A tiazinha do voador

Pois bem, comecei a malhar. De nada valeria a celeuma dos quilos a mais, se uma atitude drástica não fosse tomada. Já são cinco dias de re-educação alimentar, comendo de 3 em 3 horas, cortando doces e gorduras, caprichando nas saladas e frutas, o que, no meu caso, trata-se de um novo recorde Sul-Americano.
Essa veadagem toda tem sentido: contrariar os padrões da vida de casado, que supostamente torna flácidos todos os seus integrantes. Eu, no entanto, quero ser exceção. Poucas vezes na vida senti tanta determinação em realizar uma façanha, seguir firme num propósito e alcançar o resultado esperado. Quem me conhece um pouco melhor, sabe que costumo desistir dos meus projetos na primeira esquina, e portanto este ímpeto deve ser motivo de louvor, sim.
Ocorre que, porca miséria, toda vez que estou numa atividade bacana, tem um sacripanta pra atrapalhar o barato. Vejam o exemplo da academia, se não é para dar umas chineladas. Chego lá, todos os dias, feliz e pimpão da vida, toalhinha em punho, alongamento realizado à risca, pego a ficha com o treino programado e rumo para os aparelhos. Faço todos os exercícios bem concentrado, sem pressa, de modo a obter um melhor resultado.
Aliás, esse lance de fazer os exercícios sem pressa merece um parágrafo à parte: tem uns indivíduos que puxam aqueles ferros com tamanha voracidade, como se o mundo fosse acabar em duas horas! Sinceramente, eu não tenho formação em Educação Física, mas a impressão que passa é que aquilo vai esbodegar os músculos das pessoas, porque não é possível que malhação a jato dê algum sinal de melhora. Ontem, enquanto eu seguia minha série com parcimônia no primeiro exercício, uma alemoa fez o circuito em nada menos que cinco aparelhos. CINCO! Cacilda, que absurdo que foi ver aquela guria malhando, parecia que ia tirar o pai da forca.
Bueno, mas o que eu quero mesmo comentar é sobre a tiazinha do voador. Ora, este é o título da postagem. Nunca fui afeito aos entrementes da academia, mas aos poucos a gente vai pegando as manhas. É supino, convergente, remada baixa, inversa, contralto, tenor e baixo. Ih, misturei tudo. De todo modo, tem um aparelho lá que se chama voador. O voador é um negocinho legal pra caramba, um abre-e-fecha aparentemente fácil de executar, quase lúdico. O instrutor, quando foi mostrar a dinâmica do exercício, fez aquilo com tamanho desdém, que julguei que seria moleza.
Sentei no banco e fui sorridente executar a primeira série. Na sétima fechada, eu queria espancá-lo a pauladas, e só não o fiz por dois motivos muito práticos: primeiro, meus braços estavam em chamas, a ponto de caírem do corpo; segundo, os bíceps, tríceps, quadríceps e “pentahíceps” do cara são abissalmente superiores aos meus. Completei a oitava, a nona e a décima (bem, na décima eu fui só até a metade) fechadas como quem chega de uma São Silvestre, quase chorando de emoção. E era só o primeiro aparelho. Acreditem, eu preciso de muita motivação pra malhar, isso é sério.
Olha aí, fugi de novo da tiazinha do voador. Essa mania de desviar os assuntos eu puxei da vó Dilma, cobrem dela. A vó começa falando de tango e termina em tamanco. O fato é que, de tão assustador, o voador me cativou. Nos dias seguintes, cheguei sempre ávido para executar as séries no voador, tanto normal quanto no inverso (que é bem mais fácil, por sinal).
No segundo dia, porém, aconteceu algo diferente. Quando cheguei no aparelho, havia uma jovem senhora fazendo a sua série. Aguardei um pouquinho, mas ela não saiu. Resolvi fazer os outros exercícios e deixar o voador para depois. Contudo, à medida em que eu executava as demais séries, comecei a notar que a tiazinha ainda permanecia lá, parecia um dois de paus. Fiz mais dois aparelhos, e nada. Já estava quase desistindo, mas finalmente ela saiu e pude finalizar minha malhação no voador, que alegria.
Terceiro dia, e a tia lá de novo. Fiquei intrigado. “Essa mulher deve ter visto que eu curti o voador e tá fazendo pirraça”, pensei. Dessa vez, a desgraçada quase dormia entre uma série e outra. Ficava lá, com aquele olhar perdido, vendo a novela e pensando na morte da bezerra. Comecei, então, a contar os minutos. Por Deus, ela executava séries de vinte e descansava cinco minutos! Tá aí o motivo de continuar gorda, feia e parecendo um plissê! Aquilo foi me agoniando, tive que partir para os outros exercícios de novo, né, sem condições de ficar esperando aquela amontoada liberar o aparelho.
