Do grego, "estrategia"

Passado o banzé acerca do lançamento do livro, os níveis de adrenalina baixam consideravelmente e chega aquele momento de tocar a vida adiante e voltar para a rotina. Não que isso seja ruim, uma vez que significa voltar a dormir bem e evitar uma série de preocupações que vinham sendo recorrentes em virtude de tanta ansiedade e preparação. Fica aquele gostinho bom de dever cumprido e a realidade de agora ser, pelo menos, escritor de um livro só.
Há, porém, as mudanças no aspecto comercial da coisa. E é aquela história, boi lerdo bebe água suja. Preciso vender livros, essa é uma realidade da qual não dá pra fugir. Portanto, coloquei o fosfato pra queimar e já estou maquinando planos ardilosos que me auxiliem nesta nova atividade mascate e varejista a qual estou atrelado.
A bem da verdade, confesso: queria encher um saco de livros, colocar nas costas e sair berrando pelas ruas feito Seu Madruga vendendo "chapéus, sapatos ou roupa usada, quem tem?". Acho tão cativante esse tipo de atitude simplória que emula aqueles bons homens que cruzavam os desertos da Galileia para levar a boa nova ao próximo. Contudo, alguns minutos de reflexão deixam bem claro que dois mil anos se passaram e o marketing evoluiu um bocado de lá para cá, o que me compele a ser obrigado a usar da astúcia para convencer os consumidores de que minha obra é realmente supimpa.
Bolei uma jogada nas minhas viagens de trem que pode até não dar certo, mas é no mínimo curiosa. Todos os dias, quando vou para a faculdade, levo exemplares comigo na mochila discretamente. Como um cidadão comum e anônimo, placidamente abro o Que Momento! n'alguma página aleatória e aguardo que mais pessoas sentem ao meu lado.
Sigo folheando com paciência até identificar o alvo perfeito: uma pessoa que goste de ler e demonstre isso. Assim que senta uma criatura com um livro às mãos perto de mim, desato a rir compulsoriamente. Mas não é qualquer risadinha, tem que ser com imponência. Gargalho como se estivesse descobrindo a oitava maravilha do mundo em literatura, dando a certeza de que o conteúdo das páginas quemomentistas significam a remissão dos pecados e a salvação eterna.
Hoje, por exemplo, despertei o interesse de uma jovem. Sentou-se ao meu lado com um livro da Martha Medeiros. "Cacilda, páreo duro", pensei comigo. Em tese, mulheres que leem a Martha são suas fãs viscerais, donde concluí que teria de caprichar na risada para chamar a atenção. Esperei dois minutos e comecei com risinhos abafados, aqueles em que a gente enche a bochecha de ar e põe a mão na boca como se fosse evitar que a bolacha recheada caia no chão. Repeti por três vezes, mas nada da guria me dar as horas.
"Hora de ser mais agressivo, vamos ao passo dois", refleti. Aliados aos risinhos, comecei a contrair o corpo como se uma gargalhada viesse de dentro, tipo um flato ao contrário. Com os espasmos, acabei cutucando seu braço "acidentalmente", ao que pela primeira vez ela percebeu a minha presença. Diante daquela brecha, soltei a primeira risada evidente, apertando os olhos e dando um tapa na perna ao mesmo tempo em que espremia o livro contra o peito com a outra mão.
Ela, finalmente, prestou a atenção à cena. Senti Martha tremer em seu pedestal inatingível, antevendo que seria possível atrair o interesse da menina. Aguardei alguns segundos para que ela voltasse à sua leitura e, instantaneamente, soltei uma risadona velha daquelas de acordar defunto. E, dali, ganhei o mato. Prendi a respiração, fiquei vermelho feito um pimentão e dei seguimento ao riso incontido por uns quinze segundos dando socos repetidos na coxa como se tivesse descoberto a piada mais engraçada da história da humanidade. Seca de curiosidade, finalmente ouvi a pergunta pela qual tanto batalhara:

- Desculpa perguntar, mas do que fala esse teu livro?

Ela mordeu a isca! Bingo! Eureka! Soltem os fogos e Feliz Ano Novo! Brasil-sil-sil! É tetra, é tetra! Ainda risonho, fitei seus olhos com um certo desdém como se fosse um crime não conhecer a grande obra da literatura moderna, o clássico Que Momento! conhecido pelos gaúchos e gaúchas de todas as querências. Fechei o livro com bastante calma, alisei a capa como se estivesse cuidando de um filho, pisquei duas vezes com paciência e preparei-me para fazer o jabá. No entanto, fui interrompido:

- Estação São Luís/ULBRA! - a voz robótica ecoou em todo o vagão.

Taqueopareu! Minha estação, que injustiça! Fiquei todo errado, juntei a mochila abruptamente e, com os olhos agora chorosos e cara de guri manhoso, tive tempo somente de balbuciar uma frase curta cujo conteúdo vago impediu-me de finalizar a venda de um exemplar em pleno trem:

- São crônicas que eu escrevi e... eu preciso ir! Desculpa! Tchau! - quase que a porta fecha trancando meu pé.

Fiquei estático vendo o trem partir e percebi que, do lado de dentro, a curiosidade mortífera brotava de seus olhos jovens. Minha esperança é reencontrá-la algum dia, preciso me agarrar nisso. Caminhei macambúzio até o ônibus com o consolo único de ter destituído Martha Medeiros por alguns segundos. Ainda meio aéreo, entrei no coletivo e sentei num banco sem esconder certa tristeza. Ao meu lado, sentou-se outra guria lendo um livro de mais de quinhentas páginas. Sorrateiramente, tirei meu livrinho da mochila e abri na página um. Uma absurda vontade de rir tomou conta de mim novamente, porque o show não pode parar.

2 comentários:

  1. Olá Antônio, adoro ler seu blog viu?
    Martha ?Bom, só conheço de ouvir falar mesmo.
    Achei sua atitude bem curiosa , se fosse comigo, também não iria dar mole só com um cara rindo ao meu lado :)
    Bjinhos

    ResponderExcluir
  2. Ai meu Deus. hahahahahahahhaha.
    Ai Tôn, que gênio! Da próxima dê risadas enquanto entra no vagão, pra já 'chegar, chegando'. hahahahahahha
    Depois conta se deu certo. ;)

    ResponderExcluir

<< >>