As agruras da vida adulta

Estava eu, sossegado, bebendo um Tang sabor maracujá no recôndito do meu lar, doce lar, quando, de súbito, meu irmão caçula pediu-me algo inusitado:

- Mano, faz um Orkut pra mim?

Confesso que, nos subúrbios de meu inconsciente, já esperava por esse dia. Aliás, imaginava que fosse acontecer bem desse jeito, com ele vindo pedir-me o obséquio. Sem falsa modéstia, tenho a honra de ser uma espécie de ídolo para meu maninho, o que o leva a sempre recorrer à minha pessoa quando se trata de algo novo.
Ainda que eu tenha considerado prematuro inicialmente, devo confessar que o pedido veio até tarde, uma vez que crianças de onze anos, atualmente, estão voando na internet, enquanto que meu irmão ainda dá seus passos iniciais, graças ao controle sagaz que exerço sobre essa atividade aqui em casa.
Apesar de estarmos em plena era digital, ainda considero saudável que um guri da idade dele brinque na rua, jogue bola, volte todo sujo e suado para casa e, enfim, seja criança de fato. Não há como proibir video game, novela das oito e internet, mas é possível equilibrar. Além disso, crianças precisam de limites, e presumo que esteja certo em fazê-lo conviver com isso desde pequeno.
Bueno, mas fiz o tal de Orkut. Ensinei-o, com parcimônia, a lidar no danado, abrindo-lhe as portas do maravilhoso mundo dos sites de relacionamentos. Não sem antes, é claro, decretar uma série de precauções e listar todos os efeitos nocivos do mau uso desse tipo de ferramenta. Antigamente, a mãe dizia para não esquecer o casaco, não falar com estranhos e não voltar tarde para casa. No século XXI, a recomendação é não adicionar estranhos, não aceitar arquivos de procedência duvidosa e jamais, eu disse jamais, revelar informações confidenciais, tais como endereço, telefone e talicoisa.
Ao passo que inseri meu caçula na imensidão virtual orkutiana, que certamente o apresentará outros diversos caminhos, preocupa-me vê-lo manuseando um site que o aproxima, infelizmente, da vida adulta. Não sei vocês, mas eu não gosto de ser adulto.
O Orkut, por exemplo, é um destruidor de relacionamentos. Apenas a minoria das pessoas consegue usá-lo sem deixar-se cegar pelo ciúme, mesmo que isso envolva um mísero recado, ou um depoimento qualquer. Até comunidade, em casos extremos, é motivo de discussão. Já deletei meu perfil duas vezes, e só não o faço novamente porque alguns amigos insistem em querer manter contato comigo por ali.
Do site de relacionamentos, pulamos para os objetos diretos que os envolvem, ou seja, as pessoas. Ser adulto é padecer no paraíso das amizades. É surpreender-se com atitudes, ser esquecido, descartado, substituído. Adultos amam hoje, e amanhã não mais. Têm compromissos, arranjam novos amores, dão pé na bunda e cobram explicações. Mudam as situações da vida e, com isso, às vezes pode significar que você não está mais incluso na importância de alguma dessas situações. Ou em nenhuma delas. Adultos passam, descaradamente, errorex na história de suas vidas.
Há as contas. Adultos dependem de dinheiro para viver. Gostam disso. Eu mesmo, não posso negar, adoro. Contudo, essa adoração toda me levou a comprar um carro, que me custou todas as economias juntadas com todo o esforço possível. Deixei de beber muita cerveja para comprar um veículo que hoje bebe gasolina deliberadamente. Que tem um imposto caríssimo, o qual por sinal nem paguei ainda. E que, para completar o quadro da dor, tem problemas mecânicos eventualmente. Problemas esses que custam caro. Cerca de oitocentos reais.
Acontece que um adulto não sai de casa pela manhã planejando "hoje vou gastar oitocentos reais com meu carro". Ou seja, quando o mecânico liga avisando o preço, há um choque anafilático, seguido de uma bruta dor-de-cabeça e o inevitável pensamento de "agora fudeu". Sorte que eu sou sovina, ou melhor, um cara sólido financeiramente, e pude salvaguardar-me de minha rica e suada poupança - a do banco, sem malícias - para efetuar este defenestrável pagamento.
Em suma, adultos sofrem pelos mais variados motivos. Crianças só devem satisfações às mães e às professoras; ganham trinta reais de Natal e pensam que é fortuna; esquentam a cabeça quando perdem no game, mas a refrescam com o primeiro sorvete que aparece; apaixonam-se por um coleguinha, mas trocam o sentimento por uma bicicleta nova; ouvem um "não sou mais teu amigo" do vizinho, mas no outro dia dão risadas todas juntas. A infância é sinônimo de felicidade. Pena que eu só descobri isso depois que ela passou.

1 comentário:

  1. ah, cara, gostei muito mesmo do teu texto, tem seriedade mas é, ao memo tempo, engraçado.
    esse orkut é uma meleca, né? só o tenho por causa das comunidades de downloads... muitas vezes nem olho os recados.
    e acho que todo mundo só descobre que a infância é feliz, depois que ela já foi embora. :)
    feliz que você gostou do meu texto. Beijos!

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