Fiz todo o circuito e faltava o maldito voador. Pensei em reclamar, mas ao mesmo tempo sou novo na academia, vai que alguém conhecesse a dita cuja e tomasse as dores. Tô a fim de malhar, não de fazer luta marcial e, pior que isso, sair de casa pra levar uma sumanta de laço. Vale ressaltar que o bairro onde moro agora é meio boca braba, e o seguro morreu de velho. Sendo assim, sentei num outro voador que tem ao lado e fui pro sacrifício.
“Como assim? Tem outro voador na academia?”, provavelmente você perguntará. Sim, tem, eu responderei. Só que, como direi, é um voador diferente. Ele é mais pesado. A cada fechada de braços, é como puxar um búfalo pelas ventas. Um búfalo morto. Tive que fazer, não havia outro jeito. Terminei a primeira série ofegante. Ao fim da segunda, bebi três copos d´água. Na última, quase liguei para minha mãe, só não o fiz porque havia deixado o celular em casa. Enquanto isso, a tiazinha seguia assistindo à novela, com cara de peixe morto. Quis fazer guisado dela, foi difícil conter os impulsos.
Ontem fui mais cedo, a fim de livrar-me daquele encosto. Ao chegar, procurei-a imediatamente e, hosanas aleluia, ela estava na esteira. Parecia um coala correndo, coitada. No entanto, havia um piazito abrindo e fechando o voador. Feito uma borboleta, o guri batia as asas compassado, dando a impressão de que estava num show da Ivete Sangalo. “Deve terminar rápido, enquanto isso vou fazer o primeiro exercício”, pensei.
De fato, acabou bem rápido. Quando olhei de novo, lá estava um carequinha voando. Por um momento, cheguei a cogitar uma conspiração contra mim. Mas, respirei fundo e parti para o segundo aparelho, dessa vez sempre de olho no calvo, que a tiazinha já dava sinais de cansaço após intermináveis cinco minutos de esteira. Nisso, relaxei por um instante, sei lá por quê. Foram segundos de desatenção que custaram caro. Num piscar de olhos, macacos me mordam, olhei de novo e o careca já estava noutro canto, enquanto a tia ajeitava sua toalha no banco do voador...
Saí correndo desembestado e, antes que ela pensasse em acomodar as nádegas no banco, desferi-lhe um pontapé no rosto, quebrando o nariz em três partes. Isso foi o que eu me vi fazendo numa projeção surreal. Na verdade, fiquei em choque, vendo que havia sido logrado novamente. Ensandecido, decidi cronometrar a saga da tia no aparelho. Faltavam cinco minutos para as seis da tarde quando ela começou. Às seis e vinte e cinco, enquanto eu finalizava o meu treino, incluindo o outro voador, que mais parece um moedor de carne, só então ela desocupou o lugar. Foram intermináveis trinta minutos, um verdadeiro acinte aos princípios da malhação.
Hoje eu vou mais cedo, ah, se vou. Fico feito estátua ao lado do aparelho, não arredo pé, mas hoje ela não me engambela. Nem que eu faça uma reclamação, arme um banzé ou compre um revólver, que essas questões às vezes precisam ser resolvidas à bala. Mas, por via das dúvidas, vou caprichar no alongamento dos braços. Passados quatro dias, já aprendi a não subestimar a astúcia da tiazinha do voador.

3 comentários:

  1. Por isso que não vou a academia, baita desculpa hein primo.
    Abraços Luciano

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  2. Gargalhadas rolando solta aqui, e a tia continua no voador!
    Vou esperar ver esse no livro hein!? Abraço.

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  3. Olá Antônio, tudo bem?
    Então, eu sou Juliane Bastos do blog O que um coração sente e eu havia pedido lá no grupo "Blogueiros" que deixassem seus blogs para eu fazer uma visitinha. rsrs
    Por isso estou aqui conhecendo seu espaço, que por sinal é muito bacana.
    Sou gaúcha também, de uma cidade do interior. É tão raro encontrarmos gaúchos na blogosfera.
    Mas enfim, gostei muito daqui e gostaria de saber como faço pra seguir seu blog, já que não encontrei nenhum meio.

    Parabéns e sucesso sempre. :)
    Abraço e bom final de semana.

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