Para atravessar agosto


Agosto é um mês macanudo no calendário. Há quem o pragueje e lhe atribua a desagradável alcunha de mês do desgosto, mas na minha ótica nem tudo são espinhos neste singelo período de 31 dias sem feriados. Mesmo que seja um pouco mais demorado, assim como julho, o mês oito da folhinha tem lá suas virtudes.
Primeiramente, ele precede uma época farta no ano. Depois que passa agosto, tudo é delírio e meses recheados de feriados, o que encurta os setembros, outubros e novembros da vida e faz com que o glorioso verão chegue a galope. Este período de purgação das agendas faz parte da necessária atenção que merece ser dada à primavera que chegará a seguir, com suas flores mimosas e o pólen destruindo as narinas de quem sofre com rinite alérgica.
De todo modo, o que mais me atrai em agosto é a mística. Muitos falam em azar, o que concerne um tom mórbido ao pobre mês, porém não consigo analisar por este prisma pelo simples fato de que a superstição dos antigos dá um viés de curiosidade e sobrepuja a malfadada fama nefasta que agosto carrega consigo.
O primeiro contato que tive com os costumes agostinos deu-se em São Chico, terra de gaúchos contumazes e arraigados às tradições. Recordo que, ao visitar a casa de minha madrinha, deparei-me com um Aristeu barbudo. Aristeu, para quem não sabe, é o marido da irmã da minha mãe, ou seja, ele já foi concunhado de meu pai no tempo em que este era casado com a filha de minha avó materna que não é minha madrinha. Noves fora, podemos concluir que Aristeu, nas horas vagas, também é genro de minha avó.
Pois bem, lá estava Aristeu, barbudo feito um Enéas. Estranhei o fato, já que normalmente ele só cultivava um portentoso bigode, documento master dos gaudérios serranos. De todo modo, fiquei quieto, que com homem de barba não se mexe a troco de nada. Preferi perguntar à minha avó o porquê daquela macega toda no rosto, ao que ela explicou que os antigos não faziam a barba e nem cortavam o cabelo no mês de agosto, o qual atravessávamos naqueles dias. A partir dali, notei que meus avôs também começaram a cerrar suas barbas e deixavam também que as melenas crescessem sem o menor pudor. No Aristeu eu não notara o segundo sinal em virtude de sua acentuada calvície.
E é dessa forma que São Chico atravessa agosto, com seus habitantes crinudos e as barbas de molho. Dos que ainda habitam as coxilhas n'alguma tapera rara de campo nativo também se percebe os primeiros sinais de fumaça dos contraventores. Agosto é mês das queimadas, proibidas por lei, mas necessárias ao gado pela renovação que causa no pasto. Não vou entrar no mérito biológico da questão, contudo devo admitir que tradicionalmente é bonito ver a macega sapecada e o gado entretido lambendo a cinza enquanto seu broto não vem.
Por último, este é também o mês do passamento de muitos cavalos velhos. A bem da verdade, é em fevereiro que os equinos anciãos costumam torcer a cola pela última vez. Porém, por ser um mês de frio e pastagem escassa, também em agosto muitos animais emitem seu último relincho e não mais brindam a paisagem com algum corcóvio de liberdade. Dia desses, no encontro anual da família, cumprimentei a Tia Ceni, cunhada do vô João Maria. Ao abraçá-la, elogiei seus cabelos branquinhos feito algodão, fruto dos janeiros que ela já enfrentou de oitenta e poucos anos pra cá. Bem-humorada, a tia riu comigo quando afirmei que era bonito contemplar a terceira idade da família ainda tão altiva, demonstrando a força do cerne serrano, ainda que com alguma carne já cansada. O riso foi ainda maior quando brinquei com o fato de ela ter vencido mais um mês de fevereiro, em analogia clara à mortandade de cavalos velhos neste tempo, o linguajar campeiro não é ofensivo a quem já lidou tanto no campo. A tia, no entanto, fez a ressalva:

- É, mas ainda tem o mês de agosto pela frente!

Mais uma vez, deparei-me com a força cabalística deste mês que faz crescer barbas, cabelos, bigodes e ainda atesta a causa mortis de tantos matungos anualmente. Com agosto não se brinca, e só não deixo a barba crescer por medo do divórcio. Enquanto isso, vou atravessando estes trinta e um dias com a esperança de ver o pasto verde e o gado gordo outra vez.



- Participando do Desafio Blogueiro da semana.

5 comentários:

  1. Grande Antônio!! Que sensacional texto, meu caro.

    Bom, Agosto sempre foi um mês de preparação na minha vida. Purgo para entrar puro na primavera e já poder pecar mais no verão hehe

    De toda forma, sempre foi um mês de reflexões e mudanças. Acredito que Agosto de 2012 será mais, com todas as magias e coisas afins que isso possa sugerir.

    Enfim, que bom voltar a lê-lo. Pretendo mesmo não me afastar do blog. Obrigado por ter passado por lá.

    Abraços

    ps: Que ótimo que a vida anda boa para você também. Super feliz aqui pelo seu livro!! Boa!

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  2. Massa Ton! como sempre!
    E para sua invejinha, aqui em BH tem um feriado em agosto, dia 15! :)

    E pelo amor, não deixe a barba crescer, não arrisque seu casamento! hehehe!

    Abraço, e ótimo agosto pra nós todos!

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  3. Oi, então, não sou gaúcha,moro nO MS, mas minha mãe é do interior do RS (:
    Adoro esse estado maravilhoso, visito-o todos os anos.

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  4. Adoro o jeito como você fala do campo, por muitas vezes tenho vontade de visitar uma dessas fazendas! Seus textos são muito bons!
    Quanto as tradições de agosto, ainda bem que não tem em todo lugar, já imaginou?! rsrsrs!
    Desejo que esse agosto seja lindo e cheio de felicidade!
    Abraço!

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  5. Curioso! Não conheço nenhuma tradição "agostina", mas acredito que agosto é um mês até místico! Já que, mesmo sendo o mês de número 8, nos traz a sensação de ser o mês do meio do ano.


    Adorei o texto, o blog, o clima por aqui!
    Abraços

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