Soy lo que soy

Antes de começar a ler o que escrevi abaixo, peço ao caro leitor que dê o play na música e faça a leitura ouvindo a melodia de modo a aproximar-se do sentimento que cultivei ao produzir cada linha.


Quando eu era bem pequeno, um guri por volta dos sete anos, ainda fazia uso da mamadeira. Em casa não lembro com certeza, mas lá em São Chico, na fazenda dos avós, lembro bem que a teta postiça era obrigação matinal. Havia uma vaca chamada Cigana da qual meu avô tirava o leite especialmente para que vovó preparasse minha mamadeira caprichosamente condimentada com achocolatado em pó.
Lembro daquela vaca como se fosse hoje: era uma brasina da cara branca, parecia que ela usava máscara, um animal lindo! Para quem gosta da lida campeira, é claro. Mas era, de fato, um bicho primoroso. Eu me debruçava na porta do galpão enquanto o vô tirava o leite dela e depois voltava para dentro de casa todo faceiro pronto para saborear aquela mamadeira dos deuses.
Das poucas lembranças que realmente me emocionam na vida, essa é uma delas. É engraçado, mas há situações que marcam para sempre por mais simplórias que pareçam. Observem esta música que está tocando por exemplo (e agora, se você não deu o play como pedi, é hora de fazê-lo para entender o contexto): conheci as canções interpretadas por Soledad Pastorutti há poucos dias através dos amigos gaudérios que fiz na faculdade. Meu colega Maurício, um sujeito cuja bondade e caráter conquistaram meu profundo respeito, tem uma delas como toque de seu telefone, o que acabou despertando minha atenção. Senti-me atraído pela voz forte da cantora argentina, pesquisei outras músicas e acabei descobrindo a melodia maviosa deste chamamé que, sinceramente, desestrutura minhas bases a cada vez que ouço seus acordes.
Esta música, "Nunca me fui", por Deus do céu, tem algo que me emociona de verdade. Fecho os olhos e retorno para o galpão, enxergo meu avô tirando o leite daquela vaca, dá até vontade de chorar. Transmite uma sensação de bem-estar difícil de descrever, mas posso dizer-lhes que chega muito perto do suprassumo de minha paz interior.
Gosto da vida assim, com seus momentos mais incríveis representados no que há de mais simples. Me faz entender que realmente vale à pena prestar a atenção no que é micro, no detalhe, na letra castelhana que conta uma história trivial de infância e me traz uma vontade absurda de nascer argentino na próxima encarnação só para dizer que sou da terra de Soledad Pastorutti. De Mercedes Sosa. E do Papa. E da Rainha da Holanda.
"Recuerdos que no se olvidan, que siempre están". Sou um saudosista inato, nasci deste jeito e sinto uma felicidade plena quando, num descuido, me deparo com a emoção à flor da pele em virtude de algo que para os outros poderia passar despercebido. Nessas horas me dá vontade de fazer exatamente isso, vir aqui neste blog e escrever sem compromisso com cronologia, com história engraçada, apenas com o propósito de registrar um momento ímpar de felicidade, um daqueles que merece um "QUE MOMENTO" só para reafirmar a verdadeira razão de existir deste blog.
Escrevo inebriado pelo embalo da música e descubro, em cada frase, que sou feliz. Esqueço todo o resto e fixo minha mente nesta que é uma fagulha de plenitude. A música pode já ter terminado para você. Pode, inclusive, não ter feito sentido algum. Este pode ter sido um dos textos mais desconexos e sem graça que todos já leram por aqui. Para mim, no entanto, já é um dos mais lindos da história pela carga sentimental que representa. Foi gostoso de escrever, como aquelas mamadeiras cheias do leite da Cigana.

"Soy lo que soy, siempre llevo lo que fui".


Conheçam-na. Canta muito!

1 comentário:

  1. Nascer argentino, cruzes!

    asuhsaashuashusahusahuashu

    Adoro esses momentos simples que desencadeiam essas lembranças boas. Um cheiro, uma harmonia, uma palavra! Quando a memória é boa e está, muito pouco já é suficiente.

    Abração!

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