À esquerda

Não posso me queixar de não receber elogios. As pessoas são um tanto exageradas quando fazem referência à minha pessoa, essa é a verdade, principalmente as da família. Não que eu não goste, apenas não concordo com certos adjetivos dirigidos a mim, e mais, penso que isso mascara grande parte do real fracasso que eu sou.
Sempre fui um cara bonzinho, careta. Sem vícios, de caráter límpido, por vezes até exageradamente caxias. É bem verdade que na escola eu era o capeta em forma de gente. Tirava boas notas, mas vivia frequentando o setor disciplinar, normalmente por atitudes infantis que deixavam colegas e professores fulos da vida. Porém, no mais, era um guri pacífico, de boa índole e extremamente caseiro. Dei pouco trabalho à minha mãe no quesito comportamento.
A chegada do meu irmão, quando eu tinha treze anos, fez com que eu queimasse algumas etapas e amadurecesse a duras penas. De uma hora pra outra, virei homem da casa, o exemplo. A bem da verdade, isso nem incomodou tanto, já que eu permaneci sendo uma pessoa de hábitos simples, agindo com retidão na maior parte do tempo e criando quase nenhuma confusão. Pode-se dizer que o caçula da casa teve boas referências masculinas durante bom tempo.
Então, chegou o amor, uma verdadeira tsunami emocional. Foi o momento em que vi minha vida virar de pernas pro ar por causa de uma guria, a adolescência explodiu com voracidade e eu, naturalmente, não aguentei. Por sorte, depois de sofrer um bocado com tantas novidades em um ano e meio, acabou dando certo e o namoro se criou.
Tudo andava muito bem, obrigado. Em casa, a situação era pacífica, minha mãe sempre me teve como referência dentro do lar, meu irmão me via como herói de histórias em quadrinhos e para os avós eu sempre fui o sol que brilhava sem parar para alegrar seus corações. De quebra, a namorada me amava da maneira mais límpida que o próprio amor poderia julgar propícia. Uma verdadeira dádiva.

Quanto mais alta é a escada, maior é o tombo. Ninguém consegue viver uma vida só de qualidades, maravilhas e alegrias. Foi assim que, aos poucos, a ilusão que a maioria das pessoas criou a meu respeito começou a ruir dentro de mim, revelando uma criatura que talvez só eu conheça atualmente.
Vieram os erros, um atrás do outro. Sem estrutura para confrontá-los e resolvê-los, empilhei situações embaraçosas, palavras nocivas e uma grande confusão sentimental. Foram anos difíceis, eu sei disso. Passei a ser visto, pelo menos para meus amigos, como uma pessoa inconstante, imprevisível, de muitas idas, várias vindas e poucas certezas.
Percebi que havia empenhado muito do meu tempo nas relações com amigos que hoje sequer lembram que eu existo. É claro, não eram amigos, e sim fases. Os verdadeiros permanecem até hoje, mesmo sabendo todo o meu fracasso. Ainda há quem se iluda com um Antônio gente boa, que erra, mas também acerta.

Sinceramente, se eu fosse meu pai, minha mãe ou meus avós, não sentiria orgulho de um filho assim. O que eu construí em 24 anos? Um punhado de lembranças, talvez. De resto, nada. Enquanto todos trataram de encaminhar suas vidas e deixaram o tempo cuidar do verdadeiro amor, eu matei o meu, dia após dia. Na tentativa de controlar tudo à minha volta, perdi o sentido das coisas e, consequentemente, o rumo certo que tanto pensava que seguia.
De quebra, a vida fez o favor de levar embora um de meus melhores pilares. O que já estava complicado, piorou. Em meio às festas, ainda que a companhia dos amigos sempre tenha sido outra grande conquista, permiti que as efemérides destruíssem o que eu tinha de melhor, e chafurdei no fracasso.
Algumas pessoas acordam a tempo, aproveitam as chances que a vida dá. Eu não fiz. Pelo contrário, joguei tudo fora. Cheguei num ponto em que já não me considerava mais suficiente, muito pelo fato de justamente não ter construído nada e, com isso, não ser uma boa alternativa de futuro para alguém que merecia tanto uma vida maravilhosa.
Certa vez, um amigo metido a filósofo sentenciou: "sempre haverá alguém melhor do que você". Maldita boca santa. A colheita do plantio frustrado veio a galope e, em dois meses, a vida virou um inferno, ainda que todo pautado pela realidade dos fatos.

