Ninguém compreende sua beleza

Por que estás a procurar a paz onde ela não está?
Por que fazer de coisas irreais o sustento de uma vida?
"Olhai os lírios do campo, ninguém compreende sua beleza.
Nem Salomão, nem ninguém jamais se vestiu como um só deles."

Mesmo que seja até difícil, tente ao menos uma vez,
Olhar o verde do mar, sentir o calor do sol,
Como criança vendo a vida despertar.



Nos áureos tempos de Pastoral da Juventude, voltimeia cantávamos essa rica canção. Cada um sempre tinha suas predileções, aquela música que tocava o coração no momento certo, que despertava a emoção já na introdução dos violões. Lembro que a letra acima me trazia uma certa paz. Não que eu analisasse o conteúdo com propriedade e refletisse sobre ele, mas a melodia em si soava como um bálsamo flutuante, e eu adorava.
Devo confessar que há alguns anos não rememorava a música dos lírios do campo. Contudo, em dias que a cabeça não pára e as lembranças borbulham o tempo todo, até que ela veio a calhar. Pensar na letra trouxe, novamente, um pouco de paz e, claro, a vontade de escrever, ainda que da maneira mais simples, sem invencionices, sem a intenção de despertar elogios que estacionam no texto e dali não saem.
Como pode um assunto entre duas pessoas ser resolvido sem diálogo? Que inteligência há no afastamento, na fuga? É engraçado como a gente se apega à primeira corda que aparece, principalmente quando a mão está escorregando do único galho à beira do precipício. Com isso, toda solução é válida, desde que seja para o melhor de pelo menos uma das partes.
O que me surpreende, no entanto, é o caráter drástico de certas mudanças que ocorrem. Logo uma relação onde tudo era motivo para conversas, algumas tão longas, que adentravam madrugadas, rumou para uma situação de ausência e negação. Me intriga que falte a coragem de olhar nos olhos e definir o que realmente acontece, ao mesmo tempo em que sou obrigado a crer que isso acontece justamente por ainda haver um resquício de sentimento que tenta, em vão, ser ofuscado, escondido.
"Ninguém compreende sua beleza". Depois das decisões tomadas, não adiantará chorar sobre o leite derramado, principalmente em casos irreversíveis. As pessoas, porém, têm a mania de sempre apostar uma moedinha a mais, necessitam de um naco de certeza a mais para agir e, enquanto ela não vem, entocam-se. Quantas vezes fui assim? Aliás, de que adiantou, se a lição não serviu também para o semelhante?
Sinceramente, imaginei que iria mais longe. Pensei que pudesse suportar carga maior que essa, mas não consigo. Durante o próximo mês, enquanto deixo de "fazer de coisas irreais o sustento de uma vida", passo a traçar a caminhada definitiva, aquela que me fará encontrar a paz exatamente onde ela está. Sem arrependimentos, sem apegos, sem dar ouvidos a qualquer tipo de clamor.
Se as pessoas realmente fossem empáticas, talvez alguém entendesse que certos sentimentos, por mais raros que sejam, não podem ser abandonados, esquecidos, superados. Quando um indivíduo se propõe a ser diferente e, ainda que pareça o contrário, decide não ser mais um na multidão, a empatia não tem serventia nenhuma. Qualquer conselho entra por um ouvido e sai pelo outro, justamente porque a solução de certos casos precisa, sim, ser oito ou oitenta. Se é o morno que me sobra, eu dispenso.

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