significa dizer que perdi um dia de fazenda. Noves fora, lá se vão alguns anos de vida saudável trucidados pela magia inebriante do estresse, provavelmente minha mais atuante causa mortis. Para já me adaptar ao clima do inferno que me espera com piscina de bolinhas e sais de banho, hoje o termômetro marcava trinta e oito graus no centro da cidade. Nesse clima dantesco é perfeitamente possível compreender como se sente um ovo em estado de cozimento.
Às vezes, paro e fico refletindo sobre como sou ingrato. Queria, sinceramente, inventariar tudo o que tenho de bom, me atirar a céu aberto e permitir que os urubus degustassem minha preciosa massa corpórea e saíssem defecando-na campo afora, de forma que eu permanecesse presente em vários locais ao mesmo tempo. É salutar que se ressalte que essa fina ironia significa, sim, que eu gostaria muito de morrer, e não vejo mal algum nisso.
Porém, como é Deus quem decide esse tipo de coisa e eu ainda não constituo o perfil ideal de um suicida, permaneço nessa vida de Rei Midas às avessas, onde tudo o que eu toco vira merda e, de quebra, o Todo Poderoso já iniciou os trabalhos de recrutamento de quórum aqui pelas bandas de baixo. Malditos sejam Adão e Eva, para todo o sempre.
Pois bem, sendo assim, peço licença aos amigos para parabenizar-me, mesmo em vida, pelo dia que hoje pertence aos que passaram desta para uma melhor (assim espero, caso contrário vira assunto pra hospício), já que, ainda que respirando e - até provem o contrário - gozando de plenas faculdades mentais, é perfeitamente possível afirmar que eu também já estou morto. Há controvérsias, mas estou. Que Ele acelere os trâmites restantes, por obséquio.

12 comentários:

  1. Se bem me recordo, eu já te disse isso... Mas sabe, meu amigo, a dor não dominui, a gente só aprende a viver com ela. E não é fácil.

    Ás vesperas do Natal, faz três anos que perdi minha avó. E só Deus sabe como ainda me doi atravessar esse dia. Ou os aniversários. O que for. Sempre falta ela. Sempre falta um comentário dela. Desculpa a divagação.

    Mas sabe... Também acredito que teu avô não gostou dos teus pensamentos. Pois ele iria querer te ver feliz. Seguindo, mesmo com toda dificuldade, essa vida.

    Um abraço bem apertado da amiga aqui do Nordeste...

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  2. Eu sei que quando tu diz essas coisas, pelo menos o faz sabendo que um dia tu vai mudar de idéia. Essa visão pessimista da vida não pode continuar, cara. Olha só o exemplo do teu vô, que era otimista em relação a esses assuntos: será que ele estava errado? Acho que não.

    Não gosto desse papo de querer morrer e tal. Tu não pode dar a vida a ninguém, então não tem o direito de tirar a vida de ninguém também, nem de si mesmo.

    Agora, em relação ao feriado... Pra mim foi praticamente um "aquece", se me permite o trocadilho infernal, para o que vai ser o verão. Não fiz nada de realmente útil, suei a cântaros (sem fazer nada: acho que se estivesse em movimento suava menos) e não fui nem no cemitério. Eu respeito meus parentes mortos, mas me deslocar até lá, nesse calor, para mim é só uma forma de acelerar a minha reunião com eles. E eles não reclamaram da minha ausencia...

    Buenas, não te entrega pra essa visão da vida, tenta te lembrar de como tu via a vida antes. Não vai voltar a ser como antes, mas como está não pode ficar.

    Um abraço! Nos vemos no coral, mano velho!

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  3. É estranho isso. Ainda mais quando é uma pessoa próxima, muito próxima. Não fui ao cemitério, fui à casa de vovó, mas no caminho eu vinha pensado nele, em como seria se ele estivesse lá.

    Bjo

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  4. Júnior querido, li o teu texto chorando (para variar) e fiquei muito triste com o que escreveste em relação a tua visão da vida. Meu neto amado, releia o 1º parágrafo do comentário do Marcos Vinícius e reflita... teu avô ficaria triste se eu lesse esse texto para ele. Pensa nisso...
    Um beijão e um bom dia para ti.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Eu não julgo, nem critico a tua visão sobre a vida. Até porque, só quem sabe verdadeiramente o que se passa e o que se sente, é a gente mesmo.

    Eu mesma, que sempre fui otimista, nos últimos tempos também ando com alguns destes teus pensamentos citados no texto. Acredito que a nossa visão perante as coisas depende muito do momento em que vivemos, do que estamos sentindo, etc...

    No entanto, penso que, apesar dos problemas, tristezas e desilusões, vale a pena ainda acreditar que a vida pode nos proporcionar bons momentos, mesmo que carreguemos eternamente saudades que não poderão "ser acabadas".

    Fique bem aí!
    Um beijo!

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  7. ADOREI SEU BLOG!!!!

    Parabéns pela articulação e intimidade com as palavras...

    Qto a esse post... bom mesmo é viver com paixão, ter problema na cabeça e achar q a vida pode melhorar!!!

    Achei uma ponta de dor na sua visão expressa nesse texto... mas acredito que tudo é o "momeeeeento"!!!
    Pq o que é bom passa, o q é ruim tbm passa... e aceitar a impermanencia dessas emoções boas ou não tão boas é que dá graça a nossa vida!!!

    beijo

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  8. Queria expor pra ti uma crítica construtiva desse teu texto, mas depois de muitos minutos pensando, descobri que não vai ser possível. Apesar de que eu tenho também a audácia de dizer que quero morrer e a ignorância de reclamar constantemente de coisas que não deveria, eu acho esse negócio de pessimismo uma merda. Taí uma coisa que não combina na gente, pessimismo passa longe de mim, longe. Pudera eu acabar com esse negócio ruim em ti. Mas bem, de qualquer jeito, teu texto tá muito bom. Como sempre, tu consegue expressar cada coisa de maneira mágica :D
    Beijos Antônio, continua escrevendo!

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  9. As vezes me dá vontade de te ler só para me deliciar com o teu modo de escrever que é pra lá de imitável.

    Adoro de um jeito que não sei descrever. Queria só pouco mais de tempo para acompanhar mais de perto tua vida, nesse humor dos pampas que tu pincela em tuas frases, ainda que a história seja trágica.

    Adoro demais.

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  10. No fim tudo dará certo. Saudade é um tal sentimento que inventaram e que dói muito, eu sei.

    Estou aqui e certa de que seu riso é contagiante, pense nisso.

    beijo no coração!

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  11. ai que isso?????
    tá vivo, lindão e cheio de energia...
    para com essa malediscencias, esse lance depressivo não combina contigo!
    beijos saudosos
    estamos aguardando a tua visita!!
    sabe que tu seria o único homem que eu convidaria pro meu chá de bebê, caso fosse permitido, sinto que não seja!
    beijos da tua super fã!!!!

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  12. eu sei como é perder uma pessoa querida, e é horrível essa dor que nunca passa, principalmente em datas comemorativas como Natal, Ano-novo, aniversário.
    Eu acho o Finados meio negro. Eu fujo todos os dias de lembrar que me falat um pedaço, embora quase todos os dias eu lembre.

    E embora você queira que Ele apresse as coisas, eu acho que isso não vai acontecer. Provavelmente te acontecerá algo que fará ter paixão pela vida novamente.

    Sempre acontece. E quando acontecer agarre com todas as suas forças, porque essas coisas que acontecem se vão muito rápido quando não percebemos

    Beijo!

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