De que vale, então, escrever bonitinho? Ser o palhaço da turma? Saber falar em público? Ter timming, fazer piadas e despertar gargalhadas? Imitar o Paulo Sant'anna e uma série de personagens ridículos? Cantar meia-dúzia de modas de viola? Andar a cavalo, dominar a lida campeira? Comprar um carro, ter um bom emprego? De que vale tudo isso sem amor?
Me pergunto, sem parar, qual o verdadeiro sentido de ser tão admirado, tão querido, se na verdade é tudo farsa, um abissal engano, a nítida máscara do fracasso. Questiono, o tempo todo, até onde é válido viver sorrindo, mas sofrendo. Viver de festa, mas emocionalmente funesto. Resolver mudar, pensar pra frente, seguir os incentivos, mas ser substituído aos quarenta e cinco do segundo tempo, justo na hora de comemorar o título. Recuperar a esperança de construir todos os sonhos, mas vê-los indo embora com a onda do mar de Perequê, feito um bobo castelinho de areia.

Não se deixem levar pelo sorrisinho maroto e afável. Eu não valho nada. Nem para os outros, nem pra mim, nem pra ninguém. Muito menos para quem deveria. É tudo um grande engano, a verdadeira nota zero. À esquerda.

3 comentários:

  1. Peralá, meu nêgo... não é bem assim!
    Por mais que tu não valha nada (tsc tsc), sempre há um chinelo velho pra um pé torto... E mais. Se o chinelo não for assim tão velho, pode até endireitar o pé, sabia?
    Portanto, deixa essa carranca porque aos 24 anos eu nem tinha cometido a metade dos meus erros.
    E quer saber a verdade? Ninguém aprende acertando. Nem bebês, nem chimpanzés...
    Fica bem, guri!
    Te gosto deveras... (pra usar palavras antoniescas)
    Beijo meu!

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  2. A dor de uma perda é traumática, mas o tempo nos traz a resignação, a saudade fica menos dolorida e o pensamento não nos magoa tanto.
    Sei que vais superar isso que está ocorrendo na tua vida.
    Não concordo com o último parágrafo do texto, não por ser tua vó, mas por conhecer tuas grandes qualidades. Jamais serás um zero à esquerda!!! Muitas coisas boas ainda acontecerão na tua vida. O que tem que ser será...
    confia naquele amor tão lindo que vocês viveram... será que foi efêmero esse sentimento? Pensa nisso...
    Um grande beijo. Amo-te muito e torço que tudo dê certo.

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  3. Lembro-me que certa feita escrevi um texto denominado "Co's bofe azedo" onde eu tratei de um assunto que mencionaste, daqueles amigos que hoje nem lembram de nossa existência. Até hoje faço muito por tantos que nunca retribuirão-me. Ainda assim continuo fazendo, sei lá, devo gostar destas pessoas. Na época lembro que comentaste sobre o texto. Certamente não é por isso que estou comentando hoje, e sim, porque enxerguei nestas tuas palavras, deste teu texto, aquele Antônio que conheci nos bons tempos de Santa. Época boa esta. Dá saudade né?
    Pelo que tenho visto, a vida apresenta caminhos estranhos não somente a mim, mas a todos que de alguma forma esperam algo mais dela. Creio que isso deve ser um teste meu caro, uma prova destinada aqueles que realmente tem condições de mostrar que podem "algo" mais. Os erros, as besteiras que cometemos nada mais são que um exemplo que somos seres humanos assim como qualquer outra pessoa. O nosso diferencial? Somos gaúchos, crias de coração lá dos campos de cima da serra, da querida São Chico. E como tais, jamais, repito, jamais, fugimos duma boa peleia.

    Ao seu dispor meu grande amigo. Sempre!
    Forte abraço,
    Bruno Costa "Campeiro"

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